Busca dos orçamentos ainda é passo inicial. Só após é feita licitação e contrato
O Governo Zanatta deu como certo que, enquanto tramita em Brasília a captação de recursos pro projeto de revitalização da orla do Rio Caí, fará as obras de reestruturação do talude do Cais do Porto das Laranjeiras. Elas são prioridade, dados os recentes desmoronamentos e as várias fissuras na calçada que denunciam o risco de novos problemas. A demanda, porém, vem barrando em dificuldades até para encontrar quem faça um orçamento para a realização do projeto. Sete empresas já vieram analisar o local e declinaram o serviço. Uma oitava foi recebida nessa quarta-feira, 4, e, entre esta sexta e o início da próxima semana, outras duas virão fazer a análise.
“A gente quer ter, pelo menos, três orçamentos para esse projeto”, explica o secretário de Gestão e Planejamento de Montenegro, Fabrício Coitinho. “Nós estamos nesse processo há algum tempo e gostaríamos de já estar com a confecção do projeto em andamento, mas, devido a esses declínios, não conseguimos cumprir o nosso cronograma”. O assunto foi tema de debate especial na Rádio Ibiá Web dessa quarta-feira.
Coitinho destaca que a Prefeitura vem buscando empresas especializadas de todo o Estado. “Muitas participaram da reconstrução do Cais de Porto Alegre. Então, são empresas grandes, que já fizeram atividades semelhantes”, explica. É uma etapa que não tem custos para o Município; o primeiro passo para a obtenção dos orçamentos que, então, serão base para a elaboração da licitação que contratará quem fará o projeto. “Nós temos ligado bastante, fazendo o convite pras empresas. Elas vêm por interesse delas”, salienta o secretário.
DENTRO DO RIO
Engenheiro Civil na Prefeitura, Daniel Vargas de Oliveira aponta que a obra, após o estudo, terá grande proporção. Abrangerá todo o Cais, com um trabalho que precisa ocorrer debaixo d’água. “Por isso, nós estamos direcionando, no bom sentido, para empresas que tenham know-how de patrimônio histórico de preservação e de estabilização de talude”, pontua. Ele indica que o procedimento necessário pra fazer o projeto é a batimetria; medição do fundo do rio com um sistema de emissão de sinais acústicos. “Hoje, nós não temos como mensurar o que sustenta o talude lá embaixo”, justifica. Será o passo inicial para entender a dimensão do problema.
Só na história recente, casos de desmoronamento em diferentes pontos da orla foram registrados em 2011, 2015, 2018 e 2019. Foram consequência de ações da natureza, como enchentes e enxurradas, e também de intervenções humanas, com o trânsito de veículos pesados, a rede de esgoto e obras realizadas sem o devido cuidado com a estrutura. O trecho que ruiu em 2018, inclusive, em frente à Escola da Brigada, até hoje não foi reparado. O recurso pra correção pontual foi solicitado à União, mas não veio. O reparo, agora, deve entrar no mesmo projeto de reforma estrutural.
Preservação ao patrimônio histórico torna a solução mais complexa
Na avaliação dos representantes da Prefeitura, além da complexidade de uma obra que precisa ocorrer debaixo d’água, o fato de o Cais ser um bem tombado como patrimônio histórico também vem afastando empresas de se envolverem com o projeto. Como há uma obrigação de manter as características originais do local, fundado em 1904, nem todas as soluções propostas são viáveis. “A grande maioria dos declínios que nós tivemos foi, justamente, pela questão do patrimônio histórico”, conta Fabrício Coitinho.
Há certa dificuldade em entender, também, o que precisa ser verdadeiramente preservado. O tombamento do local foi uma iniciativa do Município no ano 2000, no Governo Madalena Bühler. O dispositivo legal que o instituiu, porém, é genérico; e não traz detalhes sobre o que realmente é de interesse histórico. “De lá pra cá, nada se fez. Deveríamos ter um inventário, um memorial descritivo explicando exatamente o que é o Cais”, aponta o presidente do Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico, Ricardo Kraemer. “Eu vejo que alguns entendem o Cais só como as pedras do talude, mas ele é mais que isso. Aquela região toda tinha que ser uma região de interesse histórico de Montenegro.”
Secretário municipal, Coitinho concorda com o problema e admitiu dúvida, inclusive, se o Município precisa considerar tombado o Cais da forma como ele estava nos anos 2000, quando feita a lei, ou da forma como ele foi criado, em 1904. É que nesse meio tempo, também ocorreram intervenções que descaracterizaram o local da forma como ele era em seu início. “É uma dúvida que nós temos e um dos questionamentos que nós fizemos pro Iphae (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado)”, aponta o secretário. A entidade estadual especializada no patrimônio está dando apoio à Prefeitura diante da demanda.
De acordo com a vice-presidente do Movimento de Preservação, Letícia Kauer, pro tombamento, valem as características originais da fundação. Mas o presidente da entidade pondera que as características “preserváveis” devem partir de um processo de escuta dos montenegrinos. “É o que a comunidade entende como significativo, como importante”, avalia Kraemer. Hoje, dois pontos, nas duas extremidades do talude, foram construídos após o tombamento sem respeitar as características do patrimônio tombado. Pela legislação, porém, o método construtivo teria que seguir alguns padrões, com o uso de pedras do mesmo tamanho e cor, por exemplo.
Tráfego de veículos pesados causa rachaduras até nas casas
Sem os orçamentos para o estudo, elaboração e execução do projeto, o Governo Zanatta não tem prazos ou mesmo previsão de valores do quanto a recuperação estrutural do talude vai custar. Em entrevista à Rádio Ibiá Web, o diretor de projetos e captação de recursos, Rafael da Cruz, disse que obra será custeada por recursos próprios ou verbas de fora que possam ser acessadas com agilidade. Mas a falta de perspectiva para a chegada da solução gera preocupação e o pedido por ações mais imediatas.
“Tirar o trânsito pesado (da rua da beira do rio) já tinha que ter sido feito há muito tempo”, sugere o aposentado Nilton Ramos Garcia, de 70 anos. Há 30, ele vive às margens do Rio Caí e conhece bem o problema. Em sua percepção, o trecho onde está o Cais não foi estruturado para o tráfego de veículos de peso, o que vem agravando os problemas. “Isso aqui, para um trânsito pesado, teria que tirar o solo do nível do rio pra cima e trocar todo o material. Isso aqui foi feito em cima de terra de planta, não para esse trânsito. Passa aqui caminhão de setenta toneladas ou mais; e isso não tem condições.”
De casa, Garcia e vizinhos sentem as paredes vibrarem quando veículos pesados passam na rua. Muitas das paredes apresentam rachaduras por causa do problema. E de casa pra fora, ano após ano, os moradores vão vendo a situação do Cais piorar. “O calçadão foi feito pendido pra cá (pro lado da rua). Agora, já está caído pra lá (pro lado do rio). Todo o talude está descendo. A chuva, ao invés de vir da calçada pra sarjeta, já está caindo em direção ao rio”, denuncia o aposentado.
O secretário de Gestão e Planejamento, Fabrício Coitinho, diz que reconhece que o tráfego de veículos pode ser um agravante. “Mas a gente precisa desenvolver uma solução para que não prejudique, também, a população que utiliza o transporte público naquele local”, pondera. Coitinho avalia ser possível fixar apenas horários de carga e descarga para as empresas que funcionam na beira do rio e, então, estruturar as ruas mais adiante para que sejam novas rotas de ônibus. Porém, não dá data para a solução. Em 2019, no governo anterior, o Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico já havia enviado ofício à Prefeitura recomendando o veto a circulação de veículos pesados no local.
Revitalização é alvo de críticas
A Prefeitura, enquanto tenta buscar empresas que ofereçam orçamentos pro projeto da obra estrutural, já protocolou um projeto de revitalização do calçadão. Está em Brasília, cadastrado junto a portaria do Ministério do Turismo para ser contemplado e receber recursos para a realização. Ele é dado como projeto de médio a longo prazo, previsto para ser executado num horizonte de, no mínimo, dois anos; intervalo no qual a obra principal já deve ter sido feita.
A revitalização, que contempla desde a ponte de acesso ao Baixio até o fim da área mais larga do calçadão, pouco após o Caça e Pesca, é orçada em R$ 2,3 milhões. Ela contempla aumento do calçadão; e prevê estreitamento da pista, que passará – só no futuro – a ser de mão única para o trânsito de veículos. É prevista uma ciclovia e, em dois pontos, avanços de três metros sobre o rio que vão funcionar como mirantes. Luminárias, bancos e o guarda-corpo serão trocados por estruturas mais modernas; e pergolados, floreiras e o calçamento seguirão o padrão do trecho já revitalizado no ano passado em frente à Câmara de Vereadores. Também é previsto chimarródromo, bicicletários e um totem para fotos.
“Esse projeto arquitetônico foi desenvolvido pela equipe da secretaria de Gestão e Planejamento”, destaca o secretário Coitinho. “Ele foi construído neste ano, já pensando em toda orla para manter um padrão arquitetônico do início ao fim. Ele foi pensado respeitando o máximo possível o patrimônio que temos hoje e que ainda existe de 1904.” A iniciativa, porém, foi criticada pelo Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico, que lamentou não ter tido conhecimento da existência do projeto antes dele ter sido encaminhado em Brasília. “Mas ele não é definitivo”, justifica o secretário municipal. “Ele também está sendo avaliado pela equipe do Iphae e pode haver algumas indicações do que pode precisar preservar mais e do que está ok.”
A revitalização do calçadão, contudo, não encontra barreiras apenas nos defensores do patrimônio histórico. “Aquele calçadão que já fizeram na frente da Câmara, pra nós, foi um atraso”, critica Nilton Ramos Garcia, dono de casa na beira do rio. O morador denuncia que, com a obra, ele e os vizinhos acabam tendo que conviver com conversas e som alto até altas horas da madrugada; algo que tende a se intensificar com a ampliação da área de convívio. “Vocês não aceitariam na frente da casa de vocês um agrupamento com som alto a madrugada toda”, provoca. “Eles tinham que vir nos moradores fazer uma consulta e ver se é de fazer ou não, já que quem é prejudicado ou beneficiado somos nós.”
Assunto foi tema de debate na Rádio Ibiá Web