Caso do homem negro morto por um policial branco nos EUA desencadeou série de protestos mundiais
“Daddy changed the world!”, ou em Português: “Papai mudou o mundo!”. Foi com essas palavras que a pequena Gianna Floyd, 6 anos, resumiu, enquanto na garupa do ex-jogador de basquete da NBA e amigo de infância do pai Stephen Jackson, toda a repercussão e movimento que a morte de seu pai ocasionou. O pai dela é George Floyd, o negro norte-americano de 46 anos assassinado por um policial branco em 25 de maio em Mineápolis, nos Estados Unidos da América (EUA), após suplicar pela sua vida por longos minutos.
“I can’t breathe”. A frase repetidamente dita por Floyd na abordagem acabou ganhando um sentido muito maior do que o seu significado literal de quem suplicava dizendo que não conseguia respirar por o joelho do policial estar esmagando sua garganta. Ela passou a representar toda a repressão vivida e sentida pela comunidade negra dos EUA. Esse sentimento ganhou as ruas de Mineápolis e, depois, do mundo.
A pressão popular, que iniciou com protestos pacíficos contra o racismo e a violência policial e depois ganhou contornos violentos e novas pautas, resultou na acusação do policial Derek Chauvin por homicídio em segundo grau. Outros três oficiais que participaram da abordagem a Floyd, acusado de usar uma nota falsa para pagar por um pacote de cigarros, responderão por ajudar e facilitar o homicídio.
O jornalista, doutorando em Sociologia e ativista negro Rogério Santos, 53 anos, lembra que, apesar de ser minoritária no país, a população negra dos EUA possui uma história de luta contra políticas racistas. “A morte covarde de um homem negro em Minnessota, que 11 vezes disse que não conseguia respirar, fez ressurgir uma onda de indignação depois da divulgação do vídeo que mostra um policial branco ajoelhado no pescoço dele”, comenta. O ativista salienta que a Internet ajudou a potencializar os protestos, fazendo com que os movimentos da atualidade superem os números históricos que tiveram ações organizadas por líderes como Malcon X, Martin Luther King Jr. e Angela Davis. “É momento de a comunidade negra reafirmar sua luta contra o racismo, que, a meu ver, é uma pandemia que dura mais de 400 anos”, reforça.
O ativista vê no crescimento dos protestos pelo mundo – e a inclusão de outras pautas deles – um desabafo de um grande número de pessoas que estão indignadas ou se sentindo prejudicadas por questões econômicas, políticas ou sociais e que se estão utilizando do momento para demonstrar sua insatisfação. “Numa leitura muito particular, vejo muitos aproveitadores de direita, de esquerda, sindicalistas, enfim, surfando na questão das ondas dos protestos raciais para tentar mostrar suas lutas ou reivindicações que não tem nada a ver com racismo ou violência aos negros; não que A ou B estejam errados, mas seria outro o momento”, pondera.
“Não se debate racismo no Brasil”
Numa crítica contundente ao cenário brasileiro, Rogério diz que o racismo no Brasil é algo estrutural e institucionalizado, sendo a democracia racial uma farsa. “Na realidade, não se debate racismo no Brasil, finge-se que ele não existe e que somos todos iguais”, acusa. O ativista entende que essa falsa democracia racial iniciou logo após o término da escravidão, com leis e decretos que proibiam pessoas negras de trabalhar e estudar, por exemplo.
O jornalista busca exemplos recentes para exemplificar sua fala. Por exemplo, para ele o tratamento dado por policiais a um morador branco de um bairro de luxo da Grande São Paulo que, descontrolado, xingou e ameaçou os agentes da segurança pública seria diferente se a cor do agressor fosse outra. “Fosse ele preto, na mesma situação, certamente teria sido morto na frente da mulher e do filho e ainda alegariam legítima defesa”, acredita.
Ele também menciona o caso do jovem João Pedro, adolescente morto na própria casa durante uma operação policial em São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro. “É por esta razão que não se discute racismo no Brasil, pois o sistema desumanizou os pretos de uma forma tão absurda que seu genocídio já não importa a quem não tem a pele escura”, resume Rogério. “Não temos reação, união e cultura de protestar contra isso. Mudar exige, no mínimo, um debate honesto sobre racismo e privilégios da branquitude por esta sociedade mestiça que se considera ariana”, complementa o jornalista.
A luta contra o racismo é diária
Para a modelo, atriz, trancista e ativista negra montenegrina Jhozy Azeredo, 26 anos, os protestos que iniciaram nos EUA e se espalharam pelo mundo parecem ter acordado o Brasil para a luta antirrascista. No entanto, ela mantém um pé atrás com todo o apoio que movimentos como o #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam, em Português) estão recebendo. “Precisamos esperar pra ver se essas pessoas que levantaram a bandeira realmente vão continuar com ela levantada ou se foi só uma questão de ‘modinha’”, comenta.
A modelo salienta que a luta do negro é diária. “Eu tenho que absorver tudo isso, cuidar da minha saúde mental e estar forte para dar as mãos pros meus. No Brasil, morre um jovem negro a cada 23 minutos! Não foi só a morte do João Pedro, nosso povo está sendo executado”, reforça. Ela cita como um dos piores momentos da sua vida foi quando ela era soberana de Montenegro, em 2013. “Passei por tanto racismo que tive que engolir isso a seco”, lembra.
Para superar esse difícil momento, ela contou com a ajuda de um funcionário da Prefeitura da época, Jeferson Luís Motta Carvalho. “Em muitos momentos ele esteve preocupado e conversava muito comigo. Só ele podia entender o que eu estava passando, só ele conseguia enxergar os olhares pra cima de mim”, recorda.
A trancista destaca, ainda, que o racismo no Brasil é velado. “Ainda tem milhares de pessoas que acreditam que não existe racismo”, observa. “Eu não vou me calar! Meus amigos que estão comigo nessa luta não vão se calar! O nosso povo está acordando”, enfatiza, mantendo sua bandeira erguida nessa luta.