RELATOR joel Kerber afirma que não há provas, mas, em nome da transparência na Câmara, quer ouvir as testemunhas
Contraditório. Este é, provavelmente, o adjetivo que melhor define o relatório que o vereador Joel Kerber (Progressistas) elaborou com base nas acusações da secretária Letícia da Silva e na defesa prévia do prefeito Kadu Müller. O texto diz que não foi apresentada uma única prova de que o chefe do Executivo recebeu propina da empresa que coleta do lixo na cidade. Mesmo assim, ele propõe que as investigações continuem.
A manifestação de Joel, que é relator do processo de cassação, foi lida ontem à tarde e aprovada por unanimidade na comissão processante, formada ainda por Felipe Kinn da Silva (MDB) e Josi Paz (PSB), a presidente. A reunião contou com a presença do advogado Alexandre Alves, procurador da denunciante. Já o prefeito e seu defensor, Jorge Fernandes Filho não compareceram.
Kerber destacou, em sua análise, que Letícia não comprovou a autoria e nem a materialidade das acusações. Contudo, levando em conta que a Câmara tem pautado seus atos pela transparência, sugeriu a convocação das 20 testemunhas arroladas pela denunciante e pela defesa. Assim, acredita ele, não restará qualquer dúvida da inocência do prefeito.
O vereador Felipe, porém, disse que não concorda com esta linha de argumentação, mas votou a favor do relatório porque, ao fim, ele permitirá a continuidade dos trabalhos. Segundo o representante do MDB, as conversas de whats app, o vídeo e os extratos bancários que acompanham a denúncia são indícios robustos de irregularidades.
Kerber contestou. “Os extratos mostram que a denunciante recebeu dinheiro da empresa e o sacou, mas não há provas de que o prefeito ou alguém do governo o tenham recebido”, contrapôs.
O relator não abordou, em seu documento, uma alegação da defesa sobre erro na tramitação do processo. Jorge Fernandes afirma que o rito foi equivocado e que o prefeito deveria ter tido a oportunidade de se defender antes da votação da admissibilidade. Questionado, Joel explicou que a legislação estebelece ritos diferentes para ações do tipo no Judiciário e no Legislativo. “Aqui, seguimos exatamente o que dispõe a lei”, garantiu.
Diante da aprovação do relatório, a comissão volta a se reunir para definir os próximos passos da instrução do processo. A presidente Josi Paz (PSB) garantiu que todas as ações da comissão serão abertas à imprensa, como já ocorreu nos processos que resultaram na cassação de Paulo Azeredo e Luiz Américo Aldana, em 2015 e em 2017.
As respostas da defesa para cada acusação
1 Acusação
Em 2018, a empresa Komac Rental teria solicitado um reajuste no pagamento pela coleta do lixo, elevando a fatura para R$ 300 mil mensais. O pedido inicialmente teria sido negado, mas aceito depois, mediante o pagamento de propina no valor de R$ 150 mil.
Defesa
A defesa informa que o contrato entre a Prefeitura e a Komac foi assinado em 10 de junho de 2014 e a empresa recebia R$ 189.905,57 pela coleta do lixo. Em janeiro de 2015 (governo Paulo Azeredo), houve reequilíbrio financeiro, sob a alegação de que o valor inicial era fruto de um orçamento feito em 2013 e que vários insumos haviam aumentado desde então. Assim, a fatura mensal passou para R$ 207.805,72. Em outubro de 2015 (governo Aldana), a empresa também obteve o primeiro reajuste anual, com base na inflação, previsto em contrato. Assim, a prestação do serviço subiu para R$ 222.277,10.
Já em 2016, a empresa, igualmente com base no contrato, pediu novo reajuste anual da inflação, que foi negado e arquivado na época. O Município atravessava grave crise financeira e não havia recursos para honrar o compromisso. Inclusive, o então prefeito Luiz Américo Aldana publicou um decreto determinando cortes em despesas.
Nos anos seguintes, a Prefeitura voltou a pagar os reajustes anuais, mas o percentual referente à inflação entre 2015 e 2016 ficou pendente, gerando um passivo aos cofres públicos. Este valor, que somou R$ 283.032,37, só foi repassado mediante nova solicitação em 2018, em duas parcelas, em 4 de outubro e 14 de novembro.
O pedido da Komac referente ao reajuste não pago em 2016, segundo o advogado Jorge Fernandes, foi considerado legal pela Administração, que não colocou obstáculos à liquidação da dívida. Logo, não teria havido motivo para a empresa pagar propina a alguém.
2 Denúncia
O ex-secretário municipal da Fazenda, Nestor Bernardes, teria sido filmado na sede da Komac, recebendo dinheiro de propina.
Defesa
As imagens apresentadas pela denunciante somam 15 segundos e, de acordo com a defesa, mostram vagamente o secretário chegando à sede da Komac. Não há diálogos ou gestos que indiquem qualquer tipo de pagamento.
3 Denúncia
Os valores referentes à propina teriam sido depositados na conta da denunciante para posterior repasse ao secretário Nestor. Ele teria dito a Letícia que entregava o dinheiro ao prefeito e este o partilhava entre os demais envolvidos.
Defesa
O advogado Jorge Fernandes aponta que os extratos bancários apresentados pela denunciante mostram apenas alguns depósitos feitos na conta dela, em valores pequenos, normalmente de R$ 1.000,00 ou pouco mais. Ele sugere que podem ser referentes ao próprio salário como funcionária da Komac Rental. A defesa ressalta que não há qualquer indício ou prova de que este dinheiro, muito inferior aos R$ 150 mil citados na denúncia, tenha sido destinado ao ex-secretário da Fazenda, Nestor Bernardes, e posteriormente ao prefeito Kadu.
4 Denúncia
Depois que os fatos vieram a público, no fim do ano passado, o prefeito Kadu, em conversa por whats app, teria chamado a denunciante para uma conversa em seu gabinete, assegurando que a receberia a “qualquer hora”. O objetivo teria sido garantir que permanecesse calada.
Defesa
Segundo o advogado, a conversa inicia com a denunciante citando a existência de pagamento de propina a agentes do governo. Diante disso, o prefeito a convida a ir ao gabinete para saber do que se trata. E, considerando a gravidade do que fora dito, apenas colocou-se à disposição para atendê-la a “qualquer hora”. Para Jorge Fernandes, há uma clara tentativa da denunciante em manipular o diálogo para deixar a impressão de que o prefeito estava envolvido nas supostas irregularidades. O encontro não aconteceu.