Foram seis dias de distância. Seis dias sem poder ver, sem poder abraçar, sem poder cuidar. Seis dias de preocupação, de tentar acalmar o coração e afastar da mente, com dificuldade, o pensamento de que o pior pudesse vir a acontecer. Claudia conta que saiu de casa correndo quando soube que a mãe estava, enfim, liberada para ter alta do Hospital Montenegro. Chegou à casa de saúde para encontrar um grande grupo de funcionários da instituição, parados em frente à saída da emergência Covid, também a espera por comemorar mais uma conquista na luta contra uma doença que abalou o mundo inteiro. Eis que saem dois pacientes primeiro, vitoriosos recebidos com muita emoção. Então a porta se abre uma terceira vez e Claudia, balançada pelas expectativas, ouve, lá de dentro, os aplausos dos profissionais de saúde anunciando que era verdade! Dona Elci, em seus 71 anos, e apesar da diabetes e da hipertensão, estava liberada para voltar aos braços da família. A equipe do HM começa a cantar enquanto a idosa se aproxima, em cadeira de rodas. Não podia ter música mais ideal. “Segura teu filho no colo, sorria e abrace teus pais enquanto estão aqui”. E Cláudia corre para abraçar a mãe, que ali estava. O rosto vermelho pelo choro. “A gente teve medo, muito medo mesmo”, ela admite, hoje, passado o susto. Muitos dos que estavam por perto – mesmo não conhecendo a história das duas – choraram junto com mãe e com filha. Protagonista de uma das cenas mais emocionantes desta semana, Claudia também é vencedora do novo coronavírus e, dias antes, esteve internada no mesmo hospital. E a doença não parou nas duas. Acometeu seu esposo e, só há pouco ela descobriu, ainda os três filhos menores. De casa, se recuperando um pouco, dia após dia, ela aceitou dividir a história de um mês que ficará para sempre em sua mente.
Doença evoluiu rápido nos Oliveira:
Primeiros sintomas – A empresária Claudia de Oliveira, de 37 anos de idade, conta que a primeira familiar confirmada com o coronavírus foi uma cunhada, que teve apenas sintomas leves junto do companheiro – irmão de Claudia –, que nem chegou a ser testado. O grupo familiar vive todo no mesmo terreno, mas em casas separadas: a de Claudia, a do irmão e a da mãe. “A mãe ficou ruim antes de nós, porque teve contato com a minha cunhada. No domingo retrasado (dia 5), ela começou com dor de garganta e com febre”, relata. Dona Elci Lottermann consultou um médico particular e começou a tratar os sintomas já na segunda-feira seguinte, de casa. Dois dias depois, na quarta, Claudia e o esposo, Guilherme Tielo de Oliveira, de 38 anos, começaram a também ter sintomas que indicavam coronavírus.
Começo do isolamento – Guilherme tinha febre mais alta e procurou atendimento na Tenda Covid da Assistência. Foi instruído a ficar em isolamento domiciliar, tratando os sintomas com medicamentos receitados. Na lista de pacientes monitorados, a família passou a ser acompanhada pela secretaria de Saúde, recebendo ligações diárias. Ficaram todos dentro do lar. Guilherme chegou a ter 39 graus de febre e pressão muito alta. Fez nova consulta no sábado, não melhorou e, na segunda, dia 13, foi orientado a procurar o hospital.
Internações – “De lá, ele me mandou mensagem de que ia fazer exames. Em poucos minutos, já avisou que iria internar e que a médica também queria me ver”, recorda Claudia. Ela também estava com febre e dores. No HM, ambos fizeram tomografia que constatou pneumonia. “Internamos, os dois”, conta. Nesse meio tempo, a mãe, Elci, também teve piora. Na terça-feira, dia 14, precisou ser levada por um dos filhos para consultar, com falta de ar. Foi encaminhada às pressas ao hospital, onde internou. 50% do pulmão estava comprometido.
Complicações – Com a falta de ar abrandando, Cláudia recebeu alta na quarta-feira, dia 15, deixando mãe e esposo no hospital, sem poderem receber visitas devido as restrições de controle à contaminação. “A preocupação nossa maior era ela, por causa da idade e dos problemas de saúde. E nos deixou, eu e meus irmãos, muito abalados por não conseguir falar com ela”, lembra. Guilherme, o esposo, além da pneumonia, acabou tendo também uma complicação no fígado em decorrência do vírus e ficou até o sábado, dia 18, internado. No mesmo dia, Claudia, que já estava em casa, voltou a sofrer com falta de ar e voltou a casa de saúde, onde ficou em observação durante todo o domingo, dia 19. A mãe, felizmente, recebeu alta no dia seguinte, dia 20, na bela cena que ilustra a reportagem. Nenhum deles precisou ir para a UTI.
Desabafo – “Agora, a princípio, tá tudo bem, graças a Deus”, destaca Claudia. “Mas foi bem aterrorizante. A gente ouve falar, a gente tinha medo do vírus, mas pensava ‘ah, daqui a pouco a gente até já pegou e nem tem mais’ ou ‘ah, se a gente pegar, vai ser só uma gripezinha’. Só que eu nunca tive um problema de saúde, só fui para o hospital para ter as crianças. Eu ter que ficar internada com falta de ar me pegou de surpresa, mesmo.” A empresária fez questão de escrever em seu Facebook um relato alertando sobre a doença.
Testes – Claudia foi testada e positivada com o coronavírus, junto do marido, quando já estava internada na segunda-feira, dia 13. Foi através da coleta Swab, enviada para Porto Alegre, e que levou alguns dias para retornar com a resposta. A mãe só recebeu o resultado positivo nesta quinta-feira, dia 22, quando já estava em casa, em mais avançada recuperação. Numa primeira ocasião, na Tenda Covid da Assistência, a idosa já tinha realizado um teste rápido que apresentou um falso negativo.
Filhos em casa
Não bastasse as complicações com a própria saúde, com a do esposo e com a da mãe, Claudia ainda carregava consigo a preocupação com os filhos. Ela e Guilherme têm três. E teve que ser o mais velho, de 17 anos, a ficar responsável por cuidar das maninhas – uma de oito e a outra de três anos de idade – na indisponibilidade dos pais.
“Não é que nós não tivéssemos o apoio de família e amigos, mas nós não queríamos colocar mais ninguém em risco”, conta a mãe. “Então desde o momento em que a gente ficou sabendo que tinha a doença, a gente tentou se virar ao máximo só entre nós.”
Coube ao adolescente fazer as compras de alimentos e medicamentos na rua; e de segurar as pontas por completo nos dias em que pai e mãe estavam internados no hospital. “Eles se viraram. Pediam comida por delivery e eu orientava sempre ele a colocar a máscara quando chegasse alguém, que evitasse qualquer contato, passasse o álcool gel nas mãos”, complementa Claudia. Nesta quarta-feira, dia 21, a equipe da secretaria de Saúde foi até a residência e aplicou testes rápidos nos três. Todos confirmaram o coronavírus.
“É muito difícil. Não teria como nós nos isolarmos em um quarto e não cuidarmos das crianças. Elas não entendem e querem ficar com a gente. A pequena ainda precisa de auxílio para ir no banheiro”, coloca a mãe. “Mas eles não sentem nada, não desenvolveram nada. Os médicos nos orientaram e disseram que é muito difícil vir a desenvolver algum sintoma nas crianças. Eles não tiveram nem uma tosse.”
Um dia após o outro
Claudia diz que ainda está se recuperando. Ainda tosse, sente muita fraqueza e um pouco de falta de ar mais de duas semanas depois do início dos sintomas. “A gente vê que cada dia é um dia. Cada dia a gente melhora um pouquinho”, comenta, adiantando que espera poder, já na próxima segunda-feira, retomar sua rotina na medida da normalidade permitida pela pandemia. Passados dias intensos, com o marido e os filhos por perto e a mãe na casa ao lado – amparada por uma sobrinha e já bem melhor – ela vê forças para deixar uma mensagem de esperança: “Vamos todos passar por essa!”