Plano de saúde dos servidores: Prefeitura e Unimed brigam na Justiça

DISCUSSÃO gira em torno do fornecimento de remédio para a filha de uma servidora pública

O fornecimento de um remédio para atender a uma adolescente doente desencadeou ações na Justiça que estão azedando as relações entre a Prefeitura de Montenegro e a Unimed Vale do Caí. A discussão é sobre o papel do plano e do Município no pagamento do medicamento Spinraza, empregado no tratamento de uma doença chamada Atrofia Muscular Espinhal (AME). A paciente tem 14 anos e é filha de uma servidora. Cada dose custa R$ 372 mil e a prescrição é de seis neste ano, totalizando mais de R$ 2,2 milhões.

As polêmicas em torno do caso começaram no ano passado, mais precisamente em outubro. Na época, o contrato entre a Prefeitura e a cooperativa para o atendimento a cerca de 3.500 funcionários e dependentes estava vencido, e foi necessário formalizar um acordo emergencial de 90 dias, até que a nova licitação estivesse concluída. Os termos ajustados pelas partes previam reajuste de 3,81% sobre o valor praticado até então. Segundo o ex-procurador geral do Município, Marcelo Augusto Rodrigues, antes da assinatura, porém, a direção da cooperativa voltou atrás e anunciou que o aumento deveria ser de 31,89%.

“Na época, eles informaram que, em momento futuro, a cooperativa poderia ser compelida a pagar um tratamento muito caro, por decisão judicial. Na esfera administrativa, o pedido já havia sido negado”, recorda Marcelo. Ele explica que o Município negou o pedido, pois seria irregular conceder um aumento nestes índices diante de uma mera possibilidade. Como não houve acordo neste sentido e o contrato emergencial não havia sido assinado, a cooperativa suspendeu os atendimentos, mas o Município conseguiu na Justiça uma liminar determinando a continuidade da prestação dos serviços.

ATENDIMENTO
Diante do impasse e com uma nova licitação em andamento, o assunto passou a ser discutido pelos integrantes do Conselho Gestor do Fundo de Assistência à Saúde (FAS). O órgão administra os ativos oriundos das contribuições dos servidores e da própria Prefeitura. Segunda-feira à tarde, em reunião na Câmara, a presidente Nara Cristina Santos e a contadora Maria Cristina de Campos Zirbes detalharam a situação.

Segundo as dirigentes do FAS, havia o receio de que a licitação fosse deserta, o que deixaria milhares de pessoas sem cobertura. Por isso, o Conselho resolveu incluir uma cláusula no processo, estabelecendo que, no futuro, se houvesse uma indicação médica para o uso do medicamento Spinraza, ele deveria ser fornecido pela empresa vencedora da concorrência, mas ela poderia se ressarcir junto ao FAS, que possui uma reserva de contingência para situações desta natureza.

Nara ressalta que a outra alternativa seria aumentar as contribuições de todos os segurados. “Aí todos iriam pagar mais por um gasto que a gente nem sabia se seria efetuado ou por quanto tempo”, sublinha. Ainda que, naquele caso já existente, a indicação fosse de seis ampolas, sempre existe o risco de rejeição pelo organismo do paciente ou até mesmo a constatação de que o remédio não surtiu o efeito desejado, levando à suspensão da administração. “O uso da reserva foi a alternativa mais racional”, emendou Maria Cristina Zirbes.

NOVO CONTRATO
Concluída a licitação, a empresa vencedora foi a própria Unimed e o novo contrato foi assinado em 21 de novembro. Logo depois da formalização, a cooperativa encaminhou ao Município uma fatura de R$ 372 mil referentes ao pagamento de uma dose do remédio Spinraza. Como na nova relação existe uma cláusula que permite esse ressarcimento, a secretaria municipal da Fazenda acabou usando dinheiro do FAS e pagou a conta, em 4 de janeiro.

Dias depois, a Administração resolveu anular a operação, alegando que foi induzida a erro, já que a obrigação de fornecer, efetivamente imposta à cooperativa pelo Judiciário em outubro do ano passado, ocorreu num momento em que ainda não havia esta cobertura. Para a Administração, é claro que o pagamento se referia a uma dose devida à paciente antes da assinatura do novo contrato.

Por isso, a Prefeitura descontou R$ 372 mil na fatura devida à Unimed no dia 10 de abril. A cooperativa recorreu ao Judiciário, que mandou o Município pagar. Contudo, o chefe de gabinete do prefeito, Rafael Riffel, disse na segunda-feira que a Administração segue contestando os valores referentes ao Spinraza.

Vereadores chegaram a falar em cassação
O que, a princípio, parecia uma simples questão comercial, onde um fornecedor busca reajuste de preços por conta de um novo serviço oferecido, transformou-se em polêmica no campo político. Primeiro nas redes sociais e depois na Câmara de Vereadores, houve acusações de que o prefeito Kadu Müller havia cometido crime de responsabilidade por fazer um pagamento irregular. No Legislativo, inclusive, a oposição chegou a falar em Impeachment.

A bancada governista decidiu promover a reunião de segunda-feira para que a Administração e os dirigentes do FAS pudessem explicar o que houve. A iniciativa foi dos vereadores Rose Almeida e Josi Paz (PSB), Talis Ferreira (PR) e Joel Kerber (PP). Da bancada de oposição, compareceu apenas Juarez da Silva (PTB). Faltaram Cristiano Braatz e Felipe Kinn da Silva (MDB), Neri de Mello Pena (PTB), Erico Velten (PDT) e Valdeci Alves de Castro (PSB).

Unimed diz que tem amparo em contrato
O presidente da Unimed Vale do Caí, Everton Bochi, diz que a polêmica não se justifica e que basta analisar as datas de cada passo da discussão para constatar que não houve nenhuma cobrança irregular. Ele afirma que, em nenhum momento, houve tentativa de ludibriar o poder público ou induzi-lo a erro. “Sempre agimos com a máxima transparência”, assegura.

O gerente-excutivo Marcelo Goldbaum, que acompanhou as negociações com o FAS, reforça que o comportamento da cooperativa sempre visou uma relação clara, objetiva e que atendesse aos interesses dos cerca de 3.500 usuários vinculados à Prefeitura. Tudo que foi discutido, segundo ele, está documentado, ao alcance dos interessados.

Bochi lembra que a Unimed nunca escondeu o risco de vir a ser obrigada a pagar o remédio Spinraza. “Nós, inclusive, avisamos o FAS a respeito e explicamos que, neste caso, não teríamos como participar da nova licitação nos termos propostos e foi do conselho do FAS a ideia de usar uma reserva para cobrir os valores em caso de necessidade”, ressalta.

Goldbaum observa que a Unimed venceu a licitação e o contrato novo, prevendo o fornecimento do remédio, foi assinado em 21 de novembro. Somente cinco dias depois ocorreu a compra junto ao laboratório. “A paciente só recebeu a primeira ampola em 17 de dezembro”, afirma.

Quando, em 4 de janeiro, a Prefeitura efetuou o pagamento da primeira dose, a direção da Unimed imaginou que a situação estivesse resolvida. “Por isso, estranhamos muito toda esta situação, especialmente o fato de terem descontado o pagamento já efetuado em abril”, afirma Everton Bochi.

O presidente da Unimed relata que existem mais três ampolas, já administradas, a serem ressarcidas, no valor de R$ 1,45 milhão. O não pagamento afeta o equilíbrio financeiro do plano dos servidores e seus dependentes.

O que é o Spinraza?
Trata-se de um medicamento indicado para o tratamento de pacientes com Atrofia Muscular Espinhal (AME), uma doença genética, causada pela ausência de uma

determinada proteína SMN (chamada de sobrevivência do neurônio motor), resultando na degeneração das células nervosas motoras na coluna vertebral. Este quadro leva à fraqueza dos músculos nos ombros, quadril, coxas e parte superior das costas. Há também um enfraquecimento dos músculos envolvidos na respiração e deglutição.
O Spinraza atua na produção da proteína SMN que a pessoa com AME precisa. Isso reduz a perda das células nervosas motoras, melhorando a força e o tônus muscular. O medicamento pode ser administrado em crianças, adolescentes e adultos.

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