Ibiá entrevistou Leonardo Busatto sobre a polêmica proposta em discussão
Presente no site https://parcerias.rs.gov.br/rodovias, a consulta pública sobre a concessão das rodovias da região à iniciativa privada se encerra neste sábado, 31 de julho. A partir de então, o Governo do Estado vai unir as demandas e avaliar as sugestões dadas. A previsão é que, com o aval do governador, a proposta de concessão, com ajustes, venha a público no final de agosto.
Dentre as estradas que serão concedidas estão a RSC-287 e a ERS 240, entre Montenegro e Portão. A proposta prevê a duplicação de ambas até o sexto ano da concessão, com rótulas, viadutos e passarelas; mas com um pedágio que, de acordo com o projeto atual, ficará em Capela de Santana. Deve haver alteração. O Ibiá conversou com o secretário extraordinário de Parcerias do Governo Leite, Leonardo Busatto, sobre o assunto.
Veja os principais destaques da conversa
Secretário, se fala no pedágio previsto para Capela de Santana como forma de custear as obras da concessão. A região, porém, desde os anos 90 tem um pedágio em Portão que, atualmente, é administrado pela Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que é pública. Até hoje, os recursos desse pedágio não garantiram grandes obras, como a duplicação da 240 em Capela de Santana ou mesmo da RSC-287 em Montenegro. Por que com a concessão a uma empresa privada podemos ter resultado diferente?
Nós estamos retirando a praça de Portão e dividindo ela em duas. Uma ficará em direção mais ao norte na ERS-122 (Bom Princípio); e uma na ERS-240, em direção a Montenegro. Essa praça atual tem uma série de isenções e desvios que fazem com que muitos que passem pela praça não paguem. A primeira questão que faz diferença é essa. Tendo mais gente pagando, sem essas isenções, haverá mais receita. Essa receita faz com que tenha mais investimentos.
O segundo argumento é que a empresa privada vai ter que fazer investimento de mais de R$ 1 bilhão nos primeiros cinco anos da concessão; e quase R$ 3 bilhões durante os 30 anos. Isso, falando só desse bloco 3 que envolve a 122, a 240, a 287 e a Serra Gaúcha. E como uma empresa privada faz? Ela pega um dinheiro próprio ou financiamento, investe nas obras logo no começo do contrato e só vai pagar essa conta (com a arrecadação do pedágio) lá no final da concessão, ao redor do ano 20. A empresa privada tem condições de captar dinheiro e fazer os investimentos na frente, o que a EGR não consegue. A EGR não tem condições de captar dinheiro e, simplesmente, faz as obras com o dinheiro do pedágio, que mal cobre a manutenção.
A EGR, hoje, é custeada apenas com recurso dos pedágios ou recebe recurso público? No que se reflete ter a empresa pública a frente das estradas?
Ela não recebe um centavo de recurso público. E como empresa pública, ela sempre teve uma série de dificuldades. Ela tem que licitar; tem que contratar pessoal por concurso público; tem problemas de às vezes a licitação não estar correta; os indicadores de qualidade das obras são inferiores aos indicadores privados; e ela não tem uma regulação da Agergs. Hoje, eu acredito que os gestores da EGR são competentes, mas também nem sempre o foram.
A EGR também está sempre suscetível a questões políticas para dar isenções. Pra vocês terem uma noção, desde a concessão da EGR foi reajustado uma vez só o valor do pedágio. Por questões políticas, ele não foi reajustado. A gente fala hoje num pedágio de R$ 7,00 em média, com todas as praças da EGR, e deveria ser muito mais de R$ 10,00 se fosse corrigido pela inflação. E os custos das obras, o quanto aumentou desde que foi criada a EGR há nove anos? Não existe mágica. Mas ela é, como todo órgão público, sucessível a decisões políticas que inviabilizam os investimentos.
Um outro argumento importante é que todos os países desenvolvidos do mundo e todos os estados desenvolvidos do Brasil possuem concessões privadas. Em nenhum lugar do mundo existe uma empresa pública gerindo pedágios. A EGR é uma jabuticaba gaúcha. Não é possível que só o Estado esteja correto e todos os países da Europa, os Estados Unidos, os outros estados, como São Paulo, Paraná e Bahia, estejam errados.
A empresa privada consegue captar dinheiro, ela tem mais autonomia pra fazer a gestão dos recursos e tem uma regulação eficiente para entregar mais investimentos, às vezes até com tarifa menor. É como é o caso, hoje, da RSC-287 para quem vai de Tabaí a Santa Maria (trecho recentemente concedido) que vai pagar praticamente o mesmo valor de pedágio, mas vai ter muito mais serviços do que tinha com a EGR.
O senhor fala na captação de recursos de fora. Por que a EGR, como empresa pública, não conseguiria?
Ela pode, mas tem duas questões que impedem. Primeiro é que ela não tem um contrato de concessão. Ela tem uma delegação. Então, quando ela vai buscar dinheiro, o banco que financia vai olhar a garantia de fluxo de caixa futuro; que é se vai haver dinheiro para pagar o financiamento. Eles olham a EGR, que não tem contrato ou concessão regulamentada, que mal consegue pagar suas contas pra manutenção, e não vão financiar. Tanto, que faz quase dez anos que a EGR existe e não teve um financiamento.
Outro lado que eles analisam, por ser empresa pública, é a situação do acionista controlador, que é o Estado. Eles olham a situação financeira do Estado e dizem: negativo, eu não vou emprestar dinheiro pra esse pessoal porque se a empresa não me pagar, o dono da empresa não vai pagar também. Então, é por isso que não existe empresa pública que gere pedágio em nenhum lugar do mundo, a não ser no Rio Grande do Sul. Pode perguntar pra qualquer banco se eles emprestariam dinheiro pra EGR. Todos vão dizer que não. Em compensação, se tu perguntar pras concessionárias privadas, elas captam bilhões de reais pra fazer os investimentos das concessões.
A praça de pedágio de Portão, hoje da EGR, por muitos anos era administrada pelo DAER. Era um pedágio comunitário. Porque houve essa mudança em meados de 2013?
Existiam os pedágios comunitários, que é o caso de Portão, Coxilha e Campo Bom; e existiam pedágios privados de uma rodada de concessões feita lá na década de 90. A EGR foi criada em 2012, na época do Governo Tarso, quando, ao se encerrar os contratos de concessão criados na década de 90, ao invés de fazerem uma nova rodada de concessões, se resolveu criar uma empresa gaúcha alegando que, com o dinheiro do pedágio, por ser uma empresa pública, eles conseguiriam fazer os investimentos que até então não eram feitos. (As praças comunitárias, com isso, também passaram à EGR).
Mas conversando com prefeitos da época, eles contam que prometeram mundos e fundos que não foram cumpridos. Prometeram que as estradas seriam duplicadas, bem geridas, sinalizadas; e a realidade é que, depois de quase dez anos, o modelo da EGR não deu certo. Isso é reconhecido por todos. Em nove anos de EGR, eles só duplicaram sete quilômetros de estradas. Na proposta que a gente está fazendo, com a concessão, em cinco anos serão duplicados 300 quilômetros; 40 vezes mais do que a EGR fez em nove anos. No nosso ponto de vista, não deveria ter sido criada a EGR. A história prova que ela não deu certo.
Feitas as concessões, a EGR estará extinta?
A EGR como é hoje, administradora de rodovias, vai ser extinta. O que o Estado vai discutir ali na frente é se ela vai, eventualmente, virar algum outro órgão; se vai ser transformada em empresa fiscalizadora das concessões, se vai virar uma empresa de projetos, se os servidores serão absorvidos…Isso ainda não está na pauta porque a gente só vai fazer essa discussão quando, efetivamente, o Estado conseguir publicar os editais e fazer os leilões previstos para o final do ano. Aí, durante o ano que vem, até a assinatura dos contratos, o Estado vai decidir o destino da EGR, que certamente não vai mais administrar rodovias como ela faz hoje.
O senhor fala da maior capacidade que a empresa privada terá de fazer as obras previstas na concessão; muitas já nos primeiros anos. Mas o que garante que elas serão, mesmo, realizadas?
São três órgãos que fazem o controle dos contratos. O principal deles, como em qualquer lugar do mundo, é a Agergs, que é a Agência Gaúcha de Regulação. Ela vai ser a responsável por cobrar e fiscalizar todos os itens do contrato de concessão, sejam as obras, os indicadores de desempenho ou as questões tarifárias. Também é criado um conselho de usuários formado por moradores da região que utilizam a rodovia e também fazem esse papel de fiscalização. Eles não têm o mesmo poder de deliberação da Agergs, mas têm o papel e a competência de solicitar documentação, fazer questionamentos e a fiscalização in loco das obras. O último órgão é o poder concedente, o Estado, que faz a validação das obras e a aprovação de projetos com a secretaria de Logística e Transportes. Isso sempre analisando pelo edital e o contrato que foi assinado.
O próprio contrato tem uma série de penalidades, inclusive podendo ser rescindido a qualquer momento caso aja algum descumprimento grave por parte da empresa. Também, pro Estado não ter prejuízo, ele solicita um aporte de dinheiro que a empresa terá que pagar e ficará retido já no começo da concessão. Caso a empresa não cumpra, o Estado rescinde o contrato e fica com esse dinheiro que a empresa colocou como garantia.
Falando dos novos pedágios, o prefeito de Capela de Santana teve reunião com o senhor e anunciou que está certo que a praça não deve mais ser no quilometro 25 da ERS-240. É um local que está cortando localidades capelenses do centro do Município. Essa mudança já é certa?
Certo, só vai ser quando o governador decidir. Foi ótima a reunião com o prefeito. Nós entendemos os argumentos que foram trazidos e foram analisadas algumas alternativas. Cada uma com seus prós e contras. O nosso compromisso com a Prefeitura de Capela de Santana e com a comunidade é avaliar essas alternativas e dar um retorno em breve; provavelmente na segunda quinzena de agosto. Mas posso dizer que, realmente, os argumentos trazidos por eles foram muito pertinentes. E há possibilidade, sim, de modificar o local da praça para outro local.
Essa data, do fim de agosto, será para apresentação dos resultados da consulta pública?
Nós estamos recebendo todas as sugestões. Temos bastante coisa para analisar com calma. Ainda levaremos tudo ao governador na segunda quinzena de agosto e devemos ter as respostas para o pessoal já na segunda quinzena. Não é um prazo legal, mas um compromisso nosso de apresentar tudo o que foi sugerido e o que foi atendido na consulta. O que não for possível atender, também vamos justificar os motivos.
Além do local das praças, se critica o modelo previsto pro leilão da concessão, que não vai priorizar a empresa que oferecer a menor tarifa possível de pedágio. O senhor já explicou que o governo entende que a menor tarifa estimula lances irresponsáveis e que podem inviabilizar os contratos. E defende este atual, com um limite de 25% de deságio, mais o pagamento de outorga; o quanto a empresa paga ao Estado pra ganhar a concessão. Muitos apontam, porém, que isso acabará encarecendo os pedágios. Com esse debate, se pensa numa terceira alternativa de leilão?
A gente tem alternativas. Tem outros modelos nacionais que tratam sobre o tema. Existem modelos só de outorga, inclusive. Mas a gente também precisa analisar com calma, precisa levar ao governador. Iremos, também nessa segunda quinzena de agosto, bater o martelo se vai realmente ser feita alguma alteração e uma nova proposta.
Antes, o senhor citou o sucesso da concessão da 287, entre Tabaí e Santa Maria. Lá, o leilão priorizou a oferta da menor tarifa, certo?
Sim, foi por menor tarifa. Naquele lá, o leilão foi feito em dezembro e a lei estadual ainda não permitia que se fizesse com um modelo diferente. Agora, com uma mudança recente da lei (aprovada pela Assembleia Legislativa), o Estado propôs esse modelo que a gente chama de híbrido, que é menor tarifa com a outorga.
O prazo de lançar o edital finalizado já em setembro segue mantido, mesmo com o atual andamento da consulta pública?
Ainda vai depender desse nível de alterações ou não que o Estado fizer. A gente vai avaliar a questão do cronograma, mas a nossa meta ainda é publicar até o final de setembro.