Aids não é mais “a peste”, mas ainda é um risco

Em 20 de maio de 1983, o cientista Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, na França, isolou, pela primeira vez, um vírus totalmente desconhecido, causador de uma doença sem precedentes. Um ano depois, seu rival, o norte-americano Robert Gallo, divulgou ter descoberto o vírus da Aids. Seja de quem for o mérito, havia sido disparado no planeta um pulso de medo. A desinformação e a ignorância fundida com o preconceito criaram mitos que jogaram pessoas contra pessoas, multiplicando a dor.

Procurava-se a culpa por tamanho sofrimento. A doença recebeu alcunha de “a peste” ou “o câncer gay”, atribuindo aos homossexuais inclusive a criação do vírus HIV. Este grupo social estava entre os expostos, ao lado de prostitutas e viciados em drogas injetáveis, sustentando o equívoco que somente estes seriam contaminados. O tempo mostrou que héteros, especialmente com hábitos sexuais displicentes, também estavam em risco. Da mesma forma, hemofílicos e pessoas que precisassem de transfusão de sangue (na época a testagem na doação era inexistente) eram passíveis da infecção e da transmissão.

Foi um longo caminho para aceitar que aperto de mão, abraço e beijo não transmitiam. E passou um tempo ainda maior para a Ciência desenvolver medicamentos que proporcionam vida normal ao soropositivo. Todavia, as formas de contagio, e de prevenção, estão inalteradas. Os gays já não são os mais afetados; referência que, infelizmente, passou à população pobre, sobretudo negra. Deixar de falar da Aids virou um problema, pois no último 1º de dezembro – Dia Mundial de Luta contra a Aids – a realidade é de um Brasil com altos índices da doença.

Infectologista Felipe defende o diagnóstico precoce. Foto: Arquivo Pessoal

Montenegro em posição alarmante
Essa semana, no programa Estúdio Ibiá, na Rádio Ibiá Web, o médico Infectologista Felipe Canello Pires classificou o Rio Grande do Sul como o estado com maior prevalência de infectados por número de habitantes. Neste ranking, Porto Alegre é a cidade do Brasil com a pior classificação e municípios de sua Região Metropolitana estão entre os 20 mais críticas do País.

E ainda mais chocante foi sua revelação que Montenegro figura como sexta no Estado com maior incidência de novos diagnósticos de HIV por ano, em relação ao número de habitantes. “O que é um resultado muito ruim para o município”, definiu o profissional, que atua na Secretaria Municipal de Saúde e no Hospital Montenegro.
Em consonância com a realidade nacional, essas ocorrências locais são percebidas nos grupos em vulnerabilidade social: população de baixa renda, em especial mulheres, afastados do sistema de saúde pública.

Em parte, os altos diagnósticos femininos se explicam através do comportamento dos companheiros delas. Primeiramente, Pires explica que a conscientização em alguns grupos, praticamente, ‘heterossexualizou’ a Aids. Todavia, os homens têm relações sem proteção fora do casamento, e assim levam o vírus para dentro do lar.

A Ciência avançou, e a proteção não mudou

Mais uma vez, a medicina é vítima de sua própria eficiência. Nos anos 80, sentar em frente ao médico para receber o diagnóstico era – de fato – ouvir uma sentença de morte lenta. Mas o tratamento avançou, evitando ao paciente definhar em praça pública. Mas, por consequência, afrouxaram a percepção de que o vírus existe e a consciência em relação aos hábitos de proteção.

E as orientações do Infectologista são aquelas que persistem há mais de 32 anos: sexo com camisinha e sem multiplicidade de parceiros. O item agregado agora é a realização de testes para detecção do HIV na corrente sanguínea, para iniciar de imediato o tratamento. Se a carga viral for controlada e o status imunológico melhorado, a expectativa de vida do doente é a mesma de alguém saudável. Os testes rápidos e gratuitos estão disponíveis na rede de saúde pública de Montenegro.

“Quanto mais cedo descobrirmos a infecção pelo HIV, e mais cedo começarmos o tratamento, menor o risco de morte”, afirma. Pires aponta que hoje há medicamentos eficazes e de fácil tolerância do organismo, que permite viver com a Aids como se fosse outra doença crônica, tal como Hipertensão ou Diabetes. Avanços que reduziram drasticamente a mortalidade por HIV na última década. O pânico se foi, levando junto o preconceito agressivo; devendo dar lugar a prevenção.

HIV não é a Aids

HIV é a sigla em inglês para o retrovírus da imunodeficiência humana. Ele ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. O doutor Felipe Canello Pires explica que este agente infeccioso depende de um hospedeiro, que são as células do corpo. As mais atingidas são os Linfócitos TCD4 – as principais do sistema de defesa – que aos poucos são destruídos. E quando a contagem dessas células ficar abaixo do mínimo, a pessoa está com Aids, e sucumbe a infecções oportunistas. Por isso é preciso diagnosticar cedo. “Todo paciente que tem AIDS tem HIV. Mas nem todo que tem HIV tem Aids”, declarou.

Números em queda no Brasil, mas os dados ainda são preocupantes
O Brasil registra queda no número de casos de infecção por Aids nos últimos anos. Desde 2012, observa-se uma diminuição na taxa de detecção da doença no País, que passou de 21,9/100 mil habitantes em 2012 para 17,8/100 mil habitantes em 2019, representando um decréscimo de 18,7%. A taxa de mortalidade por Aids apresentou queda de 17,1% nos últimos cinco anos. Em 2015, foram registrados 12.667 óbitos pela doença e em 2019 foram 10.565. Ações como a testagem para a doença e o início imediato do tratamento, em caso de diagnóstico positivo, são fundamentais para a redução do número de casos e óbitos.

Atualmente, cerca de 920 mil pessoas vivem com HIV no Brasil. Dessas, 89% foram diagnosticadas, 77% fazem tratamento com antirretroviral e 94% das pessoas em tratamento não transmitem o HIV por via sexual por terem atingido carga viral indetectável. Em 2020, até outubro, cerca de 642 mil pessoas estavam em tratamento antirretroviral. Em 2018 eram 593.594 pessoas em tratamento.

No Brasil, em 2019, foram diagnosticados 41.919 novos casos de HIV e 37.308 casos de Aids. O Ministério da Saúde estima que cerca de 10 mil casos de Aids foram evitados no país, no período de 2015 a 2019. “Garantimos tratamento mesmo em época pandêmica. Não faltou medicação, testes rápidos de HIV ou preservativos. Garantimos a contínua dispensação de medicamentos para o tratamento desse paciente”, afirma o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros.

A campanha de Prevenção ao HIV/Aids deste ano incentiva a busca pelo diagnóstico e tratamento da doença, reforçando que a camisinha é a forma mais fácil e simples de se prevenir contra o HIV. Caso não tenha utilizado camisinha, é de extrema importância realizar o teste de HIV, gratuito no Sistema Único de Saúde. Em caso de diagnóstico positivo, a orientação é iniciar o tratamento o mais rápido possível para evitar o adoecimento por Aids. Com o tratamento adequado, o vírus HIV fica indetectável, ou seja, não pode ser transmitido.

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