Entre os dias 5 e 10 de setembro, o montenegrino Ives Vergara Nunes viveu uma experiência única em meio à natureza, em um dos lugares mais bonitos do Rio Grande do Sul. Em Derrubadas, na fronteira do Estado com a Argentina e também com Santa Catarina, o reverendo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil em Montenegro, que é observador de aves há seis anos, conheceu mais de 40 novas espécies de aves, em uma expedição de observação que valeu cada quilômetro percorrido (foram aproximadamente 1.000 km entre a ida e a volta).
Antes da viagem, Ives reservou um bom tempo para organizar os preparativos da expedição, a fim de garantir o máximo proveito e minimizar a probabilidade de ocorrer imprevistos durante o passeio. Estudou o local para onde iria, o Parque Estadual do Turvo, maior reserva ambiental do RS, com mais de 17 mil hectares de matas e local com o maior número de espécies de aves no Estado.
Com o objetivo de retornar para casa com inúmeras novas espécies registradas, o contato antecipado com guias locais foi imprescindível. “A busca nesta expedição foi, particularmente, pelas espécies das quais eu não tinha registro fotográfico e/ou sonoro”, relata. Depois disso, preparou os equipamentos necessários, como máquinas fotográficas, gravador, aplicativos auxiliares e caixinha de som, e providenciou a licença (ingresso) junto à Administração do Parque.
Além disso, confirmou a hospedagem com boa antecedência, assim como deu atenção especial ao veículo, à alimentação e aos materiais que utilizaria no período. A colaboração e o incentivo de amigos e amigas, que emprestaram diversos equipamentos, deram dicas e informações preciosas sobre o local, também foi fundamental para Ives. Ao lado, o montenegrino conta todos os detalhes desta valiosa expedição:
Partiu Derrubadas – Domingo, 05/09/2021
Peguei a estrada às 11h. Foram 435 quilômetros pelas BR’s 287, 386 e 472, e uma dezena de cidades. Seis horas depois, cheguei ao Balneário Martens, onde me hospedei em uma cabana. Fui recebido por Daniel, o proprietário, que desde os preparativos se mostrou muito gentil. Jantei uma porção de tilápia, criada, pescada e preparada no Balneário. Preparei todos os equipamentos para o dia seguinte e fui dormir cedo, pois a aventura começaria de verdade bem cedo na segunda-feira.
Primeiro dia – Segunda-feira, 06/09/2021
6h da manhã. O dia amanheceu com tempo fechado, muita serração, mas isso não me tirou o ânimo e a alegria. Havia marcado de encontrar, às 8h, no Alojamento do Campo Novo do Parque Estadual do Turno, o amigo Carlos Neimar (Guarda Florestal), Dante Meller (Doutorando em Biologia e Guia) e o Grupo Aves das Missões, que gentilmente aceitou que os acompanhasse a este dia de campo. A trilha, chamada Estrada Garcia, é reservada para observadores e pesquisadores, com licença do Parque. Éramos um grupo de 13 pessoas, de várias profissões, todas observadoras apaixonadas por aves. Seguimos por cerca de 4 km, guiados pelo Dante e na retaguarda do grupo seguiam duas picapes com equipamentos e prontas para eventualidades. Foram muitos avistamentos de diferentes aves, entre elas uma que no Rio Grande do Sul só é encontrada neste Parque, chamada Papinho-Amarelo, e outra que é considerada uma das mais lindas do país, o Uirapuru-Laranja, mas também outras com nomes curiosos, como o Gritador e o Estalador. Por volta das 13h me despeço do Grupo Aves das Missões e acompanho o amigo Carlos Neimar até a entrada principal do Parque, a cerca de 10 km deste local. Lá, passei o restante da tarde fazendo trilhas. Ao final da tarde, retorno ao Balneário, com centenas de fotos e sons para olhar, ouvir, editar, salvar e compartilhar no wikiaves.com.br. Resultado do dia: 9 espécies novas.
Segundo dia – Terça-feira, 07/09/2021
Pulo da cama às 6h, e às 7h30min já estava na entrada principal do Parque, que nas terças-feiras é fechado ao público, porém, como havia conseguido a licença para observação, pude entrar. Assim, neste dia era o único visitante. O amigo Carlos Neimar, Guarda Florestal do Parque, gentilmente me forneceu muitas dicas e indicações de localização de várias espécies que procurava. De carro, entre muitas paradas para observar e fotografar, levei quatro horas para percorrer os 15 km da estrada que atravessa o Parque até o Salto Yucumã, que é a maior queda d’água longitudinal do mundo, com cerca de 1.800 metros de extensão. Lugar simplesmente extraordinário em beleza e grandiosidade, fronteira entre Brasil e Argentina. De volta ao Balneário, me preparei para minha primeira “corujada”, ou seja, uma busca de espécies noturnas. Às 19h30min, ao sair em direção ao Alojamento do Campo Novo, encontrei na estrada o Bacurau, também conhecido como “dorminhoco”. Já no Alojamento fui recebido pelo Seu Ênio, guarda conhecedor de aves que me mostrou o local da Suindara (foto) e logo após indicou também onde encontrar a Corujinha do Mato (foto), bem menor, mas também linda. Passava pelo local o Guia Dante Meller, que se prontificou em me levar de camionete em uma incursão pela trilha dentro da mata. Com seu ouvido atento identificou e chamou duas espécies: a Coruja-Listrada e a Murucututu-de-Barriga-Amarela, aves raramente avistadas por quem mora em cidade. Mas a grande surpresa da noite foi o avistamento, no meio da estrada, de um par de olhos brilhantes, logo identificados pelo Dante como sendo de onça. O porte e vulto impressionaram, porém logo sumiu na mata. No dia seguinte soubemos que no mesmo ponto havia uma câmera fotográfica com sensor de presença, utilizada para monitoramento, que capturou o registro do animal (foto). Uma onça pintada adulta, com aproximadamente 80 kg. Uma visão raríssima, já que este Parque é o único local do RS que ainda há esta espécie de onça. Resultado do dia: 12 espécies novas.
Terceiro dia – Quarta-feira, 08/09/2021
Dia muito chuvoso que impossibilitou saídas de campo. Aproveitei para editar as fotos e sons, e também cuidar dos equipamentos. Da porta da cabana, consegui duas novas espécies: o Inhambú-Chintã (foto) e o outro foi o Bentivizinho-de-Penacho-Vermelho. Aproveitei também o pesque-pague que existe lá, peguei umas tilápias e garanti uma boa janta.
Quarto dia – Quinta-feira, 09/09/2021
O mais esperado dos dias, pois havia contratado o guia Dante Meller para conduzir-me o dia todo, na expectativa de achar algumas aves raras. Dante, com sua grande experiência me ensinou que em uma mata tão grande não adianta ficar chamando aves aleatoriamente, mas tem que ouvi-las, para então tentar atraí-las. Assim, com seu ouvido apurado, me conduziu ao longo do dia a muitos avistamentos de aves diferentes, vulneráveis e algumas até em risco de extinção. Resultado do dia: 15 novas espécies com fotos e mais de 20 registros sonoros. Entre estes, o do Surucuá-de-Barriga-Amarela, Barbudinho, Miudinho, Iraúna-Grande, Viuvinha, Caburé, Marianinha-Amarela, Bico-de-Pimenta.
Quinto dia – Sexta-feira, 10/09/2021
Tudo maravilhoso, mas precisava voltar para Montenegro. Foram cerca de 40 espécies novas. Sem contar as dezenas de outras já conhecidas e todas as que os olhos viram, os ouvidos ouviram, mas nem a câmera e nem o gravador captaram. Além de toda a mata e suas belezas e também inúmeros bichos como: macaco-prego, cateto, cutia, queixada, o tapiti (um pequeno coelho do mato) e muitas espécies de borboletas e insetos. Porém, mesmo sem conseguir registros, sem dúvidas, ficaram gravados no coração e no espírito. Além da imaginação que fica instigada por saber que lá existem o puma, a jaguatirica, o gato-do-mato, a anta, cobras, veados e outras várias espécies.
Assim, ao se despedir, só restou o sentimento mais profundo de gratidão a Deus, Criador de todas estas belezas, e aos amigos e amigas que colaboraram nesta expedição; e claro, a viva vontade de tão logo seja possível, poder retornar a este pedaço do paraíso. Como sempre escrevo em minhas publicações de aves, reconheço que foi: “Uma Graça do Criador!”