Obesidade infantil exige atenção de famílias e profissionais de saúde

A obesidade infantil é uma condição caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal em crianças e adolescentes, comprometendo o crescimento saudável. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de crianças com obesidade tem aumentado de forma constante nas últimas décadas.

Estimativas da OMS apontam que, em 2022, cerca de 39 milhões de crianças menores de 5 anos estavam com sobrepeso ou obesidade no mundo.

A obesidade é determinada com base no índice de massa corporal (IMC), ajustado para idade e sexo. Em crianças e adolescentes, a classificação segue curvas específicas de crescimento, estabelecidas por instituições como o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). A condição pode estar relacionada a fatores genéticos, ambientais, comportamentais e socioeconômicos.

Entre as possíveis complicações da obesidade infantil estão alterações metabólicas como resistência à insulina, aumento de colesterol e triglicerídeos, hipertensão arterial e risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2. Crianças com obesidade também apresentam maior probabilidade de se tornarem adultos com obesidade, o que amplia a chance de doenças cardiovasculares, problemas osteoarticulares e distúrbios respiratórios.

Especialistas advertem que, além das questões físicas, a obesidade infantil pode gerar impactos no convívio social e no bem-estar psicológico. Problemas como baixa autoestima, isolamento e sofrimento por estigmatização têm sido relatados em estudos da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Prevenção

A prevenção da obesidade infantil envolve medidas que devem ser adotadas desde os primeiros anos de vida. A alimentação adequada, o incentivo à prática regular de atividade física, a limitação do tempo de telas e o estímulo ao sono de qualidade são apontados como estratégias eficazes. O Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, orienta que crianças tenham acesso prioritário a alimentos in natura ou minimamente processados, com base em refeições caseiras e regulares.

O acompanhamento médico é recomendado como parte fundamental na prevenção e no tratamento da obesidade. Profissionais de saúde devem monitorar o crescimento infantil de forma contínua, orientar responsáveis sobre hábitos alimentares e incentivar mudanças no estilo de vida familiar. Em alguns casos, pode haver necessidade de apoio multiprofissional, com a atuação de nutricionistas, educadores físicos e psicólogos.

A OMS reforça que o combate à obesidade infantil depende de políticas públicas, regulação da publicidade de alimentos ultraprocessados direcionada a crianças, rotulagem clara de produtos e acesso a espaços de lazer e prática esportiva. A escola também desempenha papel relevante, com ações voltadas à promoção da saúde, alimentação escolar adequada e incentivo à atividade física.

Alimentos processados são vilões que contribuem para a obesidade de crianças e adolescentes. Foto: reprodução internet

Endocrinologista alerta para os impactos duradouros do excesso de peso na infância

A obesidade infantil tem apresentado aumento expressivo nas últimas décadas, e o cenário se agravou com a pandemia da Covid-19. A avaliação é da endocrinologista Carolina Petry, do Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa de Porto Alegre. Segundo a médica, a pandemia intensificou um quadro já preocupante. “Costumo dizer que tivemos duas pandemias, a da Covid-19 e a da obesidade. As crianças ficaram muito em casa, praticando menos atividade física ainda”, relata.

Com rotinas alteradas e menos supervisão alimentar, muitas crianças ganharam peso durante o período de isolamento social. “Quem já sofria com excesso de peso teve um aumento significativo. E quem não sofria, acabou ganhando peso, que agora é mais difícil de perder”, explica Carolina.

Segundo a especialista, o início mais comum do ganho de peso ocorre por volta dos cinco ou seis anos de idade. “Na nossa sociedade, principalmente aqui no Rio Grande do Sul, a partir dessa idade é que a gente começa a ter um ganho de peso mais importante. Em fases mais precoces, é mais comum que o excesso de peso esteja relacionado a genética ou síndromes”, explica. Entre os fatores que contribuem para esse aumento está a transição da escola infantil para o ensino fundamental. “A criança deixa de ter várias atividades físicas ao longo do dia e passa a ficar mais tempo sentada na sala de aula, o que reduz muito o exercício”, observa.

Entre os cinco anos de idade e a adolescência está o principal período de risco para o ganho de peso. Por isso, o tratamento da obesidade infantil deve ser conduzido de forma multidisciplinar, com o envolvimento de médico, nutricionista, psicólogo e profissional de educação física. “O acompanhamento pode ser feito pelo pediatra ou pelo endocrinologista, que também avalia causas hormonais ou genéticas”, orienta.

Em alguns casos, especialmente a partir dos 12 anos, pode haver indicação de uso de medicação para auxiliar no tratamento. Ainda assim, a médica ressalta que a prioridade deve ser sempre a prevenção, com estímulo à alimentação saudável, atividade física regular e rotinas equilibradas desde os primeiros anos de vida.

Crianças expostas aos doces muito precocemente, vão querer mais doces ao longo da vida.

Introdução precoce de açúcar afeta saúde e paladar das crianças

Carolina Petry é endocrinologista do Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa de Porto Alegre. Foto: arquivo pessoal

A recomendação de órgãos de saúde como a Organização Mundial da Saúde (OMS) é clara: crianças com menos de dois anos de idade não devem consumir açúcar. A orientação vale para todos os tipos de alimentos e bebidas adoçadas, incluindo fórmulas infantis que, em alguns casos, recebem adição indevida de açúcar por parte dos responsáveis por seu preparo.

De acordo com especialistas, a fórmula infantil é desenvolvida para suprir as necessidades nutricionais do bebê da forma mais próxima possível ao leite materno. Qualquer adição, como açúcar ou suplementos lácteos, altera sua composição e pode trazer prejuízos à saúde. “Quem não consegue amamentar e precisa usar fórmula deve seguir exatamente a medida recomendada, sem acrescentar açúcar ou outros produtos”, reforça a endocrinologista Carolina Petry.

A introdução precoce do açúcar tem impacto não apenas metabólico, com aumento do risco de sobrepeso e obesidade ao longo da vida, mas também interfere no desenvolvimento do paladar da criança. O contato com sabores doces nos primeiros anos pode levar a uma preferência alimentar voltada ao consumo excessivo de açúcar futuramente. “Se a criança é exposta ao doce muito precocemente, vai querer mais doce ao longo da vida. As papilas gustativas se acostumam com o sabor”, explica Carolina.

A orientação, portanto, é que pais e responsáveis evitem ao máximo oferecer alimentos açucarados nos primeiros anos e priorizem uma introdução alimentar equilibrada. A formação de hábitos saudáveis na infância tem papel fundamental na prevenção de doenças crônicas e na construção de uma relação positiva com a alimentação.

Ambiente familiar influencia risco de obesidade

A obesidade infantil é uma condição que vai além da predisposição genética ou hereditária. De acordo com profissionais da área da saúde, o ambiente em que a criança vive desempenha papel decisivo para o desenvolvimento ou prevenção da doença. Fatores como o consumo de alimentos ultraprocessados, a falta de atividade física e o uso precoce e excessivo de telas estão entre os principais vilões.

Segundo a endocrinologista Carolina, é comum que crianças com pais que já apresentam sobrepeso tenham maior propensão a desenvolver a mesma condição. A médica destaca que o planejamento para um ambiente saudável deve acontecer antes mesmo da gestação, especialmente em famílias com histórico de obesidade.

A construção de uma rotina alimentar equilibrada é um dos principais caminhos para reduzir os riscos. Entre as recomendações está a valorização do café da manhã, frequentemente negligenciado por adolescentes. Além disso, o hábito de fazer as refeições em família contribui para o desenvolvimento de comportamentos mais saudáveis à mesa. “Se a criança apresenta resistência ou dificuldade com certos alimentos, ela tende a se interessar ao observar os demais comendo à sua volta”, explica a médica.

Evitar frituras, enlatados, nuggets e outros ultraprocessados é fundamental. No caso dos doces, o ideal é que, após os dois anos, eles sejam oferecidos de forma eventual e combinada, como em dias específicos da semana, evitando o consumo diário. Outro ponto de atenção é não utilizar o doce como forma de recompensa ou consolo emocional. “Doce é um alimento como qualquer outro, que pode ser consumido em momentos pontuais, mas não deve estar atrelado a sentimentos ou condutas”, orienta Carolina.

Obesidade compromete saúde física e mental

Muito além da balança, a obesidade infantil é uma condição que afeta diferentes áreas da saúde das crianças e adolescentes. Questões metabólicas, ortopédicas e até emocionais podem surgir já nos primeiros anos de vida, com consequências que tendem a se prolongar até a vida adulta. A endocrinologista Carolina, destaca que alguns sinais físicos já podem indicar riscos importantes, como a resistência insulínica, que pode evoluir para diabetes tipo 2.

Um dos indícios mais comuns dessa resistência é a acantose nigricans, uma condição que escurece regiões como pescoço, axilas e virilhas, deixando a pele com textura mais espessa e aveludada. “Esse é um sinal que precisa de atenção e acompanhamento médico. Quanto antes identificado, melhores são as chances de reverter o quadro com mudanças de hábitos”, explica Carolina.

Além dos problemas metabólicos, a sobrecarga de peso pode gerar alterações ortopédicas, especialmente nos joelhos e tornozelos, prejudicando a postura e o caminhar da criança. “O impacto na saúde mental também é alarmante”, afirma a médica. A obesidade infantil ainda carrega forte estigma social, afetando a autoestima e o desenvolvimento emocional. “Pesquisas mostram que crianças com sobrepeso são vistas com menos expectativa, o que agrava ainda mais o ciclo de exclusão e insegurança”, observa.

O uso excessivo de telas, como celulares, tablets e televisores, é um dos fatores que contribuem para esse cenário. A exposição precoce e prolongada interfere diretamente na redução das atividades físicas e também nos mecanismos neurológicos relacionados à ansiedade e à alimentação. “Mexer no celular ou assistir à TV durante as refeições, por exemplo, prejudica a percepção de saciedade, pois a atenção está desviada da alimentação”, explica Carolina.

A médica destaca que o combate à obesidade infantil precisa envolver a família, a escola e a sociedade como um todo. Medidas simples, como incentivar brincadeiras ao ar livre, limitar o tempo de tela e manter horários regulares de refeições sem distrações, podem fazer grande diferença. “Trata-se de uma questão de saúde pública e também de qualidade de vida. Precisamos olhar para essa criança hoje para garantir um adulto mais saudável amanhã”, orienta.

Obesidade infantil não é culpa da criança

Quando se trata de obesidade infantil, um dos principais passos para o tratamento eficaz é compreender que a responsabilidade não é da criança. O alerta é da endocrinologista Carolina. Segundo ela, responsabilizar uma criança em desenvolvimento por uma condição complexa como a obesidade é um erro que ainda persiste em muitas famílias e comunidades.

“O primeiro passo é buscar ajuda profissional. A criança não tem autonomia nem estrutura emocional para lidar sozinha com a situação. É fundamental que a família inteira se envolva no tratamento”, destaca a médica.

Outro ponto importante, segundo Carolina, é a mudança de percepção cultural sobre o que é ou não um corpo saudável. Por muito tempo, associou-se a imagem da criança “gordinha” à ideia de saúde e bem-estar, enquanto crianças com peso adequado muitas vezes são vistas como “muito magras” ou frágeis. Essa distorção afeta a forma como o excesso de peso é identificado precocemente.

“Muitas vezes, quando olhamos para uma criança e achamos que ela está com o peso ‘normal’, ela já está com sobrepeso. E aquela que consideramos magra, na verdade, está com o peso adequado”, explica Carolina. Por isso, o uso de medidas técnicas, como curvas de crescimento e índices corporais adequados para a idade, é essencial para avaliar corretamente o estado de saúde da criança.

Conforme Carolina, para enfrentar o problema de forma eficaz, é necessário não apenas diagnóstico e tratamento, mas também acolhimento, apoio familiar e uma mudança na forma como a sociedade enxerga o corpo e a saúde infantil. “Se nada for feito agora, as crianças de hoje serão os adultos com doenças crônicas nos próximos 25 anos”, conclui.

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