Insegurança alimentar. Situação de vulnerabilidade se agrava e é considerada crítica
Moradora do bairro Senai, vive de perto os impactos gerados pelo agravamento da pandemia de Covid-19. No ano passado ela trabalhava como doméstica, mas com o início da crise sanitária foi dispensada das casas onde realizava o serviço. Atualmente a única renda da família é o dinheiro que recebe da pensão dos filhos, no valor de R$ 700,00.
A montenegrina relata que, com o seis filhos em casa, os gastos aumentaram. “As crianças estão todas em casa. Não tem escola e não tem creche, então tudo fica mais difícil”, relata. Liane conta que a única ajuda que tinha era a cesta básica retirada na Secretaria Municipal de Habitação, Desenvolvimento Social e Cidadania (SMHAD), mas esse ano ainda não conseguiu o benefício. “No ano passado todos os meses eu recebia a cesta básica, desde quando começou a pandemia. Esse ano teve que se recadastrar de novo e desde janeiro eu estava tentando ligar para agendar”, afirma. No início do mês de abril Liane conseguiu agendar o recadastramento, mas somente para o mês de junho.
Enquanto aguarda para fazer a reavaliação junto ao Cras, Liane tenta se virar como pode. “Pra mim representava uma grande ajuda, porque as coisas estão bem caras no mercado, é o azeite que subiu bastante, o feijão, o arroz, preços absurdos”, aponta. A moradora afirma que o valor da cesta básica equivale ao da luz que paga mensalmente, e que sem receber o benefício é um custo a mais no orçamento, já apertado da família. “Tem complicado bastante, porque nesses meses que eu não recebi a cesta básica é uma coisa a mais que eu tenho que comprar. Então é bem difícil com todas as crianças em casa. Vou te dizer que é uma luta a cada dia”, relata.
As dificuldades vivenciadas por Liane também são compartilhadas por outros montenegrinos. É o caso de Luana de Souza, moradora da localidade de sobrado, interior de Montenegro. Desempregada e tendo como única renda o valor recebido pelo Bolsa Família, a principal dificuldade tem sido comprar as fraldas para o filho de um ano e sete meses. Luana diz que toda a ajuda é bem vinda (O contato é 51 996049955).
A situação de Liene e Luana também é o retrato de milhões de brasileiros. Isso é o que mostra a pesquisa “Insegurança alimentar e Covid-19 no Brasil”, divulgada este mês pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). O estudo foi realizado em 2.180 domicílios nas cinco regiões do País, em áreas urbanas e rurais, entre 5 e 24 de dezembro de 2020. Os resultados mostram que nos três meses anteriores à coleta de dados, em 55,2% dos domicílios os habitantes conviviam com a insegurança alimentar, um aumento de 54% desde 2018.
Em números absolutos: no período abrangido pela pesquisa, 116,8 milhões de brasileiros não tinham acesso pleno e permanente a alimentos. Um cenário que deixa exposto o problema gerado pela combinação das crises econômica e sanitária. Outro dado preocupante é em relação à fome: A Central Única das Favelas (Cufa) aponta que 10 milhões de brasileiros passam fome. Já dados da Fundação Getúlio Vargas mostram o número de cidadãos que vivem abaixo da linha da pobreza triplicou em um ao de pandemia, e atinge cerca de 27 milhões de pessoas, o que representa 12,8% da população brasileira.
1.125 reavaliações de cestas básicas
A Prefeitura de Montenegro iniciou em janeiro a revisão cadastral dos beneficiários que retiravam a cesta básica junto à SMHAD. Segundo a pasta foram encontradas irregularidades na distribuição dos mantimentos, o que levou a fazer a revisão. De acordo com a Coordenadora do Centro de Referência em Assistência Social (Cras), Maria Elis da Silva, a Zazá, no primeiro trimestre deste ano foram realizadas 1.125 avaliações e reavaliações para concessão de cestas básicas. No mesmo período foram concedidos 1.287 cestas básicas considerando casos de primeira e segunda liberação.
Mas a demora para realizar o recadastramento vem gerando alguns questionamentos. Conforme Zazá, neste momento estão disponíveis datas para a reavaliação somente no mês de junho. “Definimos dois dias da semana para fazer o agendamento para o recadastramento, se isso não fosse feito teria uma sequência de filas aqui em frente ao Cras e iria gerar muita aglomeração”, destaca. O agendamento presencial está acontecendo nas terças-feiras, com disponibilização de 42 fichas, e nas quintas-feiras, com atendimento por telefone.
A coordenadora do Cras ressalta que se for verificado que a pessoa necessita do benefício antes da data do recadastramento ela é encaminhada para receber a cesta básica. “No agendamento a gente já pergunta qual a situação da pessoa, se ela está com muita necessidade, se tem muitos filhos. Se for identificado que ela necessita, essa pessoa é encaminhada para receber uma cesta básica para se manter neste período”, ressalta.
Conforme Zazá, outro trabalho importante é a ajuda dos agentes comunitários na identificação das pessoas que necessitam do benefício. “A agente está trabalhando muito com os agentes comunitários. Eles estão nos encaminhando essas situações e como eles estão lá vivenciando a situação fica mais fácil para identificar essas situações”, afirma.
Das 1.125 reavaliações realizadas pelo Cras no primeiro trimestre deste ano, o benefício foi negado para 140 pessoas. Para Zazá, o número comprova a vulnerabilidade da maioria das famílias que retiravam o benefício. “Estamos fazendo a humanização desse atendimento, ouvindo as necessidades e se colocando no lugar das pessoas. Isso é importante para entendermos a situação de cada pessoa”.
Momento crítico em Montenegro
Em entrevista à Rádio Ibiá, a chefe do setor de Regularização Fundiária da secretaria municipal de Habitação, Desenvolvimento Social e Cidadania, Mainara Kuhn, revela que implementação de um restaurante popular na cidade já é cogitada, tamanho o aumento da população em situação de vulnerabilidade. “O secretário Luís Fernando (Ferreira) já visitou um modelo de restaurante popular para verificar como é o andamento para fazer aqui. Ver as formalidades jurídicas, o que precisaríamos implementar aqui”, conta. “O município já vem estudando a viabilidade jurídica, financeira e qual a realidade de pessoas que esse restaurante atenderia”.
Mainara afirma que a cidade está atingindo um momento crítico de vulnerabilidade social. Desde janeiro já foram distribuídas 4058 cestas básicas em Montenegro. “Nós fazemos um atendimento duplo na Secretaria e no Cras: desde de pessoas que já recebiam a cesta básica até o que chamamos demanda espontânea”. A demanda espontânea, que mais está crescendo, é aquela que ocorre quando a pessoa, por perda de renda ou outros fatores, vai até a SMHAD ou ao Cras em busca de cestas. “Eu falei em mais de quatro mil cestas e cada uma delas alimenta mais de uma pessoa então, dá pra termos uma noção do universo de pessoas que estão precisando desse auxílio”, avalia Mainara.