Um nordestino quase gaúcho

Conheça a história do homem que largou tudo no Nordeste para viver as diferenças culturais do Sul do país e hoje abraça Montenegro com emoção

No centro da cidade, entre o grande fluxo de pedestres e veículos, um senhor com chapéu de couro chama a atenção. É o comerciante Aluízio Fabiano Nascimento, 45, natural do Ceará, nordestino arretado e apaixonado pela Cidade das Artes e pelo povo gaúcho. Na cabeça, Fabiano carrega muito mais que um acessório. Ele traz consigo parte da identidade cultural da terra onde nasceu.

Longe do Nordeste há 8 anos, o comerciante conta que chegou em Montenegro para visitar a irmã e passar apenas 15 dias, porém, não contava que se apaixonaria pela cultura do Rio Grande do Sul. Apesar das diferenças, ele revela que não foi difícil ficar e construir a vida em terras montenegrinas.

“Aqui é tudo diferente do Ceará: a comida, o clima, o jeito das pessoas. Eu cheguei a pensar que fosse outro país, mas foram as condições econômicas que me motivaram a ficar e tentar proporcionar uma vida melhor para minha família”, descreve Nascimento. “Os gaúchos são empreendedores e isso é muito bom para quem gosta de trabalhar e quer ganhar dinheiro”, acrescenta.

Festival de Quadrilha em Ca-ruaru, no estado de Pernambuco. Foto: Janine Moraes

Durante os últimos anos, o nordestino experimentou alguns dos pratos típicos gaúchos, mas foi, é claro, o churrasco que ele elegeu como uma das maravilhas do Estado. “A carne é mais saborosa”, disse o comerciante. Diferente do que a maioria pode pensar, o frio não foi um inimigo e nunca será, já que ele declara ter adorado as baixas temperaturas. “Consegui me adaptar tranquilamente, não tem tempo ruim para mim”, brinca.

O esforço e a dedicação que ele entrega diariamente ao trabalho deram bons resultados. Entre uma venda e outra, conseguiu presentear a filha com um carro e morar em um apartamento confortável. De espírito muito empreendedora, um dos principais segredos para o sucesso do negócio que administra é o bom humor e a leveza de enxergar oportunidades e de ter gratidão por tudo aquilo conseguiu.

Mesmo diante das conquistas, Fabiano sente falta de suas tradições. Por isso, usa o chapéu meia-lua de couro com uma forma de manter a ligação com suas origens. O acessório, conhecido também como chapéu de cangaceiro, é um símbolo do Nordeste brasileiro e funciona como uma espécie de amuleto de sorte e defesa. “Eu não tiro de jeito nenhum”, salienta.

Outro traço muito marcante dessa região do Brasil é a culinária. “Eu até tento fazer algumas coisas aqui, mas é difícil porque não tem todos os ingredientes, então me viro como posso”, explica Fabiano. “O que mais sinto saudade é da buchada de bode”.

Festa junina à moda nordestina
Não é só pela comida que o nordestino Aluízio Fabiano Nascimento sente falta da sua terra. As lembranças das festas juninas chegam a fazer os olhos do comerciante brilharem. “Lá [no Ceará] são dois meses intensos de comemoração (junho e julho), é a coisa mais linda de se ver”, declara. Quando questionado sobre as maiores diferenças entre as comemorações do Sul e do Nordeste durante esse período, ele revela que, apesar do carinho especial que tem pelo Rio Grande do Sul, não há comparação. “Aqui não tem esse tipo de festa”, brinca Fabiano.

Não é por acaso a revelação contundente do nordestino. Ele vem de uma região que tem a maior expressão do festejo em nível nacional, que comemora três santos católicos reverenciados nesta época do ano, Santo Antônio, São João e São Pedro. As cidade de Caruaru e Campina Grande disputam entre si o “maior São João do Mundo”.

Seja no salão da igreja, em um grande evento da cidade ou até mesmo em um simples arraiá entre amigos e familiares, a verdade é que a comemoração já faz parte da vida da maioria dos brasileiros. Contudo, Nascimento explica como é uma festa junina nos moldes nordestinos. “Tem que ter vatapá de camarão, pamonha, bolo de milho, cuscuz, canjica, disputas das quadrilhas de dança, fogueiras, brincadeiras nas ruas, festivais e… ‘vixe’, é muita coisa”, dispara o nordestino.

As competições de danças são levadas a sério e se tornaram uma identidade cultural marcante do Nordeste. Os grupos fazem a disputa por etapas municipais, regional e estadual com o objetivo de propagar os costumes tradicionais e concorrer aos prêmios dos festivais profissionais.

Oxente, não entendi!
O contato com a cultura gaúcha proporcionou novas descobertas ao nordestino Aluízio Fabiano Nascimento. Entre elas, as peculiares linguísticas do Sul. “No início, eu não entendi muitas coisas que as pessoas falaram, tinha dificuldade na comunicação, e ainda hoje acontece de eu me perder nas conversas”, diz Nascimento.
As diferenças entre esses extremos do país não se limitam apenas ao clima, à culinária, às paisagens, aos costumes e características marcantes na cor, jeito e traços das pessoas. Elas também vivem no “bah” do gaúcho e no “oxente” do nordestino, que, juntos, constroem a identidade cultural do Brasil marcada pela miscigenação.
Para não se perder, conheça um pouco do vocabulário nordestino e viva as diferenças e particularidades do que torna cada pessoa, lugar e região especiais:

Alesado = preguiçoso, lerdo, lento
Arriégua = Tem sentido de espanto
Oxente = Mas bah tchê
Barra aí = Espere por favor
Armaria = Junção de “Ave Maria”, tem sentido de surpresa
Deusolivre = Junção de “Deus me livre”, tem sentido de negação
Óia = Olhar algo
Pirangueiro = Safado
Ei macho = Ato de chamar alguém
Brocado = Com fome
Furdunço = Confusão
Adular = Bajular
Arretado = Bom, legal, perfeito
Baixa da égua = Lugar distante
Vixi = espanto

Preconceito contra o Nordeste: “Já fui chamado de imundície”

Durante as vendas, o comerciante Aluízio Fabiano ainda encontra dificuldade para entender algumas palavras

Quem enxerga seu Aluízio Fabiano Nascimento sorrindo e brincando enquanto vende suas mercadorias no centro de cidade não imagina os episódios tristes que ele já viveu no município. “Infelizmente, existe gente difícil em todo lugar do mundo e aqui não foi diferente”, diz o comerciante, referindo-se às ofensas que ouviu por ser nordestino.

“Já fui chamado de imundície e mandado voltar para o meu Estado como se minha presença incomodasse. Isso doeu, me fez chorar porque tenho consciência de que somos todos iguais nessa terra”, revela Nascimento. “Hoje eu ainda ouço algumas comentários preconceituosos e fico machucado da mesma forma”, declara. “Enquanto falam mal de mim, mais sorte me trazem”.

Raiva e rancor não são sentimentos compatíveis com os princípios do nordestino, que não guarda mágoas. “Essas pessoas não representam o Rio Grande do Sul. Os verdadeiros gaúchos me receberam de braços abertos”, elogia.

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