Gastos médicos relacionados ao cigarro são de R$ 56,9 bilhões, mas produto só gera R$ 12,9 bilhões em impostos
Patrícia Scheid fumava desde os 13 anos. Nesse meio tempo, chegou a largar o vício por algum tempo, mas acabou voltado e somente no ano passado abandonou de vez o cigarro. Tomou a decisão mais por orientação de uma prima, que trabalha na área da saúde e a inscreveu no Grupo de Tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
“A minha prima, que é enfermeira, a Laila da Silveira, disse assim: ‘Patrícia, eu te inscrevi no grupo’. Falei: ‘Tá, tudo bem.’ Eu queria parar de fumar, porque sozinha nunca conseguia”, conta. Entre os maiores incentivos que teve, Patrícia não esquece o da família, que em todos os momentos esteve junto dela. “Todos me apoiaram muito”.

Hoje, com 47 anos e há nove meses sem fumar, Patrícia comemora o dia em que decidiu abandonar o cigarro. “Eu comecei no grupo e, na semana seguinte, decidi parar de fumar e parei. Não foi fácil. Os três primeiros dias foram horríveis, mas depois disso foi indo. Um dia de cada vez e hoje tem dias penso: nossa, mas eu já fumei? Nem lembrava disso”, recorda.
Para lembrar a luta de pessoas como Patrícia — que decidem abandonar a dependência que o cigarro causa — no dia 31 de maio foi instituído o Dia Mundial sem Tabaco. Nesta data, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) divulgaram o estudo “Carga de Doenças e Custos Econômicos Atribuíveis ao Uso do Tabaco no Brasil”, que apontou o enorme prejuízo do tabagismo para o País.
No Brasil, o valor gasto com despesas médicas de doenças decorrentes do tabagismo chegou à marca de R$ 56,9 bilhões. Deste total, R$ 39,4 bilhões são com custos médicos diretos e R$ 17,5 bilhões com custos indiretos, valor que é bem inferior à arrecadação de impostos com cigarro, que foi de R$ 12,9 bilhões. No município, a Secretaria de Saúde não tem registros dos gastos com tratamentos de doenças decorrentes do tabagismo.
O peso dos gastos com o cigarro no bolso das famílias leva uma fatia de 1,08% do orçamento mensal — participação que quase se equivale ao do tradicional arroz e feijão, que é 1,12%, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Grupo de apoio ajuda no processo de abandono do vício
Retomado no ano passado, o Grupo de Tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), em 14 meses, já atendeu mais de 100 pessoas que procuraram auxílio para deixar de fumar. De acordo com a enfermeira responsável pelo Posto de Atendimento Médio (PAM) e uma das coordenadoras do Grupo de Tabagismo da SMS, Cristiane Bianchini Caye, o atendimento é feito em grupos de oito a dez pessoas, uma vez por semana, durante um mês. Depois dos encontros presenciais, o tratamento segue com medicação e ainda com o grupo de manutenção.
“Antes de começar no Grupo de Tabagismo, a gente faz uma entrevista individual, onde esclarecemos como funciona. Muitas pessoas tentam parar de fumar sozinhas, mas não conseguem. Aí elas imaginam que precisam de uma medicação, então elas vêm em busca disso aqui. E essa entrevista serve para explicar que o grupo é de autoajuda e a medicação, na verdade, é um tem a mais que oferecemos”, explica a Cristiane.
As despesas do serviço são custeadas pelo Ministério da Saúde e a medicação é encaminhada específica para cada paciente que participa do grupo. Quem tiver interesse em parar de fumar pode se inscrever no PAM, das 7h às 18h, pessoalmente ou por telefone.
“O grupo é de uma importância sem igual. As pessoas podem achar que é sempre a mesma coisa, mas não é. É muito motivador tu estar lá e ouvir as angústias dos teus colegas de campanha antitabagismo. Isso fortalece”, diz Patrícia Scheid, com veemência.
Para a enfermeira , o resultado, desde a retomada das atividades, tem sido positivo. “Acredito que isso se dá muito em função de o grupo ajudar as pessoas a se organizarem. Muitos que chegam aqui e dizem que querem parar de fumar e, quando vemos isso, tentamos organizar a rotina para que a dependência química, psicológica e física mude para abandonar o vício”, detalha.
Aumento de preço é a medida mais eficaz para reduzir uso
Por meio de uma série de iniciativas, a política brasileira de controle ao tabaco conseguiu reduzir a prevalência de fumantes no Brasil, que é uma das mais baixas do mundo, apesar dos números assustadores. Uma das medidas adotadas, e que é considerada uma das mais eficazes para reduzir o consumo, é o aumento de preços por meio da elevação dos impostos, recomendação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, tratado mundial ratificado pelo Brasil em 2005.
Outras ações surtiram efeito, como a proibição da publicidade de cigarros nos meios de comunicação e pontos de venda e do consumo de tabaco em ambientes fechados, a obrigatoriedade das imagens de advertência nos maços e os projetos do SUS para a cessação de fumar.
“Em 2011, houve aumento expressivo de impostos e preços do cigarro. Podemos avançar mais ainda, pois o cigarro brasileiro continua muito barato quando comparado a outros países. Mas antes disso, precisamos eliminar o contrabando de cigarros que tende a neutralizar o efeito dessa medida”, afirma Tânia Cavalcante, secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq).
Comércio local nota queda na venda de cigarros
Gláucio Theisen é proprietário de um dos estabelecimentos comerciais mais antigos de Montengero. Há pelos menos 70 anos, a família dirige um Café no centro e, desde que comanda o local, ele conta que percebeu a diminuição de pessoas que compram cigarros. “Desde que assumi o comando, lá em 1989, o pessoal fumava muito, mas agora se conscientizou de parar. O valor também interferiu muito.”
Há vinte anos, o peso do cigarro na cesta de produtos dos brasileiros chegava a 1,4%. Como o item ficou 448,17% mais caro desde então, o movimento mostra que as famílias cortaram essa despesa. “Percebo até que alguns que fumavam os de mais qualidade mudaram para os mais baratos. Não conseguiram manter o padrão”, relata Gláucio. Segundo ele, aqueles que ainda fumam têm optado pelo mais barato.