ENXURRADA. Inundações aconteceram em pontos nunca atingidos
Enquanto a Administração Municipal transforma os danos visíveis em números para buscar ajuda governamental, os cidadãos de São José do Sul tentam superar também o trauma daquela noite de 26 de fevereiro. Os afetados estão por todo o município, com inundações em locais antes nunca vistos, como na comunidade junto ao acesso à Harmonia, junto à BR-470; e em parte do Centro (Dom Diogo), na confluência entre ruas Cônego Oscar Malmann, Pedro Firmíno Rohr e Waldemar José Bohn. Em comum, todos usam duas expressões para descrever o acontecido: “nunca tinha visto algo igual” e “foi muito rápido”.

Omar Roque Kerber, tem 85 anos, dos quais 82 vividos às margens do Arroio Claro das Pedras. Ele fala em 15 minutos para o leito transbordar em intensidade capaz de levar metade de sua serraria, junto à Estrada Waldemar José Bohn, próximo à área central da cidade. Toras de madeira, pedras, ferro do antigo moinho e maquinário foram arrastados com se fossem feitos de papel.
Ainda mais impressionante é ver parte da estrutura de concreto da Serraria Kerber ter sido colocada abaixo. “Já deu várias vezes água grande aqui. Mas assim, nunca! Não nos 80 anos que estou aqui”, declarou. O idoso mostrou ainda as duas margens do curso d’água, que foram erodidas em dimensão que faz parecer uma ação artificial com equipamento de grande pressão.
Kerber calcula um prejuízo de R$ 10 mil, sem considerar a reconstrução. Ao menos dentro da residência não registrou danos, pois fica em um patamar mais alto. Inclusive é essa diferença de altura que permite projetar mais de 1,5 metro de água cruzando pela propriedade, e rompendo uma clareira pela vegetação nativa.
Dona Imelda diz que foi “dilúvio”
Imediatamente depois de cruzar sobre a propriedade de Kerber, a tromba d’água bateu de frente na propriedade de Imelda Verônica Gabbardo, de 88 anos. Neste ponto, o arroio tem uma curva, onde trancaram árvores inteiras, galhos e pedras, desviando o curso em direção ao chalé. A filha da idosa, Dalva Regina Gabbardo, relata que era normal o nível subir ao ponto de alagar o quintal, sem grande volume ou pressa; o que torna o acontecimento de fevereiro incomum.
O arroio cruzou por toda a extensão da propriedade, chegando ao acostamento da estrada há cerca de 100 metros, inundando inclusive o porão da casa histórica do Memorial Gabbardo. O paiol e o curral ficaram destroçados pelo campo, duas portas de vidro foram quebradas e os cerca de 30 centímetros de água dentro da casa deixaram para trás um lodo viscoso. Imelda perdeu ainda móveis e eletrodomésticos, mas graças a dois vizinhos não perdeu também sua vida.

Vizinhos foram heróis
Naquele fim de tarde dona Imelda Gabbardo estava sozinha na residência. A chuva também era torrencial em regiões mais altas, como Salvador do Sul, e logo virou, nas palavras da idosa, “um dilúvio”. Há poucos metros, Maycon Henrique Staub e seu cunhado Juliano Fuhr observavam o cenário inédito da Estrada Waldemar José Bohn, submersa pela água.
Neste momento Staub se lembrou da vizinha, especialmente porque o carro de Dalva não estava na garagem. Ele lembrou da dificuldade de passar com camionete e depois para caminharem pelo jardim em meio a uma correnteza na altura dos joelhos. “Se a gente não tivesse se atinado de ir lá”, comentou. A religiosidade de dona Imelda foi fundamental, pois uma vela acesa na sala deu a certeza que ela estava na casa. Com dificuldade arrombaram a porta da frente e saíram pelos cômodos inundados, encontraram-na grudada ao batente da porta de um anexo nos fundos.
Entre as duas construções há um corredor que a forte correnteza havia atulhado de detritos. Maycon Staub acredita que chegaram quando as forças da idosa estavam se esgotando, pois, ferida em uma das pernas, praticamente caiu nos braços de Juliano. Já salva, se preocupou em pedir desculpas por não ter conseguido lhes abrir a porta. “Cheguei em casa, sentei e comecei a chorar”, revela. No pluviométrico que tem em casa, Staub somou 204 milímetros de chuva em 1 hora.
