O Novembro Azul, destinado ao alerta quanto às prevenções do câncer de próstata, também faz pensar para além da doença. E alguns assuntos incomodam bastante os homens. Quando se trata de infertilidade e impotência sexual, o tema ainda é um tabu para muitos homens, mas a temática precisa ser abordada, principalmente para estimular que durante o ano todo, o cuidado com a saúde masculina seja prioridade. Para tratar destas questões, Ernani Rhoden, médico chefe do Serviço de Urologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e professor de urologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, concedeu uma entrevista ao Ibiá, explicando as diferenças entre as doenças, suas causas, prevenção, tratamentos e maneiras de lidar com cada peculiaridade.
Para começo de conversa, o médico destaca que a impotência e a infertilidade não estão interligadas. “São duas condições clínicas diferentes, com peculiaridades e mecanismos”, afirma. Além disso, pontua que a impotência não é mais chamada desta maneira. “Agora se diz disfunção erétil e tem vários aspectos como a questão da libido, ereção, ejaculação entre outros. Antigamente, isso tudo era colocado dentro de um balaio só, como costumavam dizer, ou seja, tudo era considerado impotência. À medida que o conhecimento foi avançando, nos últimos 20, 30 anos mudou a nomenclatura”, explica. Confira a entrevista na íntegra.
Jornal Ibiá – O que é e quais são as causas da disfunção erétil?
Ernani Rhoden – Disfunção erétil, do ponto de vista conceitual, é a incapacidade de manter uma ereção suficiente para um percurso sexual completo. Existem várias causas, como psicológica, que acomete principalmente os indivíduos mais jovens. Existem também as causas orgânicas, doenças que podem causar a disfunção, como a hipertensão, sedentarismo, obesidade, tabagismo, alcoolismo, alterações no colesterol e o envelhecimento por si só. Todos estes são fatores de risco que podem levar o indivíduo a ter problemas na área da ereção.
JI- Existem tratamentos?
ER – Hoje, os tratamentos que nós temos são múltiplos. Tivemos uma revolução, que se chama a segunda revolução sexual. A primeira foi com o surgimento dos anticoncepcionais. Já a segunda, ocorrida no final dos anos 90, foi o surgimento da Sildenafila, entre outros que apareceram posteriormente. São todos medicamentos que interferem significativamente na recuperação da função sexual masculina, no caso, a ereção. Foram estudados problemas de libido e ereção, onde foi compreendido como cada coisa funciona para poder interferir medicamentosamente após diagnósticos.
JI – Como minimizar os riscos da disfunção?
ER – Existe a necessidade de orientação do paciente, por exemplo, tabagista, para parar de fumar; o diabético, para melhorar seu controle; o paciente com obesidade que deve praticar atividade física e ter uma adequação para emagrecimento. Ou seja, você, médico, tem que interferir na condição através de medidas que chamam de mudança de estilo de vida, ou interferência nos fatores de risco. Tem também a questão hormonal, da testosterona, que é o hormônio sexual masculino e responsável pelas características sexuais secundárias do homem. Vale lembrar que não existe uma resposta única e definitiva para cada caso. O médico tem que ter uma avaliação adequada do paciente através da história clínica e afetiva do paciente, do exame físico apropriado e exames complementares.
JI – Como tratamentos do câncer de próstata podem afetar na disfunção?
ER – Após uma cirurgia da próstata, tem dois problemas ou consequências que podem ocorrer, mas não necessariamente vão. A incontinência urinária e o risco de disfunção erétil. Existe uma conexão entre o sistema nervoso central e o processo da resposta sexual masculina. O tratamento do câncer de próstata pode interferir nestas conexões nervosas e ter um reflexo sobre a resposta sexual. Temos um enorme avanço na Santa Casa: a cirurgia robótica que tem uma grande vantagem. É um procedimento minimamente invasivo que tem resultado superior, principalmente nesses aspectos de efeitos colaterais. Assim, conseguimos a reabilitação sexual mais precoce do paciente.
JI – Qual a sua posição sobre o rastreamento do câncer de próstata?
ER – O rastreamento do câncer de próstata tem que ser discutido entre médico e paciente, de forma individual. A decisão é de autonomia dele. A posição da Sociedade Brasileira de Urologia são orientações gerais. Para indivíduos afro-descendentes ou com familiares com histórico de câncer de próstata, é recomendado que façam ou discutam o rastreamento com o seu médico a partir dos 45 anos de idade. Já para quem não tem histórico na família e não é afro-descendente, deve começar a partir dos 50 anos. O paciente é orientado para que participe da tomada desta decisão.
JI – Se um homem tem disfunção erétil significa que vai ter para sempre?
ER – Depende da causa. Se o homem é um sujeito sedentário, obeso, com diabete alterada, que fuma, ele pode mudar isso. Ele também pode ter tido um problema no relacionamento e isso acabou o afetando, então pode ir para terapia, ter acompanhamento psicológico e vai ter curabilidade no momento que interfere nos mecanismos relacionados.
JI – Um homem que não tem disfunção, mas busca medicamentos para melhorar seu desempenho sexual, pode vir a ter problemas?
ER – Isto não se recomenda, está fora da indicação médica. Estes medicamentos foram desenvolvidos para homens que têm disfunção erétil, então, o uso sem necessidade não é recomendado principalmente pela dependência que pode causar.
JI – Para quem tem o diagnóstico, existem medicamentos seguros no mercado?
ER – O médico primeiro faz essa abordagem de orientações gerais para o paciente. É possível realizar uma reposição hormonal e, se não der certo, pode indicar medicamentos conforme a situação.
JI – O que é e quais as principais causas da infertilidade?
ER – Infertilidade é uma condição que afeta aproximadamente 10% dos casais. A primeira coisa não é se perguntar de quem é a culpa, e sim se existe uma adequada relação. A questão de culpa é um assunto muito sério nesse aspecto. Vamos focar na causa masculina. As causas são diversas e vários fatores podem interferir na fertilidade masculina. Um deles e talvez o mais importante é uma anormalidade que acontece e se chama varicocele. São pequenas veias que fazem a drenagem dos testículos (onde são conduzidos os espermatozóides), pequenas varizes, principalmente no lado esquerdo, que podem aumentar muito a temperatura do testículo e consequentemente ele não funcionar adequadamente no processo de condução de espermatozóides.
JI- Existem tratamentos?
ER – Sim. Nisso, entram as questões da disfunção também, que seriam os maus hábitos, como tabagismo, alcoolismo, sedentarismo e incluí-se o uso de drogas ilícitas, como THC e cocaína. Tudo isso interfere negativamente na questão da espermatogênese. O uso de medicamentos utilizados para outras doenças também eventualmente pode interferir na questão da fertilidade. Uso abusivo de anabolizantes é uma questão fundamental que deve ser abordada. Se vê muito o uso pelos indivíduos que se preocupam muito com o físico. Muitas vezes os anabolizantes causam alterações irreversíveis, então a gente alerta os homens. Daqui a dez anos vão se deparar com os reflexos do uso contínuo. Existem também indivíduos que têm uma síndrome genética que pode interferir negativamente. Há sempre uma questão de saber o histórico do homem para entendimento e após sim, direcionamento ao tratamento adequado.
JI – Durante o tratamento do câncer de próstata, pode ocorrer do homem perder a fertilidade? E, ainda, isso significa que ele vai ficar infértil para sempre?
ER – Isso é importantíssimo. Hoje em dia, temos tratamentos com altas taxas de curabilidade para os diversos tipos de câncer. Por exemplo, um jovem de 20 anos teve câncer e precisou fazer a retirada do testículo. A gente aconselha congelar o sêmen, porque as drogas fisioterápicas podem trazer danos irreversíveis. Se o jovem fala que não pretende ter filhos agora, mas daqui a 15 anos, pelo menos já colheu os espermatozóides, eles estão congelados e vão poder ser utilizados daqui a anos. Por isso nós, médicos, temos esse cuidado antes de começar uma quimioterapia. Isso acontece muito com homens jovens, que naquele momento não estão muito preocupados com a concepção, mas nós como profissionais da Saúde precisamos saber o que vai acontecer com este jovem daqui a 10, 15 anos e orientá-lo antes do início do tratamento para que depois não se arrependa da decisão, caso não queira congelar.
JI – O homem tem reduzida a capacidade reprodutiva com o tempo? Ou pode ter filhos em qualquer idade?
ER – A testosterona diminui com o passar da idade. Na mulher existe uma interrupção súbita e no homem não existe essa interrupção, mas sim um declínio progressivo que pode impactar negativamente na resposta sexual masculina. O órgão sexual masculino assim como qualquer outro órgão, como pulmões e coração, sofre com os efeitos da idade, então isso é um fator não modificável. A fertilidade do ser humano está diminuindo.