Poder público ainda falha na despoluição dos rios

O futuro em xeque. Rio Caí, ao lado do rio dos Sinos e do Gravataí, figura entre os 10 mais poluídos do Brasil

Esgoto doméstico, ao lado de efluentes da agricultura e da indústria, responde pela contaminação do Caí

Faltam médicos e medicamentos, as escolas precisam de investimentos, as ruas estão esburacadas, a cidade está suja, a segurança pública está ruim. É nesta linha normalmente que a população costuma bater na mesa e exigir respostas mais efetivas de seus representantes.

Dificilmente chegam às mãos dos políticos reivindicações que tratam de outros temas centrais para o futuro, como planejamento, desburocratização da máquina pública e sustentabilidade. Em meio a demandas urgentes do cotidiano, questões estratégicas quase passam batidas, já que os governantes não se sentem pressionados a resolvê-las. Além de o cidadão dificilmente cobrar mudanças neste sentido, o orçamento público é como um cobertor curto, porque mal dá para os serviços básicos atenderem adequadamente às expectativas da população.

O saneamento básico é uma dessas prioridades que, apesar da sua importância e de a água doce ser reconhecida pelo mundo como uma riqueza, dificilmente aparece na agenda política local. Você já ouviu algum vereador em campanha colocar no santinho que brigaria pela implantação de estações de tratamento de esgoto?

Caí é citado em evento como mau exemplo na gestão de recursos hídricos

Contudo, não se tem mais tempo a perder, porque a situação no Rio Grande do Sul, inclusive no Vale do Caí, é alarmante. O alerta é da geógrafa da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Mariana Lisboa Pessoa, que participa de estudo segundo o qual o Rio Caí, assim como o Sinos e o Gravataí, figuram no ranking dos 10 rios mais poluídos do Brasil.

Nesta quarta-feira, às 14h30min, na FEE, a especialista apresentará o painel “O Brasil e o Rio Grande do Sul diante do desafio global da gestão dos recursos hídricos”, que busca justamente jogar luz sobre um assunto relevante, mas que não recebe a atenção necessária. “O estudo de que participo está em andamento, mas já se pode afirmar que o principal problema na Região Metropolitana — e isso envolve diretamente a Bacia do Caí — não é a quantidade de água nos rios, mas sim a qualidade. Vamos debater as dificuldades quanto ao gerenciamento desses recursos hídricos”, diz.

Mariana aponta que o Caí, o Sinos e o Gravataí — para ficar nos rios gaúchos que aparecem na lista dos mais poluídos do Brasil — estão nesta situação devido às ações do homem, que resultam das atividades da indústria, da agropecuária e da urbanização. Curiosamente, esses mesmos segmentos dependem da água para manterem-se e desenvolverem-se. É neste âmbito que o papel do poder público é estratégico, porque precisa investir em melhorias, fiscalizar com firmeza o uso das águas e educar a população a colaborar com a preservação. “Temos muito a avançar, inclusive do ponto de vista político, porque as ações ainda não são articuladas. Não adianta, por exemplo, determinado município fazer o tratamento de esgoto se o seu vizinho não fizer o mesmo, porque a poluição de um passa pelo outro”, compara. É o caso do lago Guaíba, que não será despoluído se seus afluentes, como o Caí, continuarem contaminados.

Esse debate nada contra a correnteza à medida que obras para tratamento de esgoto são caras, complexas, não rendem voto e, muitas vezes, exigem parcerias entre diferentes esferas de poder e partidos políticos com interesses divergentes.

Ademais, um projeto de vulto — entre o planejamento e a execução — normalmente leva mais do que quatro anos, ou seja, prazo maior do que o mandato de prefeitos, deputados e governadores. “Há iniciativas interessantes, mas normalmente são isoladas. É preciso que sejam integradas. Esses projetos precisam ser de Estado, não de governo”, enfatiza.

Estado tem registrado alguns avanços
Mariana Lisboa Pessoa avalia que ainda há muito a ser feito nas bacias hidrográficas que cortam a Região Metropolitana de Porto Alegre, mas percebe que, apesar de lentamente, há sim avanços. Cita que nos últimos cinco anos houve aumento do percentual de coleta do esgoto cloacal, que era de 30% e passou a 54%, e do volume de efluentes domésticos tratados, que era de 13% e chega hoje a cerca de 30%. “Perto do que éramos, tivemos bons avanços, mas ainda falta muito. Esta é a linha do nosso estudo e do nosso debate”, afirma.

A população, neste sentido, pode colaborar decisivamente se pressionar os gestores públicos a investirem na área, até porque há apoio federal. Segundo ela, a Agência Nacional das Águas (ANA) disponibiliza incentivos financeiros para essa finalidade, como o Programa de Consolidação do Pacto Nacional pela Gestão das Águas (Progestão), entre outras iniciativas.

Outro aspecto que depende bastante da colaboração da sociedade gaúcha diz respeito à agropecuária — maior responsável pela diminuição da disponibilidade hídrica quantitativa no RS em função de que a demanda por água doce do Estado é para atividades de irrigação (78% do total de água utilizada). Além disso, o Rio Grande do Sul, se comparado com a média anual brasileira, usa quase o dobro da quantidade de agrotóxico nas lavouras: 8,3 litros por habitante. “O excesso de agrotóxico contamina o solo, as águas subterrâneas e os mananciais do entorno, uma vez que a chuva drena o solo e carrega esses poluentes, afetando não apenas a qualidade dessas águas, mas todo o ecossistema do local”, adverte a geógrafa da FEE.

Projeto da Corsan faz cinco anos, mas apenas no papel
No papel, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) até tem um projeto para construir uma estação de tratamento de efluentes (ETE) em Montenegro, conforme convênio firmado com o Município ainda em 2012. Cinco anos já se passaram, nada foi feito e não há nenhuma previsão para que as obras sejam iniciadas.

Em setembro do ano passado, a estatal informou ao Ibiá, por meio de nota da assessoria de comunicação, que não havia dinheiro para investir. Na ocasião, a Corsan afirmou que buscava junto ao governo federal R$ 53 milhões para investir no sistema de esgotamento sanitário de Montenegro, ou seja, construção de redes coletoras, estações de bombeamento e estação de tratamento de esgoto.

Esta semana, o jornal voltou a contatar a companhia, que não deu nenhum retorno a respeito do assunto, até o fechamento desta edição.

Saiba mais
O painel desta quarta-feira faz parte de um debate mais amplo capitaneado pela Fundação de Economia e Estatística (FEE). Em sua 9ª edição, o Panorama Internacional FEE se debruça sobre o tema “Agenda global das mudanças climáticas: realidades e utopias”. Nesta perspectiva, os pesquisadores avaliam como o tema está sendo discutido mundialmente e, além disso, como o Brasil e o Rio Grande do Sul estão situados nessa questão.

Prefeitura não responde
O Jornal Ibiá questionou a Prefeitura de Montenegro se existem projetos para ampliar a rede de captação de esgoto e, além disso, alguma iniciativa rumo ao tratamento dos efluentes domésticos. No entanto, a Assessoria de Comunicação (ACOM) não deu nenhum retorno.

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