Câncer Infantil: diagnóstico precoce pode salvar vidas

O câncer infantil ainda é um tema pouco discutido pela sociedade, mas a importância de trazer à luz o tema é inegável. Embora seja menos frequente do que em adultos, a doença se manifesta de maneira agressiva nas crianças, exigindo diagnóstico rápido e tratamento especializado. Para esclarecer dúvidas sobre o assunto, o Estúdio Ibiá, através do programa Saúde é Prevenção, conversou com a Dra. Amanda San Martin, oncologista pediátrica da Santa Casa de Porto Alegre. Na entrevista, ela detalha desde as causas e sintomas até o tratamento e as chances de cura.

Apesar de ser raro quando comparado ao câncer em adultos, o câncer infantil representa 4% de todos os casos da doença. O tipo mais frequente são as leucemias (28%), cânceres que afetam as células do sangue e a medula óssea. Após, os tumores do sistema nervoso central (26%), que afetam o cérebro e a medula espinhal. Em terceiro lugar estão os linfomas (8%), cânceres que acometem o sistema linfático.

Diferente do câncer em adultos, que muitas vezes está relacionado ao estilo de vida, fatores ambientais e hábitos prejudiciais, como tabagismo e consumo excessivo de álcool, o câncer infantil surge de forma espontânea. A Dra. Amanda explica que a doença não está ligada à má alimentação, sedentarismo ou qualquer outro fator externo. “Nos adultos, o câncer pode ser consequência de anos de exposição a agentes nocivos, como o cigarro e o álcool. Mas, no caso das crianças, não há um tempo de vida suficiente para que essas exposições provoquem um tumor”, esclarece.

Em alguns casos, o câncer pode surgir ainda durante a gestação, sendo diagnosticado intraútero. Isso ocorre quando, durante o desenvolvimento do bebê, células cancerígenas já começam a se multiplicar dentro do útero materno. No entanto, esses casos são raros e a maior parte dos diagnósticos acontece nos primeiros anos de vida. A faixa etária considerada de risco para o câncer infantil é dos 0 aos 19 anos. Essa é a classificação adotada pela oncologia pediátrica para abranger desde os recém-nascidos até os adolescentes.

A doença pode ser hereditária?

Embora algumas condições genéticas possam aumentar o risco de câncer infantil, a maioria dos casos acontece de forma aleatória. Segundo Dra. Amanda, há famílias com histórico de câncer, em que há uma predisposição genética conhecida, mas essa não é a regra. “Nós sabemos que existem síndromes genéticas que aumentam o risco de câncer infantil, e as famílias que conhecem essa condição já monitoram as crianças desde o nascimento. Porém, na grande maioria das vezes, o câncer infantil acontece ao acaso, sem uma explicação clara”, reforça.

Dra. Amanda San Martin, oncologista pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre

Hábitos dos pais podem influenciar?

Muitas pessoas acreditam que o estilo de vida da mãe durante a gravidez pode contribuir para o surgimento do câncer infantil. Mas, segundo a Dra. Amanda, essa hipótese não tem comprovação científica. “O câncer infantil não está ligado a hábitos da mãe ou do pai. Não há nenhuma evidência de que uma alimentação inadequada, o consumo de alimentos ultraprocessados ou até mesmo o tabagismo dos pais durante a gestação possam causar a doença na criança”, esclarece. Ela reforça que o desenvolvimento do câncer infantil está mais relacionado a falhas no próprio processo celular da criança do que a fatores ambientais. Isso significa que, mesmo em famílias onde os pais levam uma vida saudável, a doença pode se manifestar.

Diagnóstico precoce

Diferente dos adultos, o câncer infantil pode levar meses para ser diagnosticado devido ao crescimento mais lento dos tumores, nas crianças, a doença progride rapidamente. “As células das crianças estão em constante multiplicação, pois elas estão crescendo e se desenvolvendo. Isso faz com que o câncer infantil tenha um crescimento muito acelerado, sendo, na maioria das vezes, muito mais agressivo do que nos adultos”, alerta Dra. Amanda. Muitas vezes, os sintomas iniciais podem ser confundidos com doenças comuns da infância, como gripes e viroses. Abaixo, veja os sinais destacados pela médica. Se a criança apresentar qualquer um desses sintomas de forma persistente, é essencial procurar um pediatra para uma investigação mais detalhada.

Sinais de alerta

  • Febre persistente sem causa aparente;
  • Manchas roxas pelo corpo, sem histórico de batida ou queda;
  • Sangramentos frequentes (como no nariz ou gengiva);
  • Dor intensa nos membros, que impede a criança de brincar ou caminhar;
  • Aumento do volume abdominal;
  • Sudorese noturna intensa, a ponto de precisar trocar a roupa de cama;
  • Cansaço excessivo e falta de apetite repentina;
  • Perda de peso significativa em pouco tempo;
  • Palidez.

O impacto da obesidade infantil no tratamento

Embora a obesidade não seja um fator de risco direto para o desenvolvimento do câncer infantil, ela pode influenciar negativamente o tratamento. “Crianças obesas ou que ganham muito peso durante o tratamento têm mais dificuldade de responder à terapia”, explica Dra. Amanda. Isso acontece porque a musculatura dessas crianças costuma ser mais fraca, comprometendo a recuperação. Além disso, estudos indicam que crianças obesas têm um risco maior de recidiva da doença, ou seja, de que o câncer retorne após a cura.

Taxa de cura e os avanços no tratamento

O câncer infantil, quando diagnosticado precocemente, tem uma taxa de cura de 80%. Isso se deve aos avanços no tratamento, que incluem quimioterapia, radioterapia, cirurgia e, mais recentemente, imunoterapia. “Hoje já temos terapias imunológicas que atacam diretamente as células do tumor, reduzindo os efeitos colaterais e aumentando as chances de cura. Algumas delas, inclusive, já estão disponíveis pelo SUS”, comemora a médica.

Além do tratamento médico, o suporte psicológico é fundamental para o bem-estar da criança. “Quando uma criança recebe um diagnóstico de câncer, toda a família sofre. O tratamento exige mudanças na rotina, e por isso, é essencial que os pacientes sejam acompanhados por equipes multidisciplinares, com psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e dentistas”, completa.

Equipes multidisciplinares são fundamentais durante o tratamento das crianças. Foto: freepik

ANS abre consulta pública sobre cobertura de medicamento para câncer

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) abriu consulta pública para discutir a inclusão, na cobertura obrigatória de planos de saúde, do medicamento Tibsovo (ivosidenibe) para o tratamento de colangiocarcinoma, um tipo raro e agressivo de câncer que afeta as vias biliares.

Em nota, a agência informou que o medicamento é indicado especificamente para pacientes adultos com câncer localmente avançado ou metastático, com mutação no gene IDH1 e que já foram tratados anteriormente com pelo menos uma linha prévia de terapia sistêmica.

“De acordo com o estudo Claridhy Trial, publicado no The Lancet em 2020, o uso do ivosidenibe em pacientes com essa mutação específica reduziu em 63% o risco de progressão ou óbito. Seis meses após o início do tratamento, cerca de 30% dos pacientes em uso de ivosidenibe ainda não haviam progredido, sendo que no grupo não tratado todos os pacientes já haviam progredido nesse período.”

O colangiocarcinoma, segundo a ANS, é um tipo de câncer raro que acomete os ductos biliares intra-hepáticos e extra-hepáticos e representa 15% dos tumores hepáticos primários. “Não existem dados epidemiológicos específicos para essa neoplasia na população brasileira, mas sabe-se que o câncer no fígado, incluindo o colangiocarcinoma, acomete, a cada ano, menos de cinco pessoas a cada 100 mil habitantes no Brasil, conforme aponta o Instituto Nacional do Câncer (Inca)”.

Ainda de acordo com a agência, cerca de 70% dos pacientes com esse tipo de câncer são diagnosticados em estágios avançados da doença, já que, muitas vezes, não há sintomas nas fases iniciais ou os sinais passam despercebidos por não serem específicos para o colangiocarcinoma. “Além disso, trata-se de um câncer agressivo, de progressão rápida e com poucas opções terapêuticas em linhas avançadas”.
“Nesse cenário, o novo medicamento avaliado pela ANS traz uma oportunidade terapêutica para um grupo de pacientes com colangiocarcinoma localmente avançado/ metastático e com mutação em IDH1 que, até então, não possuíam opção de tratamento-alvo disponível.”

“Após uma série de estudos e resultados robustos que comprovaram sua eficácia e segurança, o quimioterápico oral Tibsovo foi aprovado pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] em abril de 2024 e começou a ser comercializado em setembro. O medicamento também já foi aprovado por agências reguladores de países da Europa, Oceania e nos Estados Unidos”, completa a ANS. A consulta pública segue aberta até o próximo dia 25 e figura como última etapa antes da recomendação final da agência reguladora.

Complicações

Semelhante aos cuidados do câncer em adultos, os médicos usam uma combinação de tratamentos, incluindo cirurgia, quimioterapia, transplante de medula óssea e radioterapia para tratar crianças com câncer. Imunoterapia (um novo tipo de tratamento que usa o sistema imunológico para atacar o câncer) e terapia direcionada (medicamentos que atacam mutações genéticas específicas nas células cancerosas e as destroem) estão sendo estudadas e estão sendo cada vez mais usadas no tratamento de câncer em crianças.

Como as crianças ainda estão crescendo, esses tratamentos, principalmente a quimioterapia e a radioterapia, podem ter efeitos colaterais que não costumam ocorrer nos adultos. Por exemplo, em crianças, um braço ou uma perna tratada com radiação pode não crescer até o tamanho normal ou, se o cérebro for tratado com radiação, o desenvolvimento cognitivo pode não ser normal. (Consulte também Princípios do tratamento do câncer.)

Foto: freepik

Crianças que sobrevivem ao câncer também têm mais anos para desenvolver consequências de longo prazo da quimioterapia, cirurgia e radioterapia, que podem incluir infertilidade, déficit de crescimento, puberdade tardia ou ausente, lesão cardíaca e em outros órgãos, desenvolvimento de cânceres secundários (ocorre em 3% a 12% das crianças que sobrevivem ao câncer), problemas psicológicos e sociais e problemas neurológicos ou de desenvolvimento ou ambos.

Uma vez que essas consequências graves são possíveis e seu tratamento é complexo, o melhor tratamento para as crianças com câncer é realizado em centros que contam com especialistas que têm experiência em tratar câncer infantil. O risco de ter um segundo câncer depende do tipo do primeiro câncer. O risco também depende se a radioterapia foi usada para tratar o primeiro câncer ou que tipo de quimioterapia foi usado.

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