Atualização do documento também retira a transexulidade das doenças mentais
A nova Classificação Internacional de Doenças (CID) foi publicada neste mês pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O documento lista de forma padronizada as principais enfermidades, problemas de saúde pública e transtornos que causam morte ou incapacitação de pessoas.
Duas grandes novidades apareceram no documento. A primeira delas é a inclusão do vício em videogames como perturbação mental, doença caracterizada pela “perda de controle no jogo”. O diagnóstico aponta para a falta de controle e a prioridade dos jogos na vida das pessoas. A segunda é a retirada da transexualidade da lista de doenças mentais.
A OMS diz que para classificar como distúrbio mental, o vício em videogames deve ser manifestado a partir de um comportamento extremo, com consequências sobre as “atividades pessoais, familiares, sociais, educativas ou profissionais” e, “em princípio, manifestar-se claramente sobre um período de pelo menos 12 meses”.
Já as questões relacionadas à identidade de gênero vão para um novo capítulo da CID, o da saúde sexual. Com isso, as proposições e justificativas de tratamento e cura da transexulidade caem por terra, respeitando a diversidade sexual dos seres humanos.
A Classificação Internacional de Doenças (CID-10), que está em vigor atualmente, foi aprovada em 1990. De lá pra cá não teve alterações.
A 11ª edição do documento será apresentada na Assembleia Mundial de Saúde, em maio de 2019. Se aprovadas pelos Estados-Membros, as mudanças entram em vigor no dia 1º de janeiro de 2022. Foram recebidas mais de 10 mil sugestões de profissionais da saúde do mundo todo, a fim de atualizar a lista.
Ficar horas jogando pode ser o refúgio de outros problemas
Para a psicóloga especialista em psicanálise, Adriana Bandeira, não é possível vermos o sujeito e seu sintoma longe de seu contexto social. “A mídia nos captura e oferece o mercado de consumo como o ideal de felicidade. Jogar por horas e horas, sendo esta a interação principal do sujeito com o mundo é um sintoma, é a forma como ele encaminha seu mal estar frente à sua existência. Mas, reparem, é apenas um sintoma”, afirma.
Segundo Adriana, a condição de repetição em algo alienante impede o sujeito de reinventar-se, causando certo aprisionamento em um lugar subjetivo, onde faz a pessoa pensar que nada falte em sua vida e que não precisa questionar sobre o que deseja. “É comum ligarmos estes aspectos a casos de depressão ou de melancolia, já que a busca pelos investimentos para a vida não ficam colocados em plano algum”, analisa a psicóloga.
No entanto, a profissional alerta que para a psicanálise o termo transtorno diz respeito a um estado diferente que quer dizer algo. “Um jovem que sofre bullying na escola pode encontrar na compulsão por jogos uma forma de alienar-se e não interagir com mais ninguém”, revela.
O problema do vício dos jogos pode estar ligado à questão do abandono. Adriana questiona como alguém pode passar horas e horas diante de uma máquina, desencadeando um vício após um tempo e ninguém perceber o fato. “Há quem questione a presença dos pais, mas aí chegamos aos acordos desumanos do nosso tempo: horas de trabalho que desumaniza o corpo e a alma, impossibilidade de laços e trocas importantes em função desta espécie de escravidão, separação entre o que se almeja do que se faz”, destaca a psicóloga.
Adriana revela que evitar um sintoma é algo complicado, já que ele é a saída para um sofrimento. No entanto, as interações com o outro, as trocas entre as pessoas e a atenção sobre o abandono são aspectos importantíssimos para que estes problemas sejam evitados.
Alguns têm necessidade de mudanças no corpo
A transexualidade tem seu lugar no mundo desde que ele existe, conforme Adriana Bandeira. “Classificar um sujeito em função de sua opção ou mesmo de sua coragem em dizer-se, não nos cabe”, afirma. Para a especialista em psicanálise, algumas pessoas necessitam da alteração real do corpo para sentirem-se homem ou mulher. Porém, outras não precisam passar por esses processos.
Referente às mudanças de classificação da transexualidade, Adriana diz: “Para que possa ‘receber’ algum atendimento, o sujeito continua numa das classificações. Isso nos diz que a ciência, enquanto tecnologia para um bem estar, coloca-se à mercê de um conceito estreito de saúde e doença, mas avançando quando diz ser saúde sexual”, finaliza.