“A independência faz a mulher chegar onde ela quiser estar”, afirma a Delegada Nadine Tagliari Farias Anflor
A Delegada Nadine Tagliari Farias Anflor, 42 anos, já entrou para a história como a primeira mulher a se tornar Chefe da Polícia Civil Gaúcha, em 177 anos de instituição. Determinação e a consciência de que homens e mulheres têm a mesma capacidade de avançar na carreira foram decisivos na trajetória profissional da Delegada Nadine. Além disso, ela se guiou pelos conselhos do pai que desde cedo incentivou a filha a ser independente. Na semana do Dia Internacional da Mulher – 8 de março – , Nadine conversou com a reportagem do Jornal Ibiá sobre variados aspectos referentes a sua carreira e ao empoderamento feminino.
Nadine reconhece que, em geral, as mulheres precisam se esforçar muito mais que os homens para conseguir se impor e conquistar o que almejam. Contudo, quando se quer algo de verdade, esse esforço extra não é obstáculo, pelo menos, não para ela. “Nunca deixei de agir ou fazer algo que achava que precisava ser feito por ser mulher. Talvez nós, mulheres, passemos por momentos mais difíceis. As mulheres que entraram na Polícia Civil na década de 70, tenho certeza, sofreram muito mais do que eu. A Instituição já foi machista e não é mais”, relata a delegada.
A Chefe de Polícia também foi a primeira coordenadora das Delegacias da Mulher (DEAMs) no Rio Grande do Sul. “Nessa época, descobri uma Nadine feminista que começa a batalhar pelo fim da violência doméstica e familiar”, conta. Posteriormente, foi eleita a primeira presidente da Associação dos Delegados de Polícia, o que lhe deu ainda mais bagagem para chegar ao atual cargo, com uma visão ampla sobre a Polícia Civil. “Isso me deu um outro viés, o de olhar o servidor, valorizar cada vez mais. E fez com que eu passasse a enxergar a instituição também um pouco pelo lado de fora, e o que a gente tem que fazer para que essa Instituição continue sendo grande”.
Nadine sempre se preparou para ir longe na carreira, mas relata esperar isso tão rápido como foi. “Dentro da instituição são 15 anos de carreira. Sempre pensei que todo delegado de polícia tem que ingressar na Instituição focado em chegar nos postos de comando, seja como diretor de departamento, como delegado regional. Eu sempre tive isso muito em mente. Não focada necessariamente na questão da chefia, mas focada na questão de liderar”, revela. “Sempre me postei de uma forma que sabia os meus limites e até onde poderia ir, dando um passo de cada vez”.
A delegada defende o empoderamento feminino e a valorização da mulher, independente da função que ela desempenhe. “Sempre digo que lugar de mulher é onde ela quiser estar. Seja numa linha de frente, comandando suas instituições, mas também se a mulher entender que faz a diferença mesmo sendo dona de casa, não vejo problema nenhum. Ela tem que querer, estar bem e ser apoiada onde quiser estar”. conclui.
Confira as respostas da Chefe de Polícia à reportagem:
Jornal Ibiá – Depois de chegar onde chegastes, qual sua meta profissional para o futuro?
Delegada Nadine Anflor – Eu não penso muito no futuro, foco no hoje. Estou preocupada com o que vou conseguir fazer como Chefe de Polícia, o que vou conseguir mudar para sociedade. Meu olhar é sempre voltado para a sociedade. O que a sociedade e os meus comandados esperam da Delegada Nadine como Chefe de Polícia. A chefia, tenho plena consciência que é um momento passageiro, na carreira, tenho certeza que tenho muita coisa pra fazer depois. Seja dentro ou fora da Instituição vou procurar ajudar.
JI – Lhe causou incômodo o destaque dado pela mídia ao fato de seres a primeira mulher a chefiar a PC no Estado?
Delegada – Eu sabia que teria uma certa repercussão. É verdade que me surpreendi um pouco com essa repercussão externa. Foi muito mais externa do que internamente. Percebi uma vibração muito forte entre as policiais mulheres, uma responsabilidade ainda maior por estar representando mais de 37% de mulheres policiais. Isso sim faz com que eu tenha um compromisso redobrado ao assumir a Chefia de Polícia. Espero que as próximas, e que muitas outras venham, e que isso não seja mais notícia, que seja algo muito naturalizado na sociedade.
JI – Ao final do seu período no cargo, quais problemas espera ter solucionado ou minimizado?
Delegada – Acho que solucionar é algo quase impossível. Minimizar a violência os índices estatísticos, principalmente dos crimes de roubo com violência, latrocínio, roubo de veículos, elucidação dos crimes de homicídio, mas principalmente a violência contra a mulher, dar um outro olhar, um outro enfoque para essa violência e mais a violência a grupos vulneráveis. Acho que meu principal desafio é poder apresentar, pelo menos em determinados locais, um melhor acolhimento a qualquer tipo de vítima. Ela não pode ser vítima pela segunda vez quando ela procura o Estado.
JI – Como isso será colocado em prática?
Delegada – A prática é valorizar os servidores que lá se encontram. Melhorar o atendimento ao público, uma atenção muito especial nos plantões aos grupos vulneráveis. A gente fala da Delegacia da Mulher, mas temos que ver como um todo. Temos hoje um departamento novo, chamado Departamento de Grupos Vulneráveis que prevê um plantão especializado e onde a gente não puder montar esses plantões, que pelo menos, as nossas DPPAs tenham uma sala reservada para esse atendimento, com servidores capacitados para bem acolher.
JI – A senhora se considera um exemplo para mulheres que tem o objetivo de seguir carreira nas polícias do Rio Grande do Sul?
Delegada – Sou apenas mais uma dentre tantas outras que buscam fazer a diferença na sociedade Se eu servir de inspiração, ótimo. Se eu ajudar outras mulheres a denunciar a violência que bom. Se eu conseguir fazer com que outras meninas queiram ser policiais, acharei excelente. Acho que a quebra de paradigmas veio e marcou. Estou muito feliz com essa escolha, mas ao mesmo tempo sei o tamanho da minha responsabilidade.
JI – Nos aproximamos do Dia Internacional da Mulher. Que mensagem a senhora deixa para as mulheres?
Delegada – Sejam vocês mesmas, exijam os seus direitos, busquem sempre a igualdade. Não queiram ser mais nem menos e sejam sempre independentes. Meu pai sempre disse que eu poderia casar com quem quisesse, mas teria que ter o meu dinheiro e ser independente. E é isso que eu pautei a minha vida inteira. A independência faz a mulher chegar onde ela quiser estar.