O Transtorno do Espectro Autista (TEA), é um transtorno do neurodesenvolvimento, identificável ainda na primeira infância. Ele é caracterizado por alterações em três grandes áreas: a comunicação, a interação social e o comportamento. A fonoaudióloga Paula Carina Kleinschmitt é integrante da Associação Ser Autista, de Montenegro, com atuação no espaço de atendimento multidisciplinar Pica-Pau Amarelo. Ela, em conjunto com toda a equipe de atendimento, cedeu uma entrevista ao Ibiá em alusão ao Abril Azul, para que cada vez mais a população se conscientize sobre este Transtorno.
A equipe explica que o TEA é causado pela junção de fatores genéticos e ambientais. A questão genética é predominante nesse aspecto, uma vez que as pesquisas já identificaram mais de mil genes correlacionados ao surgimento da condição. É por isso que se manifesta de maneiras tão diversas entre os indivíduos no espectro, onde cada um deles tem uma formação genética única.
Já existem estudos que correlacionam fatores específicos ao surgimento do transtorno, mas é importante lembrar que não se tratam de uma regra. São eles: prematuridade; idade paterna e materna; tratamento com ácido valproico durante a gestação e sofrimento fetal. Esses fatores específicos não são uma via de regra para a causa do autismo. Há casos de crianças prematuras que não desenvolveram o transtorno, por exemplo. Por outro lado, já existem bebês que somam o fator da prematuridade a outros fatores hereditários e podem acabar desenvolvendo o TEA.
Apesar da preponderância dessa somatória de genes – que vêm dos dois lados da família – há também alguns casos de mutações genéticas que ocorrem ao longo do crescimento do indivíduo. É uma das explicações para os casos de autismo regressivo, que a ciência tem relacionado à poda neuronal, um processo natural de eliminação de sinapses e neurônios que ocorre no cérebro durante o crescimento.
Dentre os sinais de alerta estão pouco contato visual, dificuldade na interação, pouco contato visual, eles também não imitam, não atendem quando são chamados, têm dificuldade em atenção compartilhada, atraso na fala, dificuldades na comunicação não verbal, comportamentos sensoriais incomuns, não brincam de “faz de conta” e têm movimentos estereotipados.
Vale ressaltar que existem sinais desde os primeiros meses de vida em alguns casos, como atraso no sorriso; poucas expressões faciais; pouca atenção a sons, ruídos e vozes no ambiente; pouco interesse em faces humanas e predileção por objetos; irritabilidade no colo e falta de responsividade no momento da amamentação e problemas graves de sono.
Diagnóstico e níveis de suporte
O diagnóstico pode ser feito pela equipe multidisciplinar, através de observação clínica e também podem ser utilizadas escalas que avaliam alguns dos sintomas, mas não existe um exame que possa detectar o autismo. Após, o paciente é encaminhado para um médico (neuropediatra, psiquiatra infantil ou pediatra) para fazer o laudo. Muitas vezes os médicos prescrevem alguma medicação e indicam as terapias necessárias.
Hoje, o diagnóstico de autismo é traçado conforme o nível de gravidade – ou de necessidade de suporte – que cada indivíduo demanda. São eles: nível 1, com necessidade de pouco apoio; nível 2, com necessidade moderada de apoio e nível 3, que demanda muita necessidade de apoio substancial.
No nível 1, o autismo leve, as interações sociais podem ser desafiadoras, pois as pessoas com essa condição podem ter dificuldade em iniciar conversas ou demonstrar interesse pelos outros. Além disso, comportamentos inflexíveis podem dificultar a realização de tarefas cotidianas, como seguir instruções ou alternar entre atividades. No entanto, a linguagem funcional geralmente é preservada.
No nível dois, moderado, as pessoas apresentam dificuldades significativas na comunicação e interação social. Podem apresentar comportamentos repetitivos e restritivos que tendem a dificultar o aprendizado e a adaptação a mudanças. No critério diagnóstico, podem apresentar deficiência intelectual e linguagem funcional prejudicada.
Já no nível 3, o autismo severo, as pessoas apresentam dificuldades significativas na comunicação, que podem incluir atrasos no desenvolvimento da fala ou a ausência total da fala. Além disso, podem apresentar deficiência intelectual e ausência da linguagem funcional. Vale lembrar que o tratamento varia de nível para nível, pois, segundo Paula, quanto maior o nível de suporte, mais necessidade há de terapias, carga horária e medicação.
Acolhimento é necessário e preconceito antiquado
Patrícia pontua que a família é essencial em todos os momentos do tratamento da criança para dar apoio e suporte emocional. “Muitas vezes até mesmo para ficar com a criança para que a mãe tenha um momento para si, sozinha para relaxar, porque é muito necessário”, assinala. Para ela, a família toda deve estar sempre presente, além de revezar tarefas simples para não sobrecarregar a mãe, afinal dividindo os cuidados fica mais leve para todo mundo.
Na escola, ela conta quea o filho tem uma ótima monitora e foi “super bem incluído, com colegas que cuidam dele e professoras atenciosas”. O que mais incomoda Patrícia é o preconceito da sociedade. “Ainda olham para ele com olhar de criança mal educada, doente, deficiente, estes termos, sem saber o que é realmente o autismo. As pessoas têm que ter mais empatia e se colocar no lugar do outro. Gostaria muito que houvesse menos discriminação, todos podem ser tratados iguais. Somos todos iguais, porém temos características diferentes”, desabafa.
Rede de apoio é fundamental
A equipe destaca que tanto a família quanto a escola e até os amigos têm papel fundamental no desenvolvimento das crianças. Segundo os profissionais, o provérbio africano “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança” traduz muito bem esta concepção e nos refletir o quanto todos somos agentes transformadores na vida das crianças com autismo. Para as famílias, restringir o uso de telas, estabelecer rotinas e manter vínculo forte com médicos, terapeutas e escola é o essencial.
Já nas escolas, é fundamental que incluam a criança nas atividades, seja ela em sala de aula ou fora (na educação física, por exemplo). Por mais que pareça que as crianças não conseguem realizar as atividades, algo ela está aprendendo, fazendo novas conexões neurológicas que vão auxiliar no desenvolvimento social, cognitivo e motor dessa criança.
Os amigos devem auxiliar como uma rede de apoio para a família. Oportunizar experiências diversas e conviver com o outro nas mais variadas situações. Isso vai ampliando o repertório social da criança e formando uma base importante para o seu desenvolvimento. Estas situações são bastante desafiadoras para algumas crianças com autismo, mas, ainda assim, as privar destes momentos não é o caminho para que se torne menos desafiador. Aos amigos e familiares que participam destas situações, apoiar e não julgar é uma importante contribuição.
Aos pais e responsáveis, trabalhar em conjunto com os terapeutas da criança é chave para se atingir os objetivos esperados. A equipe relembra que quando os profissionais oferecem dicas e sugestões são embasadas em evidências. Por isso, estender aos demais espaços da criança favorece a absorção dos conceitos trabalhados em cada sessão, aumenta as chances de sucesso e diminui o tempo trabalhado em casa demanda, abrindo espaço para se introduzir um novo conceito.
O que pode dificultar todo este processo é o diagnóstico tardio. Quanto antes a pessoa receber o diagnóstico e as intervenções adequadas no período em que há maior plasticidade neural, melhores serão as chances de diminuir prejuízos futuro.
“Ser mãe atípica é ser fênix todos os dias”
Patrícia Pereira da Rosa, 34, é mãe do pequeno Luiz Otávio Klein, de sete anos de idade. Ela participa da Associação Ser Autista de Montenegro junto do filho. Quando Luiz tinha cerca de quatro anos, a família notou alguns sinais que os fizeram procurar por um profissional desconfiando do diagnóstico de Transtorno do Espectro Austista (TEA).
Movimentos repetitivos, atraso na fala, o andar na ponta dos pés, agitação a ponto de nem dormir à noite e manusear os brinquedos de maneira diferente foram os principais sinais que chamaram à atenção em Luiz.
Foi assim confirmado o diagnóstico do Transtorno, no nível 2, acompanhado do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). O nível dois do Transtorno é considerado o nível “moderado” do autismo. Muitas vezes, as pessoas não conseguem manter uma conversa, falam pouco e sentem dificuldade com a comunicação não-verbal como reconhecer expressões faciais.
Patrícia conta que seu dia a dia como mãe é super corrido. Ela faz o papel de levar o filho para a escola, trabalha, leva o pequeno nas terapias e também ajuda com os temas da escola. “O Luiz é um menino muito agitado que para só para dormir, isso me deixa bem cansada. Tem dias que ele está mais agitado do que o normal, que já é difícil”, admite.
Ela conta que Luiz também tem o paladar muito sensível e quer sentir tudo com a boca, assim, os olhos têm que estar sempre atentos ao menino. Outras características são a alergia a cheiros e a sensibilidade no couro cabeludo. “Estes cuidados são exaustivos e muitas vezes as pessoas não entendem e acham que é frescura, mas não. É do autismo ter sensibilidades”, ressalta. “Ser mãe atípica é ser fênix todos os dias, pois são inúmeras batalhas diariamente”, analisa Patrícia.
Atualmente, Luiz tem um grande apoio multidisciplinar. Ele também participa do projeto Universo Atípico do Studio Balance, faz aulas de Futebol no Fera e musicoterapia no Centro Infanto Juvenil, ambos muito elogiados por Patrícia. “O Luiz tem indicação de outras terapias, mas devido ao alto custo de investimento, ele não está fazendo”, conta a mãe.
Segundo ela, o pequeno teria que ter, por indicação de profissionais, atendimento terapêutico cinco dias por semana e uma hora na escola, terapeuta ocupacional uma vez por semana e mais uma vez por semana a fonoaudióloga. “Estamos na Defensoria e o Ministério Público para tentar conseguir desde julho de 2023, mas por enquanto, sem sucesso”, destaca Patrícia.