As águas do Rio Caí iniciam sua trajetória na cidade de São Francisco de Paula, na Serra. Desde a sua nascente até desaguar no Delta do Rio Jacuí são 285 quilômetros percorridos, passando por 41 municípios. Nesse percurso, o Rio vai sendo formado por dezenas de afluentes, muitos deles com problemas na qualidade da água, o que contribui significativamente para a posição de um dos mais poluídos do Estado.
Um dos órgãos mais importantes no auxílio da gestão dos recursos hídricos na região é o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Caí. Mesmo sem ter um papel executor, o Comitê atua nas instâncias participativas e deliberativas sobre a gestão dos recursos de água na bacia. O órgão trabalha no planejamento hídrico e com ferramentas de autorização de uso, como por exemplo, a outorga da água.
O presidente do Comitê, Rafael Altenhofen, explica que todos os setores da cidade fazem o uso da água e o órgão atua para que não haja conflito entre os atores que utilizam do recurso. “Nenhum uso pode inviabilizar o outro na bacia. Caso haja conflito, são os usos humanos e depois a questão relacionada a manutenção de ecossistema as prioridades. Por exemplo, o Rio dos Sinos teve problema com falta de água e não tinha água suficiente para abastecimento humano. Então o Comitê de lá criou um regulamento no qual os arrozeiros pararam de captar água por 24h até regularizar a vazão. Por que a prioridade é o abastecimento humano”, explica Altenhofen.
Qualidade da água é uma preocupação
Outro aspecto trabalhado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Caí é a qualidade da água no Rio e seus afluentes. Altenhofen explica que a legislação trabalha com classes de uso da água, que são grupos de qualidade hídrica de acordo com as tipologias de uso. São dezenas de aspectos usados para definir as classes, que vão de zero até a classe quatro, que é a pior qualidade. “Cada classe, de acordo com os parâmetros de qualidade, tem as tipologias de uso. Então na classe especial, no caso a zero, tu podes beber sem tratamento. Já na classe um e dois, a água pode ser consumida com o tratamento simplificado. A classe três é o limite que tu tens pra beber água com tratamento convencional, que é o que a Corsan faz. E na classe quatro, que é a pior qualidade, a água não pode ser oferecida para consumo humano, nem com tratamento convencional”, explica.
De acordo com o presidente do Comitê, a água no Rio Caí se encontra nas classes dois e três, dependendo do local, o que já é o limite para consumo humano, sendo que em alguns arroios que fazem parte da bacia do Caí já há coletas que indicam parâmetros de classe quatro. “Acontece que esses arroios, quando deságuam no Caí, acabam sendo diluídos e reduz a quantidade de poluentes por conta da dimensão da água”, destaca. No entanto, Altenhofen alerta que em períodos de estiagem, quando há uma menor concentração de água no Rio, a situação da má qualidade da água de arroios que deságuam no Caí causam um impacto maior, podendo inclusive afetar a água consumida pela população através da Corsan, como aconteceu neste ano.
“A questão da água agora no Verão foi pautado no Comdema, foram identificadas variações absurdas em termos de qualidade em um mesmo dia. A partir disso, o Comitê entrou em contato com a Patram e nós já identificamos fontes de prováveis despejos clandestinos com boas chances de estarem contribuído para essa situação. Estamos preparando um relatório que em breve será publicado”, aponta Altenhofen. O presidente do Comitê relata que os possíveis lançamento clandestino de efluentes não tratados no Rio vieram de indústrias e também da suíno cultura. “A gente apurou que essas pessoas costumavam fazer esses despejos ilegais no Rio antes da chuva. Como não estava chovendo no Verão, muitos deles passaram a fazer esses lançamentos durante as madrugadas, por isso estavam ocasionado essas alterações no Caí”, revela Altenhofen.
O engenheiro da Corsan, Ângelo Marcelo Faro, também concorda que a diminuição da quantidade de água no Rio, provocada pela estiagem, traz impacto na qualidade da água por conta da maior concentração de poluentes vindos dos arroios. “Estamos no terceiro ano de estiagem, sendo a desse ano a mais severa de todas. O nível do Rio nos últimos dias melhorou, mas ele estava em um nível crítico desde o início do ano. Quando o Rio baixa o volume, os efluentes domésticos, industriais e provenientes de agropecuária provocaram mais impacto no Rio, isso nos preocupa”, expõe.
Faro explica que a Corsan participa diretamente do Comitê Caí, por ser uma das empresas que fazem uso da água. Nos últimos anos ele aponta que a Corsan tem promovido ações ambientais, como por exemplo, trabalhos de conscientização sobre o uso da água e educação ambiental.
Tratamento de esgoto ainda é um desafio
A percepção do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Caí é de uma tendência de melhora, nos últimos 30 anos, nos corpos hídricos em termos de contaminantes químicos, principalmente resíduos industriais. Conforme Altenhofen, isso aconteceu devido a um aperfeiçoamento da legislação ambiental, principalmente em termos de parâmetros de efluentes. Por outro lado, houve piora ou nenhum avanço no tratamento dos efluentes domésticos cloacais. Dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento revelam que, dos 41 municípios inseridos na bacia hidrográfica do Rio Caí, apenas sete tratam algum percentual do esgoto doméstico, nenhum deles passando dos 10%. O mais próximo de Montenegro é Tupandi, que faz o tratamento de cerca de 9% do esgoto. Em âmbito estadual, a média de esgoto tratado é de 45,83% e, do país, 65,87%.
“Esse que é o grande problema que nós vemos hoje, a contaminação orgânica do Rio Caí. Montenegro, que é um dos maiores municípios em termos de área urbana dentro da bacia, não trata um único metro cúbico de esgoto. Então as consequências disso nesse sentido não são animadoras”, destaca Altenhofen. Um dos entraves para investimentos no esgotamento sanitário de Montenegro é o Plano Municipal de Saneamento, que desde 2015 está aguarda uma revisão. Altenhofen explica que a legislação federal obriga os municípios a revisarem os planos a cada quatro anos, caso isso não aconteça, as cidades não podem acessar recursos para investir no tratamento de esgoto.
“Há critérios claros na legislação federal que dizem que os municípios que não revirem seus planos não podem receber recursos da União. Então Montenegro hoje não pode buscar recursos, e existem recursos, para investir no tratamento de esgoto no município”, expõe Altenhofen.
Desassoreamento e erosões causam impacto
O impacto das erosões de arroios que fazem parte da bacia hidrográfica do Rio Caí também é um fator que preocupa. Em 2015, com a publicação do decreto que instituiu o Programa Estadual de Estímulo à Limpeza e Desassoreamento dos corpos hídricos superficiais, municípios se utilizaram da dispensa de outorgas para fazer intervenções inadequadas em arroios de áreas urbanas. Altenhofen cita como exemplo no município o Arroio da Cria, no bairro Aeroclube, que na última intervenção realizada pela Prefeitura de Montenegro acabou agravando o problema de desassoreamento e erosão no local.
“Nós tivemos em 2010 e 2015 dois desassoreamentos no Arroio da Cria, sendo que em 2010 se entrou com máquina por dentro do corpo hídrico da calha do rio, retirando esse material e areia do fundo. Em 2015 foi com draga flutuante, também um procedimento adequado. Mas, por outro lado, em 2020 se removeu toda a vegetação ciliar do entorno com o argumento que não haveria alternativa. Mas da forma como foi feita acabaram por gerar um problema ainda maior”, aponta Altenhofen.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Caí expõe que antes, o tempo médio para retirada dos sedimentos do arroio era em torno de cinco anos. Mas, passados dois anos da última intervenção da Prefeitura no local, já há mais sedimentos do que a média dos cinco anos anteriores. “Eles retiraram a vegetação, choveu e a chuva lavou todo o barranco e toda aquela areia que era segurada pela vegetação acabou indo parar dentro do Rio. Uma intervenção da maneira como foi feita não melhorou a qualidade, ela prejudicou, porque retirou toda aquela faixa de vegetação ciliar e aumentou o desassoreamento do arroio e também do Rio Caí”, destaca Altenhofen.
Falta de repasses do Estado impede pleno funcionamento do Comitê
A falta de repasses de recursos para os Comitês por parte do governo do Estado nos últimos anos tem impedido o pleno funcionamento dos órgãos. Altenhofen diz que os Comitês deveriam possuir secretarias executivas, só que a grande maioria está sem receber os repasses do governo do Estado. A alternativa para o funcionamento dos Comitês seria os convênios firmados pelo Estado com universidade, mas também acaba não sendo colocado em prática.
“O Comitê Caí já está há dois anos sem receber recurso para manutenção das atividades de secretaria. Embora a Unisc tenha disponibilizado um espaço, os nossos materiais não estão conosco, porque Estado não foi buscar junto a UCS, que foi a última instituição conveniada. Então computador, celular, atas do comitê está tudo lá. É uma obrigação do Estado manter os Comitês operando, mas o básico, que é disponibilizar recursos para a manutenção, não é feito”, aponta Altenhofen.