O uso de álcool e outras drogas é um problema de saúde pública que afeta milhões de pessoas em diversas partes do mundo, causando sérios impactos físicos, psicológicos e sociais. O combate a esse problema exige um trabalho constante e eficaz, tanto na prevenção quanto no acompanhamento dos casos. O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Montenegro desempenha um papel fundamental nesse processo, oferecendo suporte às pessoas que lutam contra o alcoolismo e o uso de outras substâncias. Em entrevista ao Estúdio Ibiá, a psicóloga Jaqueline Porto, do CAPS, falou sobre a prevenção, reforçando a necessidade de estratégias de cuidado contínuas e integradas.
Jaqueline destaca a importância de se falar sobre o tema o ano todo. “A prevenção é através do diálogo, da conscientização. O trabalho que estamos desenvolvendo é preventivo, pois acessamos a comunidade através dos meios de comunicação, conversando de maneira aberta, oferecendo orientações e realizando escutas sobre um tema que muitas vezes é difícil para a comunidade ou para a família”, explicou.
Apesar da crescente conscientização, o estigma e o preconceito ainda são grandes barreiras. Muitas pessoas, incluindo familiares, temem se abrir sobre o uso problemático de substâncias por medo de rotulação e discriminação. Jaqueline explicou como isso pode ser um impeditivo significativo. “Esse estigma prejudica a pessoa de entender o que está acontecendo com o uso do álcool e drogas. Até mesmo a pessoa afetada ou sua família podem se estigmatizar, dificultando o acesso à informação e a busca por ajuda”, afirmou.
A recuperação é contínua
O caminho para a recuperação é longo e contínuo, como destaca a psicóloga Jaqueline Porto, explicando que não há uma “cura” definitiva para a dependência. “A recuperação é um processo contínuo, por isso é importante que o acompanhamento nunca cesse. A pessoa pode passar por diferentes serviços, como o CAPS, mas o cuidado é constante. Não necessariamente a pessoa precisa ficar para sempre em um serviço, mas sim buscar apoio contínuo”, pontuou a psicóloga.
O paciente Aléssio Alexandre Carneiro reforça que a conscientização sobre o uso contínuo de substâncias é um passo vital, e que a ajuda que recebeu no CAPS foi essencial para ele aceitar que o uso de drogas é uma doença. “A prevenção começa em casa, nas escolas, com palestrantes que possam alertar sobre os riscos. A sociedade precisa mudar a mentalidade e entender que quem usa drogas não é vagabundo ou sem vergonha, mas sim uma pessoa doente”, pontua.
A psicóloga Jaqueline, que acompanha a recuperação de Aléssio no CAPS, reforça a importância do trabalho de prevenção e da conscientização. Ela explica que, muitas vezes, os próprios usuários não percebem o quanto seu consumo está prejudicando sua vida até que aconteçam perdas significativas. “A dependência química tem a característica do auto-engano, da negação. O usuário diz que está tudo bem, que o consumo não é um problema, mas, na verdade, ele já está gerando prejuízos em diversas áreas da sua vida”, conclui.
Uso social do álcool pode facilitar o acesso precoce
O uso social do álcool pode confundir as pessoas. Para muitos, o uso excessivo e as consequências que vêm com ele não são reconhecidas como problemas, pois o álcool é uma substância legal e socialmente aceita, associado à momentos recreativos. “Na nossa sociedade, o álcool e o cigarro são drogas lícitas. Muitas vezes, a pessoa pode estar fazendo um uso abusivo e achar que está fazendo um uso social. A Organização Mundial da Saúde já reconhece que não existe uso seguro em relação ao álcool”, explicou Jaqueline, alertando para os perigos do consumo descontrolado, mesmo quando é socialmente aceitável.
Jaqueline também aborda a questão cultural do consumo de álcool em eventos sociais, observando que, muitas vezes, a sociedade vê o consumo de bebidas alcoólicas como algo normal, o que pode facilitar o acesso precoce para as crianças. “É muito comum ver crianças tendo contato com o álcool desde pequenas, seja em festas ou na convivência familiar. Essa normalização do consumo em festividades pode criar uma relação distorcida com a substância. Para muitos, o álcool e o cigarro se tornam mais difíceis de abandonar do que as drogas ilícitas justamente porque são acessíveis e aceitos socialmente”, destaca. Ela ressalta que, para um trabalho preventivo eficaz, é essencial que os pais se tornem exemplos dentro de casa, oferecendo vínculos afetivos saudáveis, fundamentais para o desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes.
Diferença entre uso, abuso e dependência
De acordo com o Hospital Albert Einstein, uma maneira eficaz de perceber se essa dependência está se tornando um problema é diferenciar o que é uso, abuso e dependência, sempre lembrando que são processos que vão evoluindo de forma progressiva:
- uso: é quando a pessoa utiliza a droga de forma rotineira ou não, experimentando, mas que ainda não é prejudicada e tem o controle da situação, ou seja, ela pode parar quando quiser;
- abuso: com um uso frequente, é possível notar algumas consequências sociais relacionadas ao uso da substância, como alterações de comportamento — os riscos à saúde já começam a aumentar;
- dependência: aqui, a pessoa não tem mais controle, não consegue parar de usar a droga e esse uso se torna uma compulsão — os problemas de saúde e de convivência se agravam nesse momento.
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Prevenção começa dentro de casa
O caminho para a recuperação é longo e contínuo, como destaca Jaqueline, explicando que não há uma “cura” definitiva para a dependência. “A recuperação é um processo contínuo, por isso é importante que o acompanhamento nunca cesse. A pessoa pode passar por diferentes serviços, como o CAPS, mas o cuidado é constante. Não necessariamente a pessoa precisa ficar para sempre em um serviço, mas sim buscar apoio contínuo”, pontuou a psicóloga.
A prevenção, segundo Jaqueline, começa principalmente dentro de casa. A formação de vínculos afetivos saudáveis, a ausência de violência familiar e a presença ativa dos pais são fatores fundamentais. Ela explica que, ao longo dos anos de experiência com os pacientes do CAPS, percebeu que muitas mulheres que buscavam tratamento haviam vivido abusos dentro de suas famílias, algo que se refletiu no uso de álcool e outras drogas. “Evitar o uso da violência na educação dos filhos, seja ela física ou psicológica, é essencial. A violência, de qualquer forma, pode ser um fator de risco para o uso de substâncias no futuro. Além disso, as regras e limites na adolescência devem ser claras e não rígidas, evitando a curiosidade angustiante que leva à busca por respostas em lugares errados”, afirmou.
Jaqueline também ressalta a importância do autoconhecimento no processo de prevenção ao uso de substâncias. Para ela, quanto mais a pessoa se conhece, mais ela se sente segura em fazer escolhas saudáveis. “O autocuidado é fundamental. Quando uma pessoa se sente bem com a própria saúde e tem autoestima elevada, ela está mais preparada emocionalmente para dizer ‘não’ a qualquer situação que possa comprometer seu bem-estar”, conclui.
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O CAPS e o apoio ao usuário
Para aqueles que necessitam de ajuda, o CAPS de Montenegro oferece acolhimento diário. Jaqueline explicou que o serviço está disponível de segunda a sexta-feira, com exceção das quintas à tarde, quando ocorre a reunião de equipe. “Nós acolhemos diariamente, preferencialmente das 8h às 11h e das 13h às 16h. A pessoa será escutada por um técnico da equipe, e, se necessário, será encaminhada para um plano terapêutico ou até mesmo para internação”, detalhou Jaqueline.
“No CAPS, o apoio não é apenas terapêutico, mas também emocional e social, dando ao paciente ferramentas para lidar com a dependência e os problemas associados, como os impactos na família e no trabalho”, diz a psicóloga. Ela explica que o processo é gradual e a recuperação envolve tanto a terapia individual quanto o apoio em grupo.
O CAPS está localizado na rua Bruno de Andrade, 1847, no bairro Timbaúva.
A história de quem viveu a dependência
Aléssio Alexandre Carneiro, paciente em tratamento no CAPS, compartilhou sua experiência pessoal com o uso de drogas e álcool desde muito jovem. “Eu tive contato com o álcool aos 12, 13 anos de idade, trabalhando em um bar. O ambiente de trabalho me levou a acreditar que o álcool fazia parte do meu cotidiano. Mais tarde, com 14, 15 anos, comecei com a maconha e a cocaína, e aos 26 anos usei crack pela primeira vez”, relatou.
Quando questionado sobre o prazer imediato que o uso de substâncias químicas proporcionam, Aléssio explica como o cérebro de um dependente reage. “O que acontece com a droga, tanto cocaína quanto crack, é que elas liberam uma enxurrada de dopamina tão grande que isso é extremamente prazeroso. Você entra em um ciclo vicioso, mas a consequência é devastadora”, revela. No entanto, ele enfatiza que, embora o prazer momentâneo seja intenso, o preço que se paga é alto. “A droga te dá um prazer imediato, mas depois você não consegue mais sair desse ciclo. Eu precisava disso, e quando percebi, já era dependente”, compartilha.
O momento crucial para perceber que havia ultrapassado a fronteira do consumo para a dependência foi quando já não conseguia mais esconder os prejuízos causados pelo uso de drogas. “Eu me auto-enganava, dizia que estava tudo bem, até que comecei a perceber que estava perdendo tudo: minha esposa, meu filho, minha mãe e meu emprego. Foi quando percebi que precisava mudar. O momento em que realmente entendi que havia um problema foi quando minha esposa me disse que não conseguia mais fazer nada por mim, que eu estava prestes a ficar na rua”.
Ele lembra de como seu chefe desempenhou um papel crucial em sua recuperação. Quando se viu sem recursos para sustentar a dependência, procurou ajuda com seu chefe, que, percebendo o verdadeiro problema, o encaminhou para um tratamento. “Foi quando ele me deu a oportunidade de ir para uma fazenda terapêutica, um lugar que me ajudou muito”, relata.
O seu primeiro contato com o CAPS aconteceu por meio da Justiça Inclusiva, um programa governamental que oferece apoio a pessoas que passaram por processos legais, com o intuito de dar uma chance de reintegração social. “Quando eu acessei o CAPS, eu não conseguia entender o porquê daquilo, mas percebi que durante as estadas no CAPS, eu não usei droga. Então, comecei a perceber que ali estava o sentido para a minha recuperação”, conta.
Para ele, o trabalho desenvolvido no CAPS tem um impacto muito positivo, pois proporciona um espaço de partilha, escuta e troca de experiências. “O trabalho do CAPS é muito útil para uma pessoa que assume que tem um problema com drogas. Eu, até então, não via o uso de substâncias como uma doença. Para mim, era apenas algo normal, mas depois percebi que isso afetava as pessoas que mais gostavam de mim”, explica.
Atualmente, Aléssio continua frequentando as reuniões demais no CAPS, e vê esse como um serviço essencial para a sua recuperação. “Eu chego no CAPS toda quarta-feira e esse é um dos melhores dias da minha semana. Eu já montei até uma família lá, porque o CAPS foi a base da minha recuperação, e o apoio de lá é fundamental para não querer voltar à vida que eu levava”, finaliza.