Liane Pereira: superação que virou exemplo de vida

Através da Cufa, ela e outras mulheres terão histórias contadas em documentário, nesta quarta-feira

Nascida e criada no interior de Montenegro, em Serra Velha, Liane Pereira da Silva, 38, que atualmente mora na Vila Esperança, é mãe solo de seis jovens. São eles: Jonathan Luis, 19, Edivan, 18, Indrid, 16, Yasmin, 14, Írys, 11, e Mirhara, 7. A vida não foi nada fácil para esta família. Com apenas 17 anos, Liane se casou e largou os estudos para cuidar dos filhos. Após ter passado por situação de violência doméstica e humilhação, a história desta mãe evidencia que a união com os filhos foi alicerce para dar um basta na relação com seu agressor e seguir sozinha na jornada de criação, mesmo que com muitas dificuldades.

Seu agressor e ex-marido tinha problemas com alcoolismo e chegou a quebrar tudo dentro de casa, na frente dos filhos. Foram diversos os episódios de agressão contra a mulher. Para Liane, seus filhos, mesmo pequenos, a incentivaram a sair de casa enquanto tinha tempo. “Para o meu ex-marido, um litro de cachaça valia mais do que um litro de leite. Mesmo ele sendo pai, meus filhos não queriam mais viver aquela vida. Ele nunca bateu nas crianças, mas elas viam meu sofrimento. Com 18 anos eu tinha aparência de cansada, acabada, muito mais do que tenho agora, com quase quarenta anos”, destaca.

Após conseguir se desvencilhar do agressor, Liane conta que a união com os filhos foi mútua, o que a fez “segurar as pontas”. “A gente tem uma relação muito íntima. Eles me contam tudo que acontece com eles e eu do mesmo modo. Sentamos juntos, falamos das dificuldades, choramos, conversamos. A gente passou por muita dificuldade, passou fome, mas a gente continua junto”, pontua.

“Eu acho que eu sofri uma lavagem cerebral, onde tudo que estava passando parecia normal”
Liane relembra que durante os nove anos que seguiu casada com seu agressor, tinha pouco conhecimento sobre quais eram, de fato, seus direitos como mulher. “Demora para a gente perceber que está sendo manipulada e agredida verbalmente e fisicamente. A pessoa te dá um tapa, te pede desculpas e tu acha que vai melhorar, mas no fundo isso é mentira. Vai piorar. Demora para percebermos que isso não é amor e que não te faz feliz. Eu acho que sofri uma lavagem cerebral, onde tudo que eu estava passando parecia normal”, destaca.

Liane Pereira da Silva é uma das mulheres que acabou com ciclo de violência doméstica e cria seus seis filhos

A mãe conta que levou anos até conseguir encarar a realidade e se livrar de vez da situação, e que tudo foi um ciclo desgastante. “Eu vi que estava sob cárcere privado quando eu não podia ir até minhas vizinhas tomar um chimarrão e quando minha família muito pouco podia vir me visitar – e quando vinha, era sob olhares atentos dele”, relembra. Liane recorda quando sentiu que era a gota d’água. “Apanhei muito na frente de pessoas e familiares e ninguém nunca fez nada. Foi quando eu vi que era o momento de fugir daquela relação. Eu dei um pulo no escuro, sem saber o que estava por vir”, detalha.

Apesar de tudo que passou até conseguir fugir do ciclo de violência, Liane diz que, de certo modo, as lutas valeram a pena. “Cada cicatriz e machucado foi um aprendizado para eu ser a mulher e mãe que sou hoje. Não abaixo a cabeça, não desisto por pouco. Sou a prova viva, estou aqui. As mulheres são muito mais guerreiras do que imaginam”, finaliza.

Depois de receber ajuda, Liane se torna voluntária da Cufa
Há quase dois anos, a Central Única das Favelas, (Cufa) entrou na vida de Liane em um momento de muita dificuldade para dar um alento a mais à sua família. No ápice da pandemia, ela perdeu seu emprego de doméstica e solicitou à Central para que entrasse no projeto Mães da Favela. “Chamei eles, que prontamente me visitaram, viram a minha realidade e me encaixei no perfil para receber os benefícios”, relembra. Liane reforça que a ajuda foi fundamental para conseguir colocar o pão na mesa dos seis filhos. “Nem um único mês eu fiquei sem receber cesta básica, leite, roupas ou cobertores”, destaca.

Após tanto apoio recebido, Liane decidiu se tornar uma voluntária e ajudar outras mães e mulheres junto à Cufa. “Passei a ver as necessidades das pessoas e me sinto muito grata de poder ajudar, não financeiramente, mas com boas ações. Só o receber é bom, mas quando tu te doa, um pouquinho que seja, é melhor ainda”, afirma.

O intuito de Liane é abrir os olhos de outras mulheres para que não precisem suportar a situação pela qual passou. “A gente dá conselhos às mulheres, tenta mostrar que não é bem assim que as coisas funcionam e que elas têm direitos. Está tudo bem se a mulher não lavou a louça antes de sair de casa. Está tudo bem se ela não conseguiu limpar a casa toda em um dia. Isso não é um peso”, diz.

Diferente de tempos atrás, hoje as mulheres têm maior amparo. Liane relembra que já passou por situações constrangedoras quando foi denunciar seu agressor. “Para que uma mulher chegasse a uma delegacia e registrasse um boletim de ocorrência anos atrás, era uma dificuldade. Eu mesma já passei por esta situação onde fui denunciar. Ouvi que deveria voltar para casa, pensar melhor, porque dali a algum tempo estaríamos juntos de novo”, desabafa. Ela relembra que muitos preconceitos e barreiras foram quebrados acerca das mulheres, mas as coisas precisam continuar evoluindo. Por isso, dá um conselho que vale ouro: as mulheres que passam por uma situação parecida precisam sair do “casulo” e procurar auxílio.

Documentário conta história de Liane e outras mães
Liane está entre as seis mães escolhidas para o documentário “Mães do Brasil”, coprodução inédita da Favela filmes com a TV Globo e Kodzilla, em parceria com a Cufa. As mulheres que travam uma batalha diária para conseguir o sustento de suas famílias terão suas histórias contadas neste documentário, que vai ao ar hoje quarta-feira, 1° de dezembro, na rede Globo, após a novela das nove, Um Lugar ao Sol. O trabalho destaca, ainda, a importância das redes de apoio para mulheres.

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