Pediatra Clécio Homrich da Silva fala da mortalidade infantil no Vale do Caí

Jornal Ibiá: O que é possível comentar sobre os números de Montenegro? Há uma queda nos últimos anos, mas, em alguns períodos há um Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) “fora da curva”, certo?
Clécio Homrich da Silva: Sim, concordo. Retirando-se alguns anos em que o CMI foi muito elevado (2011-2013 e 2015) me parece que há uma diminuição deste coeficiente. Por isto, destaco a importância deste indicador em relação apenas ao número de óbitos anuais. Cabe destacar que uma melhor avaliação de tendência (de aumento ou redução) é dada por uma maior série temporal. Ou seja, quanto mais anos tivermos para avaliarmos, teremos mais condições de observar a evolução temporal deste e de outros indicadores de saúde. Isto porque, às vezes, por exemplo, alguns dos recém-nascidos foram pré-termos ou possuíam malformações e como nascem poucas crianças em Montenegro, este número já poderia influenciar negativamente o CMI. Por isto, uma avaliação com o maior número de anos possíveis (uma longa série temporal) ajuda a entender melhor a evolução deste indicador.

JI: O ideal seria que os municípios tivessem como meta um coeficiente? Que limite seria esse?
Clécio: Sim. Considerando os dados de Montenegro, tirando-se os anos de exceção, com um CMI mais elevado, os valores inferiores à 5 ou próximo dele, podem ser considerados muito bons e se encontram entre os melhores coeficientes de mortalidade infantil do mundo tal qual os países desenvolvidos (Japão, países escandinavos, Canadá, por exemplo). Talvez uma boa meta seja manter-se com um CMI menor que 5,0/1.000 nascidos vivos. Outro aspecto interessante, é investigar quando ocorrem estes óbitos. Se no período neonatal (até 28 dias) ou pós-neonatal (dos 28 dias até 1 ano). Assim é possível determinar se os maiores problemas se encontram na assistência pré-natal, perinatal (durante o parto até as primeiras 48 horas do recém-nascido), neonatal ou ainda pós-neonatal, por dificuldades de acesso aos serviços de saúde, falha de cobertura vacinal ou outras situações. E, desta forma, buscar estratégias de enfrentamento destes problemas.

JI: O que é possível comentar sobre os números de São Sebastião do Caí, onde não é perceptível queda no CMI nos últimos anos e ele se mantém bem acima do 5,0?
Clécio: Dos dados de São Sebastião do Caí, observa-se que o número de óbitos é praticamente o mesmo no período e, quando dobra-se de dois para quatro, praticamente aumenta muito o CMI. Ou seja, um aumento mesmo discreto do número de óbitos, frente a uma pequena diminuição do número de nascimentos, já mostra um expressivo aumento do coeficiente. Assim, neste município, neste ano talvez tenhamos como estimativa um número maior de óbitos que o previsto e com um possível aumento do CMI mesmo que a tendência temporal do número de nascimentos venha diminuindo. Por isto que também é fundamental observar em que momentos ocorreram estes óbitos: ou no período neonatal (precoce ou tardio) ou pós-neonatal. Esta informação permite uma melhor análise do cenário de mortalidade infantil do município e, por conseguinte, da assistência materno-infantil lá prestada.

JI: Os hospitais do Vale do Caí que atendem pelo SUS – os maiores em Montenegro e São Sebastião do Caí – não têm leitos de UTI NEO. Em caso de necessidade, a central de eleitos encaminha para outras regiões. O senhor acredita que a presença desses leitos na região poderia reduzir esses índices de mortalidade infantil?
Clécio:
Esta resposta é um pouco mais ampla e complexa. Numa resposta rápida poderia se dizer que sim. Tu teres disponibilidade de leitos de UTI Neonatal poderia contribuir para diminuir o número de óbitos no período neonatal e, por isto, no CMI de Montenegro deveria ser investigado se é neste período em que ocorrem o maior número de óbitos. Se sim, é para se refletir sobre o tema. Entretanto, por exemplo, se em 2017, três ou mesmo cinco dos óbitos foram neonatais, não se justificaria manter uma unidade de terapia intensiva de alta complexidade num único município, do ponto de vista de gerenciamento de recursos e de saúde pública. Pois isto teria um custo muitíssimo elevado com um resultado que poderia ser razoável, porque poderíamos ter um recém-nascido extremamente pré-termo, com muito baixo peso, menor que 1.000 gramas, por exemplo, que ainda assim poderia falecer. Então a regionalização de atendimento de UTI Neonatal é uma solução para a assistência a gestações e partos de risco, porém garantindo-se o acesso facilitado em relação ao transporte e qualidade deste transporte (ambulâncias com capacidade logística assistência com uma equipe treinada, por exemplo).

JI: Além do aumento da mortalidade infantil no Brasil, recentemente, também foram divulgados dados sobre a queda da cobertura vacinal. Esses dois dados podem ter ligação? Ou seja, a redução de imunização pode ter influenciado na mortalidade infantil brasileira?
Clécio:
Acredito que não tenha relação. Porque a questão da queda da imunização, tão comentada atualmente, é algo mais episódico, acredito. E a queda da mortalidade nas últimas décadas, estabilidade, e agora um aumento, não pode ser atribuída a uma única causa como a da vacinação. A mortalidade infantil é um indicador que se altera por diversos fatores, alguns da área de saúde como cobertura vacinal, pré-natal e aleitamento materno. Outras mais amplas, como saneamento básico.

JI: Estamos em meio a uma campanha eleitoral. Que tipo de política pública poderia favorecer a queda da mortalidade infantil no Vale do Caí e nosso Estado?
Clécio:
Acredito que existam muitas formas e muitos desafios. Mas é necessária uma política de enfrentamento para um melhor acesso da população aos serviços de saúde. Que se tenha melhor assistência primária em saúde. Mais Equipes de Estratégia de Saúde da Família e que estas atinjam as áreas mais remotas. Um trabalho local e organizado do Sistema de Saúde no qual uma gestação de risco seja monitorada desde o princípio e essa gestante tenha seu filho num hospital com melhor estrutura e assistência. Não é simplesmente ter mais hospitais e mais UTIs Neo. É o acompanhamento pré-natal próximo, de qualidade. Uma rede de saúde bem organizada que interligue de forma eficiente as cidades até os centros especializados em casos mais complexos. Essa resposta não é única e passa por um Sistema Único de Saúde (SUS) fortalecido. Não é necessariamente mais hospital, é mais atendimento básico de qualidade. Não é aumentar a quantidade de médicos, é ampliar as equipes como um todo. E são ações que vão além da saúde e alcançam questões sociais e biológicas.

JI: Que outras medidas poderiam colaborar?
Clécio:
Destaco algumas ações intersetoriais, como qualificar o ensino e contribuir para o aumento da escolaridade da população jovem; incluir no currículo escolar de forma sistemática a prevenção da gestação na adolescência e da realização de sexo seguro e protegido; aumentar a fiscalização na restrição de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos em locais públicos e também privados; divulgar estes riscos de consumo de bebidas, de gestação na adolescência, da importância do sexo seguro em campanhas publicitárias nas diversas mídias locais. E, na saúde, mais especificamente, aumentar o acesso à uma assistência pré-natal de qualidade com um número mínimo de consultas para a gestante; ampliar a rede de Atenção Primária em Saúde (APS) qualificando toda a equipe de saúde na assistência materno-infantil, sobretudo, na percepção precoce das situações de risco gestacional e da criança (recém-nascido e lactante); monitorar todas as gestações de risco precocemente e referenciar para centros especializados, quando necessário e, mais proximamente ao parto, garantir que estas gestantes possam já realizar o parto em hospitais terciários que possuam UTI Neonatal; garantir uma transporte de qualidade para estas gestantes e, principalmente, aos recém-nascidos conforme já descrevi anteriormente.

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