Uma doença antiga, mas ainda um desafio no Brasil apesar de avanços médicos e campanhas educativas, a hanseníase ainda é um desafio de saúde pública no Brasil. Endêmica no país, essa doença infectocontagiosa é cercada por mitos e estigmas que dificultam o diagnóstico precoce e comprometem a qualidade de vida dos pacientes. A dermatologista montenegrina Dra. Raquel Bozzetto Machado explica a gravidade do problema.
“Estamos falando de uma doença curável, mas que, se não tratada a tempo, pode causar incapacidades físicas permanentes. É crucial considerar os sintomas precoces e procurar atendimento médico imediatamente.”
A hanseníase é causada pelo Mycobacterium leprae, conhecido como bacilo de Hansen, que afeta principalmente a pele e os nervos periféricos. Dra. Raquel relembra a história da doença, que já foi chamada de lepra. “Na antiguidade, os pacientes eram isolados da sociedade em leprosários, o que alimentou o estigma que persiste até hoje. Felizmente, hoje temos tratamento eficaz e disponível gratuitamente pelo SUS.” A dermatologista destaca que a hanseníase é muito mais do que uma doença física. “Ela carrega um enorme impacto social. Precisamos combater não só a doença, mas também o preconceito que ainda exclui esses pacientes da sociedade.”
Primeiros sinais: quando procurar ajuda?
A hanseníase começa de forma sutil, com sinais que muitas vezes passam despercebidos. Segundo Dra. Raquel, é importante observar atentamente as alterações na pele. “As manchas podem ser brancas, vermelhas ou marrons, com ou sem relevo, que apresentam alteração da sensibilidade ao toque ou ao frio/calor (sensibilidade térmica). Também pode ocorrer redução do suor em área de pele aparentemente normal”, afirma. Em casos mais avançados, podem aparecer caroços no corpo, espessamento de nervos, feridas na pele e deformidades em membros.
Ela alerta que o desconhecimento sobre esses sintomas contribui para o atraso no diagnóstico. “Quanto mais tempo a doença demora para ser identificada, maiores são os danos aos nervos e a chance de sequelas irreversíveis, como deformidades ou perda de sensibilidade.”
A hanseníase é contagiosa?
Diferentemente do que muitos acreditam, a hanseníase não é transmitida por contato casual. Dra. Raquel esclarece que a transmissão ocorre pelas vias aéreas superiores, como ao tossir, espirrar ou falar, e exige um contato próximo e prolongado com uma pessoa infectada e não tratada. Não há risco em compartilhar objetos ou conviver socialmente com quem está em tratamento. O período de incubação do bacilo pode variar entre dois e dez anos, o que torna o rastreamento de contatos um ponto crítico para o controle da doença.
Diagnóstico: como identificar a hanseníase?
O diagnóstico da hanseníase é clínico e confirmado por exames complementares. Dra. Raquel detalha o processo. “O primeiro passo é a avaliação médica, que inclui exame dermatológico e neurológico para identificar manchas, alterações de sensibilidade e espessamento de nervos. Quando necessário, realizamos baciloscopia ou biópsia para confirmar a presença do bacilo de Hansen.” Ela reforça a importância de buscar ajuda médica ao menor sinal de alerta. “Quanto antes do diagnóstico for feito, menores são os danos ao paciente e maior a chance de cura sem sequelas.”
Tratamento: cura gratuita pelo SUS
A hanseníase é tratável e o tratamento está disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS). Dra. Raquel explica que a duração varia de acordo com o tipo de hanseníase. “Para pacientes paucibacilares, o tratamento dura seis meses. Já nos casos multibacilares, o tratamento se estende por 12 meses. Utilizamos uma combinação de medicamentos — rifampicina, dapsona e clofazimina — conhecida como Poliquimioterapia Única (PQT-U).” Além disso, ela ressalta que o tratamento interrompeu a transmissão do bacilo. “Assim que o paciente inicia o tratamento, ele deixa de transmitir a doença, o que é fundamental para quebrar o ciclo de contágio.”
Janeiro Roxo e a conscientização
O Brasil é o segundo país no mundo em número de novos casos de hanseníase, atrás apenas da Índia. Para enfrentar esse cenário, campanhas como o Janeiro Roxo desempenham um papel crucial. “O Janeiro Roxo é uma oportunidade para levar informações à população e combater o preconceito. A hanseníase ainda é uma doença negligenciada, e o desconhecimento sobre os sintomas impede que muitos busquem tratamento precocemente”, destaca Dra. Raquel. Ela também pontua a importância de desmistificar mitos que cercam a doença. “Ainda há quem acredita que a hanseníase é uma sentença de exclusão social ou que o contato casual é perigoso. Essas ideias equivocadas apenas reforçam o estigma e prejudicam os pacientes.”
Quais são as sequelas da hanseníase?
Se não for tratado a tempo, a hanseníase pode causar danos permanentes. Dra. Raquel descreveu os principais impactos. “A hanseníase afeta os nervos periféricos, a pele e até órgãos como olhos e testículos. Os pacientes podem apresentar deformidades nas mãos e nos pés, perda de sensibilidade, cegueira e infertilidade.”
A especialista destaca a importância de identificar precocemente os danos aos nervos. “Reconhecer esses sinais precocemente e iniciar o tratamento é a chave para evitar que as sequelas se tornem permanentes. A reabilitação também desempenha um papel importante nesses casos.”
Quem está mais exposto?
Embora qualquer pessoa possa contrair a hanseníase, alguns grupos enfrentam maiores riscos. Dra. Raquel aponta os principais fatores de vulnerabilidade.
“Homens, contatos domiciliares de pacientes, moradores de áreas com condições sanitárias precárias e idosos são mais suscetíveis à doença. Além disso, insegurança alimentar e superlotação domiciliar aumentam o risco de transmissão.” Essas condições reforçam a necessidade de políticas públicas que abrangem tanto o diagnóstico quanto aos determinantes sociais da saúde.
Após o tratamento, é possível ter uma vida normal?
Sim. Com diagnóstico precoce e tratamento adequado, a hanseníase não deixa sequelas e permite uma vida normal. Dra. Raquel traz uma mensagem de esperança. “O tratamento é eficaz e gratuito, e quando iniciado a tempo, reverte os danos da doença. O maior desafio é conscientizar a sociedade para que os pacientes sejam coletados e tratados sem preconceitos.” Ela conclui: “A informação é o melhor remédio contra a hanseníase e o estigma que a cerca. Precisamos educar, tratar e, acima de tudo, acolher.”