O luto é uma das experiências humanas mais universais e, ao mesmo tempo, mais singulares. Cada perda carrega histórias, memórias e significados únicos. No Ambulatório Interdisciplinar de Saúde Mental (AMENT) de Montenegro, um grupo de apoio se tornou espaço essencial para acolher pessoas que enfrentam essa jornada, oferecendo não só um lugar de escuta, mas também de reconstrução emocional. Sob a coordenação da psicóloga Raquel Vitola Pieger e da assistente social Karine Terras, o grupo de luto nasceu em 2023 para atender mães que haviam perdido seus filhos. A iniciativa, que começou com encontros pequenos e específicos, cresceu e se tornou aberta a todos que enfrentam o desafio de lidar com a perda de um ente querido.
Raquel explica que o luto é um processo natural, que pode se manifestar de diversas formas. “Muitas vezes, a sociedade cobra que as pessoas superem a dor rapidamente. Isso não é saudável. O luto não tem prazo, e cada um vai vivê-lo ao seu próprio tempo e do seu jeito”, afirma. Ela destaca que os sentimentos de tristeza, raiva, culpa e até alívio, dependendo das circunstâncias da perda, são normais. “O importante é permitir que essas emoções sejam vivenciadas. Reprimir o luto pode gerar complicações emocionais e físicas no futuro.” Para ela, criar um espaço seguro para compartilhar essas emoções é fundamental. “O grupo existe para acolher. Não exigimos que a pessoa fale, mas sempre reforçamos que ela será ouvida, sem julgamentos, se quiser dividir algo”.
Grupo de apoio: um espaço de acolhimento e troca
Os encontros ocorrem quinzenalmente e têm uma dinâmica simples, mas poderosa. Segundo Raquel, o momento inicial é reservado para que os participantes se apresentem e compartilhem, se sentirem vontade, suas histórias de perda. “Não existe uma obrigação. O que existe é um espaço de acolhimento e troca”. Karine complementa: “O que percebemos é que, ao ouvir as histórias de outras pessoas, muitos participantes encontram conforto. Saber que alguém mais entende o que você está sentindo pode ser muito poderoso.”
Desde março de 2024, o grupo tornou-se mais inclusivo, atendendo qualquer pessoa em luto, sem necessidade de encaminhamento. “Isso foi algo que sentimos como uma necessidade. As pessoas precisam de um lugar onde possam simplesmente ser, sem a pressão de justificar sua dor”, afirma Raquel.
Para muitos, participar do grupo é o primeiro passo em direção à aceitação. Karine compartilha a história de uma mãe que, após meses de silêncio, começou a falar sobre seu filho em um dos encontros. “Ela dizia que sentia culpa até para rir. No grupo, entendeu que continuar vivendo não é uma traição à memória de quem partiu. Esse tipo de transformação é o que nos motiva”, relata. Raquel também comenta sobre como o grupo promove redes de apoio informais entre os participantes. “Tivemos um caso em que algumas mães começaram a caminhar juntas fora dos encontros. Isso mostra que o grupo não apenas acolhe, mas também cria conexões que ajudam na reconstrução emocional.”
As fases do luto e seus impactos
Raquel detalha as fases clássicas do luto descritas pela psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação –, mas ressalta que essas etapas não são lineares nem universais. “Uma pessoa pode não passar por todas as fases ou pode voltar a uma fase anterior. O processo de luto não é uma escada que se sobe, mas uma montanha russa emocional”, explica.
Na fase da negação, a pessoa simplesmente não consegue acreditar na perda. Após, na raiva, a pessoa pode sentir revolta, mágoa, ressentimento e se questionar o porquê da perda. Também há a fase da barganha, onde a pessoa enlutada tenta negociar um acordo interno ou com forças superiores, como “se eu melhorar eu prometo fazer algo”. Ou ainda, se presentear com coisas que gosta e quer porque está passando por um momento difícil. Também pode haver a depressão, fase em que a pessoa pode sentir tristeza profunda, solidão e sensação de vazio. Por fim, a aceitação, onde ela consegue finalmente sentir paz e seguir em frente.
Raquel também destaca que o impacto do luto varia conforme a relação com a pessoa perdida e as circunstâncias da morte. “Perdas abruptas, como acidentes, podem intensificar a sensação de irrealidade e culpa. Já no caso de doenças, muitas vezes há um tempo para a preparação emocional, mas isso não diminui a dor”, afirma.
Embora o luto seja um processo natural, Raquel alerta para os sinais de que ele pode ter evoluído para um quadro de depressão ou transtorno de estresse pós-traumático. “Quando a pessoa não consegue retomar atividades básicas, apresenta insônia persistente ou pensamentos de culpa exacerbados, é importante buscar ajuda profissional”. Karine reforça que o grupo também funciona como uma porta de entrada para esses encaminhamentos. “Estamos atentos ao que cada um expressa, mesmo que seja em silêncio. Se identificamos que alguém precisa de um suporte maior, fazemos o encaminhamento para terapia individual ou outros serviços especializados”.
Uma jornada de reconstrução
Para os profissionais do AMENT, o grupo de luto é mais do que um espaço de acolhimento, é um lugar de transformação. “Não é sobre esquecer a dor, mas aprender a viver com ela de uma maneira que permita seguir em frente”, resume Karine. Raquel finaliza: “O luto não tem cura porque não é uma doença. Mas ele pode ser enfrentado, e, aos poucos, a vida pode voltar a ser vivida, com novas cores e significados. Esse é o propósito do grupo: ajudar as pessoas a encontrarem luz em meio à escuridão.”
Os encontros acontecem quinzenalmente, às quintas-feiras, das 10h30min às 12h, no Ambulatório Interdisciplinar de Saúde Mental, em Montenegro. Ele se localiza junto à Secretaria de Saúde, mais conhecida como Assistência, no bairro Timbaúva. A participação é livre e não exige agendamento prévio. Para mais informações, basta entrar em contato com a equipe do ambulatório através do número (51) 3632-1342 ou se dirigir até o local.
Como apoiar uma pessoa em luto
Os amigos e familiares têm um papel fundamental no suporte a quem está enfrentando uma perda. Segundo Raquel, o mais importante é respeitar o tempo da pessoa e evitar frases que minimizem a dor, como “vai ficar tudo bem” ou “você precisa seguir em frente”. “Oferecer um ouvido atento, sem julgamentos ou pressões, é uma das formas mais significativas de apoio”, afirma. “Às vezes, estar presente em silêncio já é o suficiente. Não precisamos ter todas as respostas, apenas estar disponíveis.” Karine acrescenta: “Muitas pessoas ficam sem saber como agir e acabam se afastando. Isso pode aumentar a sensação de isolamento de quem está enlutado. O apoio deve ser constante, mesmo que discreto.”