Além do valor material, há objetos que são irrecuperáveis
“Não são apenas objetos materiais”. Essa frase tem sido repetida frequentemente nas últimas semanas. Quem perdeu álbuns de fotos de família, um objeto herdado de um ente querido ou até o próprio lar, entende o significado dessas palavras. Não se trata do valor financeiro dos objetos, mas das memórias e sentimentos associados a eles.
O empresário Eduardo Sebastião Flores, dono da Sul Florestal, prestadora de serviços da Tanac, refletiu sobre isso ao ver fotos de materiais recolhidos por seus funcionários na remoção de entulhos nas ruas de Montenegro. “A gente começa a refletir sobre os sonhos que as pessoas tinham e de repente vem uma catástrofe dessas e leva embora tantas coisas”, observa.
Itens como uma pequena gaita, brinquedo de uma criança levado pela correnteza, e uma cadeira onde alguém costumava descansar fizeram Eduardo pensar sobre os donos desses objetos e levantar muitas perguntas sem respostas. “Acredito que, talvez, aquela gaita gerou alegria não só para a criança, mas para a família vendo o menino brincar, talvez com o sonho de um dia se tornar um artista”, comenta.
“Diante da cela de um cavalo e da cadeira de praia, se perguntassem em qualquer lugar do Brasil onde foi a enchente, só de olhar para esses objetos as pessoas poderiam deduzir que foi no Rio Grande do Sul, só faltou a cuia do chimarrão. São símbolos da nossa cultura”, completa o empresário.
Perda de tesouros pessoais
Muitas pessoas não julgam um objeto pelo preço, mas pelo valor sentimental e pelas experiências que ele proporciona. A cela citada por Eduardo Flores pertence ao jovem
Leonardo de Oliveira, de 19 anos, morador da rua Otaviano Moojen, no bairro Municipal.
Leonardo conseguiu resgatar, lavar e aguarda a cela secar para guardá-la. Junto a ela, na frente da casa de sua família, vários materiais passaram pelo mesmo processo. Entre eles, a motocicleta elétrica de Marileti de Oliveira, 49 anos, mãe de Leonardo.
Quando soube da enchente, Marileti levou a moto para dentro de casa. Morando há 13 anos no mesmo endereço, ela não esperava que a água chegasse tão longe. “Colocamos ela em cima da cama e, mesmo assim, ainda pegou água, tapou todo o banco e a parte da frente. Essa é minha maior dor, é meu bem precioso, uma coisa cara”, conta a moradora. Com problemas de saúde, Marileti sente intensas dores nas pernas e costuma dizer que a moto é sua “segundas pernas”.“Perdi meu guarda-roupas, que era enorme e lindo, as fotos do meu neto. É um sentimento que não tem explicação”, conclui.
Herança submersa
Há poucos metros de distância da casa de Marileti, Michele dos Santos Clemente, 31 anos, viveu o medo de ver o imóvel, conquistado por sua mãe, ser devastado pela enchente. “Faz dois anos que perdi minha mãe, essa casa era dela. Vi ela batalhar a vida toda para construir essa casinha e aí vem a água e destrói praticamente tudo”, comenta Michele.
O revestimento das paredes, em madeira, envergou com a água que chegou à altura do aparelho de ar-condicionado. A escada teve de ser recolocada em seu lugar, pois foi arrancada pela correnteza.
A casa, reformada e mobiliada pela mãe de Michele, tinha pia, sofá e um painel para TV, entre outros móveis. Depois da enchente, restaram a máquina de lavar, o fogão, a geladeira e algumas peças de roupas, que foram limpas com lava-jato. Antes que a água invadisse totalmente a residência, Michele conseguiu retirar as fotos de seu filho, mas foi só isso que escapou da ação da natureza.
Os pais de dela compraram o terreno quando era criança e, ao longo dos anos, foram construindo e melhorando o imóvel. “Eu cresci aqui, dói muito passar por isso”, desabafa.
“Pés secos, coração molhado”
A empresa Sul Florestal, em parceria com a Tanac, está realizando o recolhimento de materiais das enchentes. “A Tanac fornece o diesel e nós as máquinas e a mão de obra. Atuamos juntos para ajudar a cidade a voltar ao normal”, relata o empresário Eduardo Sebastião Flores.
Embora sua casa não tenha sido alagada, Eduardo se comove com as perdas enfrentadas por tantas pessoas. “O coração dói. Quando as pessoas perguntam como estou, costumo dizer que estou com os pés secos, mas com o coração molhado. Não tem como a gente não se sensibilizar.”
Eduardo viveu a angústia de ver suas máquinas alagadas e chegou a pensar que não voltariam a funcionar. “Depois de alguns dias, conseguimos colocá-las para funcionar. Se Deus me deu a graça de ter as minhas coisas de volta, quis reverter isso para outras pessoas, ajudando a recolher os entulhos e contribuindo para a cidade voltar ao normal. Cada um tem que fazer a sua parte. Um pouquinho de cada um vai ajudar a cidade a se recuperar.”