Na cidade, preocupação é com a possibilidade de racionamento de água
A falta de chuva dos últimos meses no Vale do Caí tem provocado impactos nas cidades e no campo. O agricultor Ricardo Ivan Kirstin, 32, de Linha Pinheiro Machado, em Brochier, é um dos inúmeros produtores da região afetados pelo problema. “Nós temos a venda de leite e os suínos. Na parte do leite caiu muito, porque não tem mais pastagem, as pastagens secaram. Nos suínos foi a falta de água que impactou, simplesmente aqui em volta secou a água das vertentes”, conta o agricultor.
Com uma área de cerca de quatro hectares de milho plantado para fazer silagem para os animais, Kirstin relata que teve que fazer o replantio da lavoura, porque parte do milho não nasceu. Agora, o agricultor teme investir no plantio por conta da falta de chuva. “Com essa seca não sei se vou plantar. Porque esses que plantei, na hora que deu a espiga faltou a chuva. Agora não sei se vou me arriscar, porque o grão está caro. É um valor alto investido pra daqui a pouco se perder”, diz Kirstin.
Com as três vertentes da propriedade secas, o agricultor faz quatro viagens diárias, de cerca de oito quilômetros, em busca de água para os animais. “Nós temos três vertentes, as três pararam. Eu estou puxando 20 mil litros de água por dia para os animais de trator com o espalhador líquido. Não posso deixar os animais sem água, o meu lote de suínos está praticamente pronto pra sair”, afirma o agricultor.
Segundo Kirstin, a estiagem começou a afetar a sua propriedade já no mês de dezembro de 2021, algo que ele relata nunca antes ter acontecido. “Desde pequeno nunca tinha visto uma seca em dezembro. Nós temos duas vertentes que nunca tinham secado. Em 2020 a seca veio mais tarde aqui, ano passado enfraqueceu as vertentes, mas não pararam, esse ano elas secaram” conta o agricultor.
Os problemas causados pela falta de chuva também afetam a propriedade do agricultor Gilmar Pilguer, da localidade de Novo Paris, em Brochier. Com 1300 galinhas poedeiras e 330 suínos, todos no sistema de integração, a situação tem afetado principalmente o abastecimento para os animais. “Temos um açude que já secou há uns 15 dias, onde morreram alguns peixes. Uma vertente também secou, onde a água era usada para um aviário de 1300 galinhas poedeiras. Um outro açude que temos, como reserva de água, estará seco até o final do mês se não chover mais”, expõe Pilguer. No ano passado, o agricultor também plantou um pomar de citros. Com a falta de chuva, a saída tem sido irrigar as plantas para evitar a perda.
A realidade da estiagem também é vivenciada por agricultores de Pareci Novo. Reni Kaspary, 45, produtor de citros na localidade de Matiel, é um dos impactados no Município. Ele conta que a falta de chuva começou a ser notada já em novembro do ano passado e se estendeu pelo mês de dezembro, provocando prejuízos principalmente na produção de limão. “A falta de chuva impacta diretamente na florada do limão, que não está dando flor. Então vamos ter um grande intervalo por maio, junho e julho, quando não vai ter limão, porque não vai ter produção”, relata o agricultor.
Na produção de bergamota, Kaspary também já tem notado os impactos da estiagem. Segundo o agricultor, a fruta que nasceu não está se desenvolvendo e na melhor das expectativas irá atrasar a colheita. “Se continuar a seca até março, abril, como tem previsões, a gente até perde essa produção. Porque se não teve chuva não vai desenvolver. A bergamota do cedo (colhidas primeiro) não vai dar qualidade, não vai ter sabor. Então é uma fruta que vai ficar inferior as outras. Isso se a chuva voltar, se não vai ter perda total”, avalia o agricultor.
Para tentar amenizar a situação, a família tem usado água de um açude na propriedade para irrigar o pomar de citros. Mesmo assim, o relato de Kaspary é de não tem ajudado muito por conta das altas temperaturas. “A gente não tem muita opção. Temos um açude pequeno que a gente está puxando água, mas isso não está dando resultado pra molhar a bergamota. A esperança é a chuva voltar”, diz o agricultor.
Emater estima prejuízos nas safras de milho e citros na região
As duas culturas da região mais afetadas pela estiagem são o milho e citros, é o que revela um levantamento prévio feito pela Emater. A extensionista da unidade de Montenegro, Luísa Leupolt Campos, destaca que a situação do milho é a mais preocupante no momento, porque também é usado para alimentação animal.
Já na produção de citros, Luísa afirma ainda ser muito cedo para estimar números de perdas, mas a estiagem já está impactando. “Alguns produtores relatam que as folhas estão caindo, estão murchando. Isso pode afetar a qualidade e a produtividade dos pomares. Então é preocupante, o produtor que conseguiu irrigar ou fazer uma boa cobertura de solo, o relato é que os efeitos não são tão evidentes, porque ainda mantém a umidade no solo. Sobre o milho, o pessoal que plantou mais cedo foi menos afetado, quem plantou um pouco mais tarde já está sentindo”, dia a extensionista.
Conforme a Emater, as variedades mais afetadas no citros são as bergamotas Caí, Pareci e as japonesas, que tem a colheita mais cedo. Nessas variedades, Luísa conta que os relatos de produtores é do abortamento de frutos, quando a planta tenta liberar a carga para poder se salvar. “Ainda não dá pra dizer que a safra está comprometida, mas os produtores que têm mais essas variedades do cedo vão sair bastante prejudicados”, destaca Luísa.
Até o momento, os municípios mais afetados na região são Brochier e Pareci Novo, que inclusive já emitiram alertas de economia de água para a população das áreas urbanas por conta da diminuição da vazão dos poços que abastecem as redes das cidades. Fernando Baun, que deixou a secretaria de Agricultura, Meio Ambiente, Indústria e Comércio de Brochier nesta semana, relata que a situação no Município é bem complexa. “As perdas nas lavouras de milho foram grandes. Os citros também estão sofrendo, inclusive o plantio do milho safrinha ainda não aconteceu, as acácias e eucaliptos plantados em agosto e setembro correm risco de secar por falta de chuva”, relata o ex-secretário.
Em Pareci Novo, o panorama também não é diferente. O vice-prefeito e secretário de Agricultura e Meio Ambiente do Município, Fábio Schneider, diz que a questão da estiagem é preocupante. “Os nossos poços artesianos já diminuíram a vazão e a gente já vem fazendo um trabalho de conscientização. Na agricultura, a gente está vendo que já existe uma seca superficial, então plantações como milho já estão sentindo. O nosso forte, que é a citricultura, nos pontos mais altos os pomares já estão murchos, já estão sentindo, é bem preocupante”, aponta Schneider.
Outra cultura que preocupa no Município são os viveiros de flores. Conforme o secretário, alguns produtores estão precisando de fornecimento de água para poder irrigar as plantas. “Ainda não é como há dois anos, mas é bem preocupante a situação. Porque pelas previsões se fala em pouca chuva para os meses de fevereiro e março”, diz Schneider.
“A gente está vivendo uma estiagem desde novembro de 2019”, diz hidróloga do Estado
“A gente trabalha com o cenário que estamos vivendo uma estiagem desde novembro de 2019. Então em novembro de 2019 se configurou como um período de estiagem, que está avançando até agora”, avalia Marcela Nectoux, hidróloga da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura. A declaração foi dada em entrevista ao programa Estúdio Ibiá da última segunda-feira, 3.
Conforme Marcela, a estiagem no Estado se encontra em termos muito ruins. O agravamento veio após vários dias sem chuva e com as temperaturas bastante elevadas, associado ao déficit de chuvas que o Estado já vinha registrando nos últimos meses. A avaliação da hidróloga é que a situação não é positiva para os meses de janeiro e fevereiro. “A expectativa de chuva agora para o mês de janeiro é ruim. A gente até deve ter chuvas entre 40 e 50 milímetros. Mas a chuva boa, pra reverter a estiagem, é quando há uma boa distribuição na bacia e ela também é persistente, ou seja, vários dias com uma chuva boa, o que eu não está previsto”, afirma Marcela.
Conforme Marcela, a avaliação é que os fatores climáticos devem agravar ainda mais os eventos extremos, como estiagens e inundações. “O cenário climático que a gente vê pra próximas décadas é o favorecimento desses eventos críticos, que são os períodos de estiagem ou então os períodos de inundação, que o Estado também tem visto muito nos últimos anos”, destaca.
Situação do Rio Caí também é preocupante
Na região, as duas principais cidades abastecidas pelo Rio Caí são Montenegro e São Sebastião do Caí. A responsável pela captação e o tratamento da água é a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). O engenheiro responsável pela operação da empresa nos dois municípios, Ângelo Marcelo Faro, relata que nas últimas medições no Rio Caí a situação encontrada foi preocupante. “A situação do rio está complicada. Pra Montenegro o nível do rio influencia pouco, porque ele praticamente está nivelado com o Jacuí e com o Guaíba. Então ele não tem como baixar muito mais, porque se ele baixar a água começa a retornar e tem momentos que a gente até já nota uma inversão de fluxo”, destaca Faro.
Já em São Sebastião do Caí, o engenheiro destaca que a situação é crítica, mesmo assim a Corsan diz ainda não afetar o abastecimento de água nos municípios. “No Caí o rio está em um nível crítico, muito baixo, mas também não deve baixar muito mais do que isso. Em oito anos que eu estou aqui, esse é o ponto mais baixo que eu já vi o rio. Há dois anos, na outra estiagem, ele baixou bastante, ficou próximo do nível que está agora. Mas a gente tem condições de continuar abastecendo a população, pra agricultura é um pouco mais preocupante”, destaca Faro.
Apesar de não haver previsão de racionamento, a empresa enfrentada outro problema, a grande demanda por água em dias de altas temperaturas. O engenheiro responsável pela operação da Corsan conta que nos último dias de calor a Corsan tem registrado um aumento no volume de água tratada, mesmo assim há momentos que a demanda é tanta que a vazão acaba diminuindo. Por isso, Faro destaca a importância da economia dos recursos hídricos, principalmente nos dias de altas temperaturas. A orientação do engenheiro é para que a população evite lavar o carro e calçada, não tomar banhos demorados, não deixar a torneira aberta se não estiver em uso, e, de forma geral, não desperdiçar água, usando somente o necessário.