Com falta De qualificação, há organizações que assumem para si a formação dos colaboradores
As empresas montenegrinas criaram 429 postos de trabalho no primeiro trimestre desse ano. O dado, do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Caged, aponta para 429 novas oportunidades de emprego formal que, até dezembro de 2021, não existiam. O resultado positivo, porém, não garante que todas essas vagas tenham sido efetivamente preenchidas por pessoal de Montenegro.
Como não há indicadores locais da evolução do emprego no Município, esse termômetro só pode ser tirado pelas constatações de empresas e entidades. E a avaliação não é das melhores. Segundo o presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACI), João Batista Dias, muitas empresas da cidade estão tendo que buscar pessoas de fora por não encontrar mão de obra preparada dentro de Montenegro.
“Nós temos uma defasagem de qualificação”, analisa o empresário. “A John Deere tem uma dificuldade séria com soldador, por exemplo. Nós temos empresas de logística precisando de operadores de máquina, operadores de empilhadeira; às vezes com qualificações simples para as vagas. O próprio comércio, nós vemos no nosso Núcleo de Gastronomia, tem grande dificuldade para conseguir gente para os restaurantes, principalmente para atendimento.”
Uma das mais tradicionais empresas da cidade, a Tanac vive essa realidade. “Em nosso processo seletivo, a busca por profissionais com formação e qualificação técnica comprovada tem sido uma dificuldade encontrada para contratação em Montenegro e proximidades”, comenta a gerente de Recursos Humanos da organização, Ieda Danoski. Ela aponta que a demanda maior são em áreas técnicas, que exigem conhecimentos específicos, como as de manutenção e de pesquisa e inovação. Além delas, nas áreas administrativas como comercial, marketing e tecnologia da informação, a empresa também encontra problemas para preencher vagas. “A habilidade de aprender a lidar com novas ferramentas de trabalho, iniciativa para atuar com protagonismo e investir no autodesenvolvimento são competências que procuramos fortemente”, indica Ieda.
Para o presidente da ACI, o projeto do Polo da Química, que visa atrair indústrias químicas ao Distrito Industrial de Montenegro, deve fazer essa defasagem, já percebida pelas empresas instaladas, aumentar ainda mais. Ele defende a urgência em ações para incentivar a qualificação. “Quando essas empresas têm que buscar mão de obra fora, porque nós não estamos conseguindo atender, é um dinheiro que não está ficando aqui; um dinheiro que faria girar o comércio, os mercados, a economia do Município”, aponta.
O que uma das maiores indústrias de Montenegro está buscando
Citada pelo presidente da ACI, a John Deere tem, hoje, cerca de 1.300 empregados diretos na fábrica de tratores de Montenegro. Quase metade é de pessoas do Município; e há esforços para priorizar contratações locais. Mas a gerente de Recursos Humanos da unidade, Carla Ávila, confirma que, com o mercado aquecido, existe a necessidade de uma mão de obra mais especializada, como a dos soldadores, que é escassa por aqui. “Nós temos máquinas de usinagem que também demandam um conhecimento mais técnico; temos montadores; pintores, que é uma área que demanda conhecimento do processo de pintura e de química, para o trabalho com tintas”, exemplifica. “Também temos os almoxarifes, já que hoje o conhecimento em logística é cada vez mais valorizado, com o entendimento de recebimento de materiais, de abastecimento de fábrica. São conhecimentos que, hoje, são importantes para nós.”
Uma das maiores geradoras de emprego em Montenegro, a fábrica foi responsável por um saldo de 112, dos 429 novos postos de trabalho criados no primeiro trimestre. Além de pessoal especializado para funções operacionais, a organização também percebe a necessidade de conhecimentos em tecnologia para o preenchimento das vagas. “É outro nicho que nós também demandamos profissionais e onde é difícil encontrar, pois são poucos profissionais que já têm essa qualificação total e, aí, a John Deere concorre não só com indústrias do nosso ramo, mas com empresas de tecnologia de todo o Estado e até de fora”, aponta Carla. “Nós falamos de automação industrial, indústria 4.0, ciência e análise de dados. São áreas que cada vez mais estão demandando profissionais e nós também sentimos essa carência.”
John Deere aposta no programa de aprendizagem
Entendendo os desafios locais, a John Deere é uma empresa que tem assumido o protagonismo de buscar qualificar pessoas da cidade para serem seus funcionários. Há anos, vem investindo em parceria com o Senai para formar novos colaboradores. O programa de aprendizagem tem se destacado ao preparar jovens para a empresa e o mercado como um todo. “Nós temos investido bastante no programa de aprendizagem e também em nosso programa de estágio justamente com esse objetivo de qualificar e desenvolver os jovens para o mercado ou uma indústria como a John Deere”, destaca a gerente de Recursos Humanos, Carla Ávila.
O programa de estágio costuma abrir vagas semestralmente. Já o de aprendizagem, de dois em dois anos. “Eu fiz parte da turma de aprendizagem em 2011 e foi onde abriu efetivamente as portas da minha carreira para a indústria”, confirma a montenegrina Amanda Blos, hoje com quase uma década de atuação na John Deere. Ela tinha dezessete anos de idade e era Menor Aprendiz no comércio quando soube da oportunidade. “Era um período de entender o que fazer da vida, de ir pra onde, de entender o que eu poderia fazer”, lembra.
Foram dois anos de curso. No segundo, com períodos de aplicação dos conhecimentos teóricos dentro da própria fábrica. Assim, o programa abriu um leque de oportunidades que a jovem, até então sem experiência, abraçou. Fez curso Técnico e, com auxílio dado pela empresa, fez Inglês e iniciou os estudos no Ensino Superior, em Engenharia de Produção. “O curso de aprendizagem abre uma primeira porta para o jovem entender se é aquilo que ele quer fazer, para ver se ele se identifica trabalhando na Indústria e, realmente, galgar esse caminho. A empresa caminha lado a lado contigo”, destaca a funcionária. Hoje, Amanda trabalha na área de planejamento, lidando com fornecedores brasileiros e de fora do País, em estratégias para as linhas de produção.
“Tem cargos bons dentro das empresas, mas as pessoas precisam de qualificação”
Para o presidente da ACI, João Batista Dias, o problema da falta de preparo e qualificação vai além da simples contratação. Está na dificuldade de pessoas de Montenegro avançarem a cargos mais altos dentro das organizações; e até de empreenderem, com sucesso, em negócios próprios. “Se nós olharmos para um passado não muito longo, os negócios de Montenegro eram de montenegrinos. Hoje, nós estamos vendo muita gente de fora vindo investir na cidade. Mas onde estão os nossos empreendedores?”, coloca o líder empresarial, citando, como exemplo, as grandes redes de supermercados recentemente instaladas na cidade. “Nós precisamos trabalhar a nossa própria capacidade de empreender.”
Dias fala também em grandes organizações, como a Tanac, em que alguns cargos de direção e chefia acabam sendo preenchidos por pessoas de fora do Município. “Nós temos oportunidades na nossa cidade. Tem cargos bons dentro das empresas, muito bem remunerados, mas as pessoas precisam de qualificação para chegarem lá. Elas precisam de uma faculdade, de uma especialização, para irem crescendo dentro da empresa”, coloca.
O empresário entende que o grande desafio a ser enfrentado é sensibilizar os jovens sobre o mercado de trabalho e a importância de buscar esse preparo. “É um assunto que nós temos trabalhado na associação para montarmos um projeto junto com as escolas, principalmente as de Ensino Médio, para que a gente comece a preparar essas pessoas para buscarem a qualificação”, adianta. “Nós temos que imputar no nosso jovem essa vontade de se qualificar em função daquilo que já tem hoje de necessidades e oportunidades e daquilo que está se apresentando para Montenegro nos próximos anos.” Uma das iniciativas projetadas são palestras mensais de dirigentes e gestores das empresas com estudantes das escolas locais.
Só 16,6% dos que iniciaram cursos gratuitos da Prefeitura, concluíram
A necessidade de sensibilizar os munícipes da importância do preparo ao mercado de trabalho se traduz nos esforços da Prefeitura de Montenegro para conseguir qualificar a mão de obra local. Em parceria com o Sistema S, a Administração intensificou nos últimos anos a oferta de cursos gratuitos de qualificação em atividades variadas, como rotinas administrativas e em atendimento. Mas dados obtidos junto à secretaria de Indústria e Comércio mostram que, das 150 vagas compradas pelo Município e oferecidas gratuitamente em 2021, só 25 pessoas efetivamente concluíram o curso e receberam certificado. As demais vagas chegaram a ser preenchidas, mas os alunos desistiram antes da conclusão. O aproveitamento é de apenas 16,6%.
“O Senac, durante o curso, nos manda quem está faltando, quem está fazendo, e durante ele eu já começo a entrar em contato”, conta Jenifer Almeida, chefe do serviço de Microcrédito da pasta. “Sempre tem uma desculpa diferente, mas se resume à falta de interesse. Esses são 150 cursos que o Município comprou, que pagou, mas que formou só 25 pessoas. É um valor de dotação própria da secretaria que nós poderíamos ter investido em outra coisa, em formação nossa, em atualização de software ou em equipamentos, por exemplo.”
Jenifer explica que os cursos são comprados e ofertados de acordo com as demandas captadas junto a empresas, entidades e a comunidade em geral. Um próximo que está por ser lançado é de cuidador de idosos; qualificação que a secretaria se organiza para oferecer com uma nova cláusula que visa proteger a Prefeitura das desistências. “Nós queremos colocar que, se a pessoa desiste sem motivo, tendo tirado a vaga de outra pessoa, ela tenha uma limitação de inscrição para os próximos cursos”, adianta.
Aprender um idioma é diferencial
Ao analisar as deficiências da mão de obra local, o presidente da ACI, João Batista Dias, aponta que um dos déficits está no domínio de outros idiomas, especialmente o Inglês. “Em outros países da Europa, na China, no Japão, todo mundo fala inglês. Lá, o curso da escola te dá qualificação para falar inglês, mas, aqui no Brasil, nós não valorizamos isso nas escolas”, analisa. “Essa qualificação acaba tendo que se buscar fora; e ela não é barata. Eu, quando trabalhei no Polo Petroquímico, tinha um inglês básico e precisei fazer aula todos os dias para atender o que necessitava.”
Gerente de RH na John Deere Montenegro, Carla Ávila diz que o Inglês não é exigido em todas as posições da fábrica, mas reconhece que, sendo a empresa uma multinacional, o domínio do idioma é um diferencial. “É um fator importante, principalmente nas áreas mais técnicas, de tecnologia ou de engenharia, porque o intercâmbio com as outras unidades também é muito grande”, esclarece. Na Tanac, o idioma também se mostra um diferencial importante. “O domínio da língua inglesa tem sido um fator crítico para contratações”, diz a gerente de RH, Ieda Danoski.
Boas oportunidades na área de Tecnologia da Informação
Área que vem crescendo nas últimas décadas, a Tecnologia da Informação (TI) também é destaque em Montenegro. Levantamento da ACI indica que há pelo menos 15 organizações locais na área, que são oportunidade para quem busca trabalho. Mas há desafios no preenchimento de vagas em algumas delas. Em março, por exemplo, a empresa de tecnologia de software Sky Informática lançou parceria com o Colégio Sinodal Progresso para dar início a um curso de qualificação profissional sobre Delphi. Essa é a linguagem de programação usada pela organização e por outras empresas da região. Só que era baixa a oferta de mão de obra qualificada para trabalhar com ela, por isso o investimento.
Na Syonet, empresa dedicada ao serviço de software na área de relacionamento com clientes, os gestores avaliam que o desafio não é tanto de qualificação – com a boa oferta de cursos nas instituições locais e também na internet – mas de encontrar pessoas que se insiram na cultura da empresa. É que, com o trabalho remoto impulsionado pelo período de pandemia, organizações de TI locais passaram a competir com empresas do mundo todo pelo trabalho de desenvolvedores, por exemplo. Nessa “competição”, a Syonet tem priorizado mais a vocação de um possível candidato para a área do que, efetivamente, uma bagagem de conhecimentos consolidada.
“Nos últimos anos, nós temos preferido contratar pessoas que não têm experiência, mas que têm muita vontade de entrar numa empresa de tecnologia. Nós trazemos essas pessoas pra cá, pessoas que praticamente não vivenciaram nada dentro de uma empresa de tecnologia, e aqui elas recebem um treinamento avançado. Elas entram, entendem o sistema, entendem o que o cliente faz e começam a trabalhar”, explica o diretor de produto de software, Jordani Caldeira. Começa num formato de curso, depois em algumas rotinas simples, até que o colaborador esteja apto a rotinas mais complexas. Segundo Caldeira, o método tem se mostrado eficaz ao efetivamente mostrar o que a empresa faz e qual o seu propósito. “É um investimento em longo prazo que nós fazemos e, assim, nós temos pessoas com mais tempo de empresa.”
Vem dando resultado com o jovem Diogo Pinheiro, de 23 anos, um dos cerca de 130 colaboradores da Syonet. Ele está na empresa desde 2019, tendo entrado como estagiário enquanto ainda cursava o Técnico em Informática do Colégio Sinodal Progresso. “Eu nunca tinha lidado com o sistema operacional com o qual a gente lida aqui, nem trabalhado com suporte de sistema. Eu precisei aprender aqui dentro toda a regra do sistema para entender como ele funcionava. Todo esse acompanhamento que eu tive, desde o treinamento, foi muito atencioso”, relata.
Pinheiro era um apaixonado por tecnologia desde jovem e, após não ter se adaptado ao Técnico em Eletrotécnica que tentou cursar paralelo ao Ensino Médio, viu no Técnico em Informática a oportunidade de encontrar, ali, a sua profissão. Deu certo. Antes do fim do contrato de quatro meses de estágio, ele foi contratado na Syonet. Atento aos cursos em andamento na região, o diretor da empresa sublinha que está nessa vontade de se dedicar ao trabalho na área o grande diferencial. “Talvez a pessoa não tenha nenhuma experiência, mas se a entrevista é boa, a gente vê que vai dar certo”, destaca Caldeira.