Combate. Profissionais da saúde abordaram o tema em bate-papo na Rádio Ibiá Web
Há 40 anos o mundo começou a enfrentar a pandemia provocada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), que teve seus primeiros casos notificados no Brasil em 1983. A Aids é a doença causada pela infecção do HIV, vírus esse que ataca o sistema imunológico (responsável por defender o organismo de doenças). E é no mês de dezembro que a luta contra a AIDS é intensificada.
Buscando debater o assunto, a Rádio Ibiá Web promoveu na quarta-feira, 8, um bate-papo para refletir sobre o tema. O médico infectologista Felipe Canello Pires e a assistente social Ana Paula da Silva Martins; ambos do ambulatório de infectologia da Secretaria de Saúde de Montenegro debateram sobre a atualidade e perspectivas para o futuro, juntamente com a coordenadora do atendimento especializado de São Sebastião do Caí, enfermeira Sandra Miyuki Hasegawa e a diretora do Departamento de Promoção de Direitos LGBT, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Marina Reidel.
Segundo apontamento do médico infectologista Felipe Canello Pires, o Rio Grande do Sul é o estado com maior incidência de HIV do país. Dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES) registraram – no último senso oficial –, 3.405 novos casos de HIV e 3.224 casos de Aids, com uma taxa de detecção de 28,3 para cada 100.000 habitantes, totalizando 99.616 casos de Aids, no período de 1980 a junho de 2020.
Desde o ano de 2013, observa-se uma queda na taxa de detecção de Aids no RS, que passou de 42,5/100.000 habitantes para 28,3/100.000 habitantes em 2019. Apesar da queda nas taxas de detecção de Aids, o Rio Grande do Sul ainda apresenta um valor superior ao do Brasil (17,8 casos/100.000 habitantes), ficando com a 3ª taxa mais elevada entre os estados brasileiros.
Além disso, Montenegro é uma das cidades com maior incidência da doença em relação aos municípios gaúchos. De acordo com a SES, ao verificar o ranking da taxa de detecção de Aids entre os 62 municípios prioritários do ano de 2019, tem-se 26 municípios com taxa superior à Estadual, sendo que Montenegro foi o primeiro da lista (com 61,3 casos para cada 100.000 habitantes).
“A gente vive uma situação epidemiológica em Montenegro que é muito ruim. É um número que é consistente com o que é achado nos outros anos e nos preocupa bastante, porque não parece ser algo que chama a atenção. Muitas vezes quando eu falo com as pessoas a respeito disso a maioria se coloca surpresa e nem sabia que a situação epidemiológica do HIV em Montenegro era tão grave”, desabafa o médico.
Segundo a Secretaria da Saúde de Montenegro, em 2020 foram 4.525 testes, sendo 88 positivos para o vírus. Este ano, até o momento, são 4.762 testes e 42 positivados. “Parece que a sociedade se acomodou com o diagnóstico, não tem mais receio. Não ter receio é bom por um lado, mas nos traz a despreocupação do contágio”, fala Ana.
Jovens e heterossexuais
Durante muito tempo a comunidade LGBTQIA+ foi estigmatiza pela sociedade como grupo responsável pelas infecções por HIV. Segundo a diretora do Departamento de Promoção de Direitos LGBT, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Marina Reidel, a comunidade viveu o estigma e o preconceito da “peste gay” – como diziam na época –, mas que a situação está mudando. “Hoje os estudos estão cada vez mais comprovando e mostrando que independe da orientação sexual ou da identidade de gênero as pessoas se contaminam com o vírus do HIV/AIDS”, diz.
De acordo com o Boletim Epidemiológico da SES, no período de janeiro de 2009 a junho de 2020 segundo a categoria de exposição ao HIV, tem-se 61,6% heterossexual, 17,6% homossexual ou bissexual e 2,6% usuários de drogas injetáveis (UDI). “Eu queria reforçar que a gente não está vendo diagnósticos em usuários de drogas injetáveis, hemofílicos; e a proporção de pacientes homossexuais ou transexuais em relação ao total de diagnóstico é baixa. A gente está vendo a maioria dos diagnósticos em jovens heterossexuais que pegaram por relação sexual. Então o nosso problema aqui no Município é o uso do preservativo e se proteger na relação”, declara Felipe. Ele ressalta que a vulnerabilidade social é um dos maiores fatores associado a diagnósticos positivos em Montenegro.
Em São Sebastião do Caí a situação não é muito diferente. Segundo a coordenadora do atendimento especializado de São Sebastião do Caí, enfermeira Sandra Miyuki Hasegawa, na cidade também está sendo registrado grande número de jovens soropositivos. “A gente está vendo que temos que aumentar e melhorar o atendimento, porque realmente está aumentando bastante, e a demanda para um infectologista, que é o que a gente tem, está ficando muito pesada”, declara. A cidade é referência regional no tratamento de pacientes portadores do vírus HIV, atendendo Pareci Novo, Harmonia, Tupandi e Capela de Santana, e recebendo verbas diferenciadas pelo serviço.
“O preconceito ainda mata mais”
Para além do estigma com a comunidade LGBTQIA+, a assistente social Ana fala sobre o próprio preconceito que o positivado tem com a sua condição. “A relação sexual desprotegida não causa medo, mas o diagnóstico causa. O medo maior às vezes é de que alguém descubra, do que do tratamento. O preconceito ainda mata mais, então a gente tem isso como desafio, e é muito comum o preconceito da pessoa com ela mesma”, diz.
Segundo Marina, esse preconceito é acentuado para a comunidade LGBTQIA+, que já sofre com o isolamento e preconceito da sociedade e muitas vezes da família. “A gente já vive isso, e quando você tem um adicional que é a condição enquanto pessoa vivendo com HIV isso se torna um problema maior”, declara. Para ela, movimentos sociais e ONG’s atuam como parceiros para diminuir essa problemática de acolhimento.
De acordo com Ana, o uso da informação é um grande desafio para os profissionais da saúde. “Essa geração tem acesso às redes sociais; a questão é a formação, o que ele aprende e o que ele vai aplicar. A melhor forma de se cuidar é buscar informação, e informação adequada”, completa.
Felipe acrescente que o tema sexo ainda é um tabu na sociedade. “Nós somos uma população que é doente em educação sexual. A gente não tem educação sexual adequada, a gente não conversa sobre sexo com os filhos, com a família, e o assunto é pouco abordado nas escolas. Isso piora a questão do estigma, e a gente tem que falar mais, conversar e educar as crianças”, declara.