Um dos principais desafios na volta às aulas presenciais é o processo de adaptação das crianças e jovens. Após meses sem socialização em ambiente escolar é preciso, também, investir no suporte emocional. A psicóloga especialista em Educação Infantil e Terapia cognitiva comportamental para Crianças e Adolescentes, Letícia Silva dos Santos, explica sobre os desafios, preparação e processo de ambientação. Confira:
Jornal Ibiá – Quais os principais desafios emocionais para as crianças e jovens na volta das aulas presenciais?
Letícia Silva dos Santos – As escolas tiveram um papel importante durante o processo de isolamento/distanciamento social na vida de milhares de crianças e adolescentes. Com o esforço das redes educacionais, foi mantido o vínculo com mundo infantil e incentivado rotinas mais adequadas à faixa etária de seus alunos. Ainda assim, no campo da saúde mental, foram observados impactos psicológicos significativos impulsionados pela duração prolongada do isolamento, medo de infecção, frustração, poucas atividades de lazer, falta de contato pessoal com colegas, amigos e professores, além da falta de espaço pessoal em casa. Pensando nisso, acreditamos que com o retorno das aulas presenciais, a comunidade escolar como um todo está propensa à desmotivação, à dificuldade de engajamento e sentimentos de insegurança ou riscos de contaminação. Desafios que serão progressivamente sanados com um intenso trabalho de readaptação para amenizar o impacto.
JI – Como deve ocorrer a preparação para esse retorno: desde o ambiente até professores e colaboradores e família?
LSS – Entendemos que será necessária a intensa discussão, além da propagação, de medidas referentes às práticas de cuidado à saúde mental e aos serviços de saúde. A atenção integral ao aluno pode ser compreendida como a soma do cuidado nas dimensões individual, familiar em conjunto com a comunidade escolar. A parceria dos pais com a escola tem um papel importante para a adaptação das crianças, pois eles serão reforçadores e apoio no processo de divulgação das informações, suporte emocional. Os professores terão novamente a tarefa de se reinventar no método de ensino, avaliando perfil das suas turmas e estabelecendo estratégias de acordo com a nova realidade.
JI – Muitos pais não estão dispostos a deixar seus filhos retornarem. Como atender a esta demanda sem prejudicar o ensino do aluno?
LSS – Estamos diante de uma demanda delicada em que temos, de um lado, perdas significativas nos processos educacionais e, do outro, uma questão de saúde pública. Se for pensar em uma situação ideal, acreditamos que esta deveria ser uma opção de todas as famílias e responsáveis. Que dadas as circunstancias de instabilidade, insegurança e poucos recursos como vacinas e equipamentos de proteção, esta escolha pode ser vista como uma redução de danos. Cabe a escola e à sociedade não somente acolher as necessidades das famílias, como pensar em estratégias a fim de continuar promovendo o acesso ao ensino.
JI – Há uma faixa etária com atenção especial em questão psicológica no retorno às atividades presenciais?
LSS – Temos observado que a questão talvez não seja uma faixa etária, e sim o fato de que pessoas em situação de vulnerabilidade social estão mais expostas ao desenvolvimento e ao agravamento de transtornos mentais. Sabemos que grupos distintos, devido acesso insuficiente aos cuidados sanitários básicos, foram mais atingidos pelos desdobramentos da pandemia. Situação em que, concomitantemente ao retorno para a escola, estarão presentes processos de luto, perdas afetivas e situação financeira das famílias agravada.
JI – Como agir em casos de crianças da mesma família em que uma retorna ao convívio escolar e a outra não?
LSS – O isolamento no ambiente familiar promoveu a perda de referências e vínculos com ambientes como o escolar e de trabalho. As medidas tomadas serão relacionadas tanto para aqueles que vão, como para aqueles que ficam. Sugerimos que seja estabelecida uma rotina prévia para todos, no sentido de regular sono, alimentação e promover o incentivo às responsabilidades escolares. Adequado à idade e fase do desenvolvimento das crianças e jovens, essa organização será benéfica para todos os integrantes da família. Quando uma das crianças permanecerem em casa, é mais protetivo emocionalmente que ela participe de forma positiva das mudanças no dia a dia do irmão. Isso evita, por exemplo, que ela fique frustrada por não ter a oportunidade de conviver com colegas amigos e professores.
JI – Em tempos de crise, o desenvolvimento das competências socioeomocionais é fundamental. Como desenvolvê-las?
LSS – Ao exemplo de outros desastres naturais, pandemias de menores proporções ou eventos estressores, observam-se problemas disfuncionais do tipo ansiedade, medos excessivos, sinais e sintomas de depressão, irritabilidade, apego desproporcional e problemas de regulação do sono e alimentação. Os cuidadores podem promover nas crianças e jovens o desenvolvimento das funções executivas quando estabelecem e organizam rotinas e tarefas com regras e flexibilidade, com autonomia para escolhas e tomadas de decisão adequadas ao período vivenciado. Essas ações impedem que o ambiente doméstico torne-se mais um estressor na retomada das atividades gerais.