Nos últimos anos, a popularidade dos cigarros eletrônicos, conhecidos como vapes e POD’s, tem crescido de maneira alarmante, especialmente entre os jovens. Apresentados muitas vezes como uma alternativa mais segura ao cigarro tradicional, esses dispositivos têm despertado a atenção de especialistas em saúde, que alertam para os perigos reais que eles representam. Marcelo Basso Gazzana, chefe do serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica do Hospital Moinhos de Vento, compartilhou informações valiosas sobre os riscos associados ao uso desses dispositivos.
Um dos principais problemas relacionados ao uso de vapes e POD’s é a presença de nicotina. Assim como no cigarro tradicional, a nicotina nos dispositivos eletrônicos causa dependência, ligando-se aos receptores cerebrais que reforçam o comportamento de adição. “A quantidade de nicotina nesses dispositivos é muito alta, e os jovens ficam dependentes muito rápido. Além disso, o uso abusivo é facilitado pelo fácil acesso e pela praticidade de uso”, comenta Gazzana. Essa dependência pode levar a sérios problemas de saúde, incluindo complicações cardiovasculares. “A nicotina, com o uso continuado, pode impactar problemas cardiovasculares, como doenças cardíacas e vasculares das pernas, braços e até do cérebro”.
Os efeitos no sistema respiratório são uma das maiores preocupações em relação ao uso de vapes e POD’s. Gazzana explica que, em curto prazo, o uso desses dispositivos pode causar broncoespasmo, que é similar a uma crise de asma, tosse, falta de ar e irritação nas vias respiratórias. A longo prazo, o uso pode desenvolver doenças como bronquite crônica, onde a pessoa fica tossindo constantemente, além de secreção crônica e, em casos mais graves, pneumonia química. Esta é uma condição grave que, em inglês é chamada de EVALI. A lesão pulmonar pode levar o paciente a ser entubado e, em casos extremos, à morte. No Brasil, Gazzana já atendeu pessoalmente pacientes com esse problema, reforçando a gravidade dos riscos respiratórios associados ao uso de cigarros eletrônicos.
O que é a EVALI?
O perigo do uso é tão real que já existe uma doença ligada ao uso dos cigarros eletrônicos. É a lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico ou produto vaping, mais conhecida pela sua sigla em inglês: EVALI. Os sintomas vão desde tosse, dor no peito e falta de ar até náuseas, vômitos, problemas abdominais e perda de peso. Em um estudo feito pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) em 2020, dos quase 3 mil pacientes hospitalizados com EVALI, 68 morreram. Em sua maioria, adolescentes e jovens adultos.
No Brasil, os especialistas afirmam que há uma subnotificação dos casos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), o tratamento consiste na suspensão do uso dos cigarros eletrônicos e medidas como oxigenação e ventilação, podendo ou não ser invasiva. A questão é que, como os vapes se popularizaram nos últimos cinco anos, a ciência ainda não sabe exatamente quais são os seus efeitos a longo prazo.
Os estudos ainda se limitam às consequências imediatas ou a produtos mais antigos, como canetas e box mods, que diferem dos atuais pods recarregáveis. As reações do organismo também mudam de acordo com o sabor do cigarro eletrônico, o que exige uma pesquisa mais aprofundada.
Vape x cigarro tradicional
Embora os vapes sejam muitas vezes vendidos como uma alternativa “menos nociva” ao cigarro tradicional, Gazzana alerta que essa percepção é enganosa. “Os vapes não envolvem a inalação de fumaça, mas sim de vapor, o que teoricamente apresenta menos substâncias químicas que o cigarro tradicional. No entanto, o vapor também pode conter compostos tóxicos que são prejudiciais à saúde”, esclarece. Ele também destaca que não é ético ou prudente fazer um estudo comparativo para determinar qual é o “menos pior” entre o cigarro tradicional e os vapes, visto que ambos apresentam riscos substanciais para a saúde.
Para quem já sofre de doenças respiratórias
Para indivíduos que já sofrem de condições respiratórias, como asma ou Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), o uso de vapes pode ser devastador. “Pacientes com essas condições têm um impacto muito maior do que uma pessoa previamente saudável. O uso de vapes nesses casos piora o controle da asma ou DPOC, aumenta o risco de infecções e pode levar à perda da função respiratória a curto e longo prazo”, adverte.
Por essa razão, o uso de vapes é totalmente contraindicado em qualquer situação, inclusive para aqueles que estão tentando parar de fumar. As sociedades médicas não recomendam o uso de vapes como método para cessação do tabagismo, devido aos seus riscos significativos e à falta de evidências científicas sólidas que comprovem sua eficácia.
A importância da informação
Apesar da popularidade crescente dos vapes, ainda há muito a ser estudado sobre os efeitos de longo prazo desses dispositivos. Gazzana enfatiza a importância de continuar divulgando informações sobre os riscos à saúde, especialmente para os jovens, que são os principais usuários desses dispositivos. “A primeira coisa é divulgar que eles nem devem começar, porque a dependência se instala muito rapidamente. É fundamental que as pessoas procurem ajuda para parar e também conversem com os colegas sobre os riscos que estão correndo”, finaliza.
A mensagem é clara: embora o uso de vapes e PODs seja muitas vezes visto como uma alternativa mais segura ao cigarro, os riscos à saúde são reais e potencialmente devastadores. A conscientização e a educação são as melhores ferramentas para prevenir o surgimento de uma nova geração de dependentes da nicotina e para proteger a saúde pública.
Componentes tóxicos: o que está no vapor?
Os líquidos utilizados em vapes e PODs contêm uma variedade de substâncias que podem ser prejudiciais à saúde. Além da nicotina, Gazzana menciona o propilenoglicol, um líquido inodoro que transporta os sabores e ajuda a criar o vapor. “Quando aquecido e inalado, o propilenoglicol pode causar irritação e reações alérgicas nas vias respiratórias”.
Além disso, os aromatizantes e outros aditivos presentes no líquido podem ser irritantes para o pulmão, causando inflamação e, em alguns casos, lesão pulmonar. Embora ainda não existam estudos robustos mostrando que o uso de vapes pode causar câncer, Gazzana alerta que “há substâncias potencialmente carcinogênicas presentes nos líquidos, e os estudos de longo prazo ainda são necessários para comprovar esses riscos”.
Proerd e os desafios na prevenção
Em Montenegro, o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), sob a orientação de instrutores como o soldado Lucas Dias de Mattos, da Brigada Militar, tem abordado essa questão de maneira direta e informativa. Segundo Mattos, o currículo atual do Proerd, voltado para alunos do 5º ano do ensino fundamental, inclui um módulo específico sobre drogas na segunda lição, onde são esclarecidas dúvidas sobre o cigarro eletrônico. “Mesmo sendo crianças entre 10 e 13 anos, elas trazem muitas perguntas, motivadas pela curiosidade em torno desses dispositivos que têm aromas e luzes atraentes”, destaca.
O Proerd utiliza diferentes abordagens, dependendo da faixa etária dos alunos, o que permite uma adaptação adequada da mensagem. Para os mais novos, o foco está no fornecimento de informações sobre os malefícios de substâncias como o cigarro eletrônico, sempre em conjunto com ferramentas que promovem a tomada de decisões responsáveis. “Trabalhamos com o Modelo de Tomada de Decisão Proerd, uma estratégia fundamental que ensina os jovens a refletirem sobre as consequências de suas escolhas”, explica.
Um dos maiores desafios enfrentados pelos instrutores é a influência das redes sociais. “As plataformas digitais, por meio de influenciadores, muitas vezes promovem comportamentos prejudiciais que atraem os jovens, e o cigarro eletrônico, com suas luzes e formatos diferentes, acaba sendo um desses itens”, alerta.
Apesar da popularidade crescente do cigarro eletrônico, o Proerd mantém a mesma abordagem para todas as substâncias, sejam elas lícitas ou ilícitas. O foco está na conscientização e na preparação dos instrutores, que passam por capacitações regulares para se manterem atualizados sobre as novas tendências no uso de drogas. “Precisamos estar prontos para responder todas as dúvidas dos alunos e garantir que eles tenham conhecimento suficiente para escolher um caminho saudável e longe das drogas”, afirma.
Com a crescente popularização dos cigarros eletrônicos, o papel do Proerd e de seus instrutores se torna cada vez mais importante na construção de uma geração consciente e preparada para enfrentar as pressões externas, como as impostas pela sociedade e pelas redes sociais. O desafio é grande, mas a missão de educar e proteger os jovens continua sendo prioridade.
Pesquisa revela influência entre alunos
Uma recente pesquisa conduzida pelo soldado Lucas Dias de Mattos, instrutor do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), com alunos de 5º ano, em Montenegro, trouxe dados importantes sobre a influência dos cigarros eletrônicos entre jovens. Dos 22 alunos que participaram do estudo, seis relataram já terem recebido a proposta de experimentar o dispositivo, evidenciando a crescente exposição de crianças a esse produto.
A pesquisa também revelou que 12 alunos conheceram o cigarro eletrônico ao verem alguém utilizando, enquanto 10 foram influenciados por mídias, como jornais e internet. O impacto da mídia sobre a popularização desses dispositivos entre os jovens é uma preocupação, mas, segundo os alunos, o Proerd foi fundamental para esclarecer dúvidas e ajudá-los a resistir às tentações. Todos afirmaram que as aulas do programa forneceram as informações necessárias para tomar decisões conscientes sobre o tema.
Ao serem questionados sobre os riscos associados ao uso do cigarro eletrônico, os alunos demonstraram conhecimento. Entre as respostas, destacaram-se o vício e os danos aos pulmões, com menções a substâncias tóxicas e à nicotina. “Tem substâncias tóxicas que diminuem a capacidade dos pulmões”, disse um dos alunos, enquanto outro alertou que “tem nicotina que faz mal e torna as pessoas que estão próximas em fumantes passivos”.
O soldado Lucas também abordou a questão da influência das mídias e de familiares ou amigos que fazem uso de cigarros eletrônicos. De forma madura, as crianças explicaram que a primeira atitude é recusar as ofertas, pois “sabemos que é ruim”. Além disso, afirmaram que se afastam de amigos que usam o dispositivo e alertam familiares sobre os riscos. “Aprendemos a dizer não usando o Modelo de Tomada de Decisão Proerd”, relatou um aluno, enfatizando a importância da ferramenta educativa ensinada durante o programa.