Por que o projeto dos fogos não passou na Câmara?

Bastidores. Disputas internas e influência de procurador pesaram na votação e acabaram prejudicando uma boa ideia

Até poucas horas antes da sessão da Câmara, na última quinta-feira, era dada como certa a aprovação do projeto de lei que vedava o uso de fogos de artifício e outros explosivos que provocam ruídos em Montenegro. Uma intensa movimentação de bastidores, porém, acabou resultando na rejeição da matéria por cinco votos a três. Apenas o autor e as vereadoras Josi Paz e Rose Almeida, do PSB, foram favoráveis. Joel Kerber estava em Brasília e o presidente Cristiano Braatz, por força do regimento interno, não vota este tipo de projeto.

Desde que a proposta deu entrada no Legislativo, todos sabiam que ela era polêmica, já que havia dúvidas consistentes quanto ao poder do Município em legislar sobre o comércio de explosivos. O problema foi contornado quando o autor propôs que a proibição não atingisse a venda, mas o uso pela população. O foco da fiscalização não seriam as lojas, mas o cidadão, para o qual foi definida uma multa superior a R$ 2 mil em caso de infração.

Vencida esta barreira, internamente, alguns vereadores queriam ter a certeza de que o projeto não tinha vício de origem. A legislação diz que a Câmara não pode criar leis que produzem despesas ao Executivo. Um parecer da consultoria jurídica da Câmara assegurou que não era o caso, uma vez que a Prefeitura já possui estrutura de fiscalização e que as regras de como isso seria feito caberiam ao Executivo, que regulamentaria o cumprimento de lei através de decreto.

Aparentemente, estava tudo certo. Até porque os próprios vereadores reconheciam o mérito da iniciativa. Proibir os rojões barulhentos não beneficiaria apenas os cães e gatos, que sofrem mais com as explosões por causa da sensibilidade auditiva ampliada. Ajudaria também os bebês, os idosos e, principalmente, os doentes. Se alguém convive ou conviveu com uma pessoa autista, por exemplo, sabe o que significa.

Mas se não havia dúvidas razoáveis do ponto de vista formal e o mérito da proposta é indiscutível, por que os vereadores Erico Velten (PDT), Felipe Kinn da Silva (MDB), Valdeci Alves de Castro (PSB), Neri Pena, o Cabelo, e Juarez Vieira da Silva, ambos do PTB, votaram contra? Na sessão, apenas os dois representantes do PTB se justificaram.

Oficialmente, Cabelo questionou a capacidade do Município em assumir a fiscalização do cumprimento da lei. Ele lembrou que existem demandas mais importantes, como o comércio clandestino de alimentos, inclusive na frente dos supermercados, e a Prefeitura não age. Por isso, acredita que a proibição não teria aplicação na prática.

A resposta mais curiosa foi dada pelo vereador Juarez. Depois de se posicionar contra, ele disse que conversou com o procurador geral do Município, Marcelo Rodrigues, e foi alertado para a inconstitucionalidade da nova lei. O advogado, inclusive, repassou a ele uma decisão da Justiça anulando legislação criada por Municípios sobre o comércio de fogos, por ser uma tarefa privativa da União.

O vereador Talis Ferreira considera a intervenção do procurador indevida. “Caberia a ele se manifestar no âmbito do Executivo, quando o projeto chegasse ao prefeito, e não antes, como fez. Isso é muito grave”, reclama. Além disso, o autor do projeto estranha que o vereador Juarez, vice-presidente da Câmara, prefira se posicionar a partir de um parecer de alguém do Executivo e não em função da consultoria jurídica do Legislativo. “Ele está desprestigiando o advogado pago pela Câmara”, ataca.

Rose Almeida acredita que o colega foi iludido pelo procurador. Em aparte ao discurso de Juarez, explicou que o parecer repassado a Marcelo não trata do assunto do projeto de lei. “A decisão que foi passada diz respeito à proibição do comércio de fogos pelas empresas e a proposta do vereador Talis veta o uso pelo cidadão. São coisas diferentes”, disparou. O plenário, com dezenas de ativistas da causa animal, aplaudiu a manifestação.

Brigas entre vereadores podem ter influído
Até aqui, o leitor teve uma visão sobre o que aconteceu aos olhos de todos. A rejeição do projeto, contudo, foi uma manobra de bastidores, urdida nas sombras do poder. Por que o procurador geral do Município trabalharia contra a aprovação de um projeto do líder do governo na Câmara, em tese, alvejando um aliado? E por que os vereadores, mesmo reconhecendo o mérito do projeto, preferiram “surfar essa onda”?

Para a primeira pergunta, ainda não há resposta. Até porque Marcelo Rodrigues não deu retorno aos pedidos de entrevista feitos pela reportagem do Ibiá. O chefe de gabinete do prefeito recorreu aos panos quentes. Edar Borges Machado entende que houve um mal entendido. “Na verdade, o procurador não foi atrás dos vereadores. Ele é que foi procurado pelo vereador Juarez e alertou que, em caso de proibição do comércio de fogos, o projeto teria vício de origem. Com certeza, não conhecia o projeto em sua integralidade”, afirma.

Borges garante que não houve, de parte da Administração Municipal, nenhum movimento no sentido de interferir na votação realizada pela Câmara. “Nós conversamos com o procurador, ele deu a sua explicação e encerramos por aqui”, sentenciou, garantindo que não há, de forma alguma, crise entre os poderes.

Uma segunda hipótese para a rejeição do projeto vem sendo disseminada dentro da Câmara, entre vereadores, funcionários e assessores e teria a ver com o comportamento do autor, o vereador Talis Ferreira.

Segundo essa versão, alguns colegas queriam mais tempo para analisar o projeto e Talis forçou a inclusão na pauta da sessão de quinta-feira. Alertado de que haveria resistências à aprovação, ele teria ameaçado boicotar pedidos dos colegas junto à Administração, usando sua condição de líder do governo. Irritados, estes vereadores teriam sido contrários para dar ao autor uma “lição de humildade”.

Talis contesta esta versão e garante que nunca agiu desse modo. “Seria um comportamento burro, até porque não tenho esse poder”, afirma. “Pouco antes da sessão, o vereador Erico disse que seria a favor, mas não foi. O vereador Juarez votou a favor na CGP e depois mudou o voto no plenário. Acredito que tenham sido induzidos pelo procurador geral do Município”, aposta.

Ainda que as versões sejam conflitantes, parece claro que a rejeição do projeto proibindo o uso de fogos que provocam poluição sonora não se deu pela falta de mérito. As dezenas de pessoas que acompanharam a sessão no plenário saíram decepcionadas e convencidas de que intrigas e vaidades podem sepultar uma boa ideia. Estes, provavelmente, não voltarão mais à Câmara.

Talis diz que vai “lutar” pelo seu projeto
Durante o fim de semana, a rejeição do projeto que proíbe o uso de fogos com barulho teve intensa repercussão negativa nas redes sociais. O autor, Talis Ferreira, garantiu que vai continuar lutando pela proposta e assegurou que está buscando meios legais para reapresentá-la. Uma das alternativas seria pedir ao prefeito Kadu Müller que elaborasse uma lei com o mesmo conteúdo, o que derrubaria o argumento do “vício de origem”.

O chefe de gabinete, Edar Borges Machado, disse ontem que essa possibilidade realmente existe. Ele acredita, porém, que é preciso “deixar a poeira baixar”. “Vamos conversar com o vereador”, anuncia.

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