Cuidados paliativos X estado terminal

No campo da saúde, as expressões “cuidados paliativos” e “estado terminal” são frequentemente mal compreendidas ou usadas de forma intercambiável, o que pode gerar confusão entre pacientes, familiares e até profissionais. Embora ambos estejam relacionados ao manejo de doenças graves e incuráveis, existem diferenças importantes que influenciam diretamente no cuidado, nos objetivos do tratamento e no papel da equipe médica e da família. Para entender melhor essas nuances, o Ibiá entrevistou a dra. Aline Zaiatz Crestani, médica especialista em cuidados paliativos da Santa Casa e médica hospitalista do HM Regional, que trouxe esclarecimentos fundamentais sobre o tema.

Dra. Aline Zaiatz Crestani, médica especialista em cuidados paliativos da Santa Casa e médica hospitalista do HM Regional

A grande diferença entre os cuidados paliativos e o estado terminal está nos objetivos do tratamento e no momento em que esses cuidados são introduzidos. Enquanto os cuidados paliativos são uma abordagem ampla e precoce, que busca sempre oferecer a melhor qualidade de vida possível ao paciente, o estado terminal marca a fase final da vida, em que o foco está no alívio de sintomas e na dignidade. Entender essas distinções é fundamental para oferecer um cuidado mais humanizado e eficiente, respeitando as necessidades e os desejos dos pacientes e de suas famílias.

A primeira grande distinção que deve ser feita é em relação ao escopo dos cuidados paliativos. Segundo a dra. Aline, “os cuidados paliativos cuidam de pacientes que apresentam uma doença grave e incurável, que impacta tanto no tempo de vida quanto na sua qualidade”. Isso significa que os cuidados paliativos não são exclusivos para pacientes em estado terminal. Eles podem beneficiar qualquer paciente que sofra de uma doença ameaçadora à vida, desde o momento do diagnóstico até os estágios finais, ajudando a aliviar sintomas, melhorar o bem-estar e, principalmente, preservar a qualidade de vida.

“Pacientes que estão em tratamento paliativo podem ainda receber intervenções como quimioterapia paliativa, cujo objetivo não é a cura, mas a redução de sintomas ou o controle do avanço da doença”, explica. Em outras palavras, os cuidados paliativos oferecem suporte multidimensional que vai além do manejo da doença, englobando aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais.

Início dos cuidados paliativos: quanto mais cedo, melhor
Uma questão importante que surge é: quando devem ser iniciados os cuidados paliativos? A dra. Aline destaca que o ideal seria que os pacientes recebessem esse tipo de atenção desde o momento do diagnóstico de uma doença grave e incurável. No entanto, ela reconhece que, no Brasil, a falta de profissionais especializados dificulta essa abordagem precoce.

“Sintomas de difícil controle, como dores físicas intensas, sofrimentos emocionais, psíquicos e existenciais, além de conflitos entre pacientes, familiares e equipes médicas, são indicativos claros de que os cuidados paliativos devem ser introduzidos”, observa. A ideia é que, quanto antes os cuidados paliativos forem iniciados, mais tempo haverá para criar um vínculo com o paciente, entender seus desejos e personalizar o tratamento de acordo com suas necessidades.

O que é um paciente em estado terminal?
A dra. Aline enfatiza que não existe um critério rígido ou universal para definir quando um paciente deve ser considerado em estado terminal. A avaliação é baseada em vários fatores, como o prognóstico da doença e o impacto que ela tem sobre a saúde do paciente. “Devemos reconhecer a fase da doença em que o paciente se encontra e, em seguida, construir um plano de cuidados adequado, sempre em conjunto com o paciente e sua família, respeitando seus valores e objetivos de vida”, comenta.

Pacientes em estado terminal são aqueles cuja doença está em um estágio avançado, sem possibilidade de cura ou controle, e cuja expectativa de vida é limitada. Nesses casos, o foco passa a ser o conforto, o alívio dos sintomas e o bem-estar, ao invés de intervenções agressivas que poderiam prolongar o sofrimento.

Objetivos: individualidade e qualidade de vida
Uma das principais diferenças entre os pacientes em estado terminal e aqueles sob cuidados paliativos em fases iniciais ou intermediárias está nos objetivos do tratamento. Para os pacientes em estado terminal, o tratamento é focado exclusivamente no alívio de sintomas, como dor, falta de ar e desconforto, e no oferecimento de suporte emocional e espiritual. “Esses pacientes geralmente não têm mais opções de tratamento que modifiquem o curso da doença, então o objetivo principal é garantir conforto e dignidade”, diz.

Por outro lado, pacientes que estão em cuidados paliativos, mas ainda não atingiram a fase terminal podem receber intervenções terapêuticas destinadas a controlar a progressão da doença. No entanto, mesmo nesses casos, o objetivo central do tratamento é proporcionar qualidade de vida, evitando procedimentos desnecessários que possam prolongar o sofrimento.

Controle da dor e sintomas tem abordagem ampla
Uma das maiores preocupações tanto para pacientes quanto para suas famílias é o controle da dor e dos outros sintomas que surgem em doenças graves e incuráveis. Nesse aspecto, a Dra. Aline traz à tona o conceito de “dor total”, que engloba não apenas a dor física, mas também o sofrimento emocional, psicológico, social e espiritual. “Quando tratamos a dor, não podemos nos limitar apenas a medicações. Se o paciente tem, por exemplo, uma questão social mal resolvida, como um conflito familiar, isso pode agravar sua dor física”.

Portanto, o tratamento paliativo deve ser sempre multidisciplinar, contando com a atuação de médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais que possam ajudar o paciente a lidar com as diversas dimensões do sofrimento. Esse modelo de cuidado holístico é fundamental para alcançar um alívio efetivo dos sintomas.

Família tem papel de suporte
A família desempenha um papel fundamental no cuidado de pacientes em estado terminal e sob cuidados paliativos. Segundo a Dra. Aline, “a família faz parte do núcleo de cuidado da equipe de Cuidados Paliativos”. Ela cita a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera o cuidado paliativo uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares, ao alívio do sofrimento e ao tratamento da dor e de outros sintomas físicos, psicossociais e espirituais. Por isso, além de apoiar o paciente, a equipe de cuidados paliativos também presta assistência à família, oferecendo suporte emocional e orientações práticas para lidar com a situação.

Respeito à autonomia e à dignidade
Ao tratar pacientes em estado terminal ou que recebem cuidados paliativos, é crucial considerar os aspectos éticos envolvidos. A Dra. Aline reforça que a autonomia do paciente deve ser respeitada em todas as fases do tratamento, sempre levando em conta seus desejos e valores. “Devemos nos basear no Código de Ética Médica, que preconiza princípios como a Autonomia, a Beneficência, a Não Maleficência e a Justiça”, explica.

Esses princípios são essenciais não apenas no contexto dos cuidados paliativos, mas em toda a prática médica. No entanto, no caso de pacientes em estado terminal, onde as decisões sobre intervenções invasivas podem ser mais delicadas, a ética médica assume um papel ainda mais central, garantindo que as escolhas sejam sempre guiadas pelo respeito à dignidade e ao conforto do paciente.

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