Passou-se o tempo em que a expressão “colono” indicava uma pessoa sem estudos e que tinha no trabalho no campo sua única opção. Hoje, uma nova geração de produtores rurais pode ser encontrada pelos rincões de todo o país e, na nossa região, não é diferente. Por opção, jovens têm se mantido – ou voltado – ao campo. Alguns trabalham com os pais para potencializar as atividades na propriedade da família e outros apostam em seus próprios empreendimentos. Em comum, há o fato de eles estarem se especializado através dos estudos para qualificar a produção.
Moradora de Linha Kerber, no interior de Maratá, Isabel Lerner é um exemplo desta nova geração. Com 20 anos, ela está no segundo ano do curso técnico em Agropecuária do Colégio Teutônia, em Teutônia, e busca aplicar o que aprende na propriedade dos pais ,onde há uma pocilga com capacidade para 960 porcos na fase de terminação e também 18 vacas, que produzem cerca de 200 litros de leite ao dia. Sempre ligada ao interior, ela diz que seus pais nunca a obrigaram a ficar trabalhando com eles. “Mas eles me incentivavam (a ficar). Sempre tive paixão por animais e o interesse em permanecer veio no decorrer do tempo”, conta.
Inclusive, num primeiro momento, Isabel chegou a pensar na possibilidade de atuar fora após concluir seu curso. “Hoje nem penso nisso e, sim, em continuar na propriedade dos meus pais e seguir os passos deles”, garante. Apesar de ainda ter alguns degraus para subir até se formar no técnico em Agropecuária, a jovem não descarta fazer uma especialização ou uma graduação no futuro.
Para Isabel, é importante que as pessoas do interior se qualifiquem para encontrar maneiras mais fáceis de produzir e de trabalhar. “O estudo também serve para procurar inovações, com o colono sempre vendo coisas novas que podem ser trazidas para a propriedade”, afirma.
Quem fez um caminho semelhante foi a jovem Monique de Azeredo, 21 anos. Ela chegou a trabalhar em uma loja, mas recebeu a proposta de seus pais para ajudar a família na propriedade deles em Batinga Norte, no interior de Brochier, e aceitou. “Seguir no ramo agrícola me proporcionou os estudos, o que era meu maior sonho”, conta a jovem, que cursa Gestão Ambiental no Centro Universitário Internacional (Uninter).
A graduação vai ao encontro do ideal de Monique, que vê grande importância no meio ambiente e teme pelo processo de degradação pelo qual ele está passando. “Pensei em estudar para ajudar a preservar esse meio, mantendo assim o cultivo e a produção com consciência e sem esgotar ou fazer escasso esse meio tão importante para nós”, afirma. Assim, ela consegue aplicar parte do que aprende na faculdade na propriedade dos pais, que conta com um aviário com capacidade de 28 mil frangos e 36 vacas que produzem uma média de 680 litros de leite ao dia.
Discriminação ainda é muito comum
Para Monique, muitas vezes o colono ainda é tratado como um ignorante. “Mesmo produzindo o que produz, ele é tratado como empregado, mandado pela fábrica para a qual vende e não recebe realmente o pagaria o valor que seu serviço”, comenta. Ela observa ainda que, cada vez mais, o produtor rural está aperfeiçoando o seu trabalho para produzir mais e abastecer a cidade. “Se não fossem os colonos, não teríamos o que comer”, ressalta.
Já Isabel conta que houve oportunidades em que recebeu olhares enviesados e comentários de que, por ser mulher, não deveria trabalhar na roça. “Hoje, quando falam ‘tu trabalha na roça, tu é colona’, na verdade, eu sinto orgulho porque eu sei que é a gente que está levando alimento para todo mundo”, garante. Inclusive, ela diz nem mais se importar quando ouve comentários preconceituosos contra produtores rurais.
Felipe Kranz, de 28 anos, possui uma granja em Alfama e é direto. “É como o pessoal muito fala: ‘se o colono parar de plantar, a cidade não tem o que comer’”, resume. Conforme o jovem, há ainda pessoas que têm a ideia de que colono é aquela pessoa grossa e sem estudo. “Isto já mudou bastante. O colono está mudando sua forma de pensar. Ele está mais organizado e por
dentro da informação”, pondera.
O empreendedor rural encontrou dificuldades logo que iniciou as vendas de ovos da sua granja em razão da desconfiança por sua pouca idade. “Eu chegava e me apresentava. Diziam que não precisavam. Hoje muitos são meus clientes”, diz Felipe.
Caminho contrário: da cidade para o campo
Até os 12 anos, Felipe Augusto Ingrácio Kranz, 28 anos, morava na área urbana de Montenegro. Seu contato com o interior acontecia quando ele visitava os avós. Porém, sua família acabou se mudando para Alfama e o jovem começou a demonstrar interesse pela produção primária. Hoje é o único dos 21 netos de Arno Bruno Kranz – já falecido – e Célia Josefina Kranz, 86 anos, que, até o momento, vive da atividade agrícola. Inclusive, ele destoa dos demais membros de sua família. Seu irmão mais velho é engenheiro elétrico, a irmã está se formando em Educação Física e os pais são professores.
Durante o Ensino Médio, Felipe foi para o Centro Estadual de Educação Profissional Visconde de São Leopoldo, em São Leopoldo, para fazer um curso técnico em Agropecuária. Já formado, em conversa com a família, surgiu a ideia de criar uma granja. Aos 19 anos, mesmo com medo, Felipe fez um financiamento para dar início ao que se tornaria a Granja Kranz. Hoje, seu empreendimento possui quatro aviários, capacidade para até nove mil aves e uma produção que atinge cerca de 5 mil ovos ao dia.
Apesar do conhecimento em Agropecuária, o jovem viu a necessidade de estudar mais para tocar sua propriedade. Assim, Felipe cursou um tecnólogo em Administração e hoje faz graduação em Administração no campus Montenegro da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). O conhecimento adquirido através do estudo mudou a visão do empreendedor rural no que se refere à gestão de sua granja. “Por exemplo, comecei a fazer fluxo de caixa e o controle de estoque e das vendas”, cita. “A organização da empresa se tornou muito melhor. São coisas que eu não fazia antes”, acrescenta.
Para o produtor, muitos jovens estão vendo que há um futuro na agricultura. “Mas o pessoal que vai trabalhar no interior tem que se conscientizar de que vai se privar de muitas coisas”, observa. “No feriado, tu vai trabalhar; no domingo, tu vai trabalhar. Férias e 13º tu não tem. Tem que vestir a camisa e gostar”, frisa.
Felipe reforça ainda que quem é do interior precisa se apropriar da tecnologia e buscar se manter informado sobre as novidades na agricultura. “É que nem no mercado de trabalho: tem que acompanhar (as mudanças) para não estar fora. Tem que buscar a informação”, comenta.