Grupo mantém viva a tradição dos Ternos de Reis

Com seus versos rimados, os “Amigos de Montenegro” cantam e celebram a herança cultural dos antepassados

De violão na mão e seguido pelo parceiro, o mestre-versista canta: “Eu abro meu peito cantando, não sei quando vou parar”. Os contra-mestres repetem o verso, mais alto e com emoção. O mestre e o parceiro continuam: “Fazendo a demonstração, para o Jornal Ibiá”.

O grupo de Terno “Amigos de Montenegro” nos recebeu na casa de um de seus membros, Oneide Azeredo, o versista que acompanha o mestre. Em uma noite fria, parte do grupo se reuniu – como fazem periodicamente – para relembrar suas histórias e mostrar que a tradição antiga do Terno de Reis ainda segue viva.

Originalmente, os Ternos chegaram ao Rio Grande do Sul através dos açorianos. Eram “de Reis”, pois, em sua essência, eles têm cunho religioso. Anunciam, por meio da música e de casa em casa – do Natal até o dia 6 de janeiro – a chegada dos três reis magos que, segundo a fé católica, visitaram e presentearam o menino Jesus recém-nascido.

O caráter religioso ainda existe, mas muitos grupos de Terno se formaram para, além do período natalino, cantarem, alegrarem e emocionarem com seus versos em outras épocas do ano. Com as rimas, que são criadas na hora pelo mestre-versista e acompanhadas pelos companheiros, fazem música entre amigos, homenageiam aniversariantes e até – os “Amigos de Montenegro” contam – participam de velórios.

“Teve uma mulher que, antes de morrer, disse que queria um terno no velório dela”, lembra um dos contramestres – que também toca violão -, Tristão Rosicley de Azeredo. “Cara, o pessoal todo chorando e se abraçando. Nós fomos da porta do velório até o carro fúnebre. Não tem quem não se arrepia com isso.” Embalado pela emoção, Tristão conta que, em alguns momentos, nem conseguia cantar seus versos. “Emociona mesmo”, resume.

Os eventos mais comuns de participação, no entanto, são os aniversários. Com seus violões e gaitas, os “Amigos” chegam de surpresa na porta da casa do aniversariante e fazem a homenagem. Cada verso, criado na hora e sob medida para o homenageado. “No fim, tem todo um agradecimento. Tem quem chega a chorar, porque mexe em um ponto do cara”, coloca Tristão.

Graças à propaganda boca-a-boca, os “Amigos de Montenegro” têm a agenda cheia para praticamente todos os finais de semana. Tocam apenas pelo prazer da prática do Terno, mantendo viva a tradição antiga que começou no interior e que agora, segundo eles, está na cidade. Eles contam que tem outros montenegrinos que também cantam seus Ternos. Pela região, alguns eventos costumam organizar reuniões de todos os grupos e até premiá-los. Na estante da casa de Oneide, um dos troféus tem lugar de destaque e é motivo de muito orgulho para os “Amigos”.

Integrantes têm receio de que o costume se perca
Loí e Valter fazem parte do grupo há cerca de 50 anos. Tristão e Oneide entraram há cerca de dez, no lugar de membros já falecidos. Os “Amigos”, segundo eles, já estão na terceira geração. Todos aprenderam suas partes, no Terno, com os pais e avós. O receio de que a tradição eventualmente se perca é grande.

Mestre-versista, Loí Carvalho conta que deixa a emoção fluir para criar, na hora, os versos de seu Terno

“Eu acho que na hora em que acabar essa remessa de pessoas vai terminar o Terno”, lamenta Loí. “Os antigos vão morrendo e a coisa vai se perdendo.” No último Natal, o tradicional Terno de Reis nem foi praticado pelos “Amigos de Montenegro”. Eles apenas seguem nos demais eventos. Poucos, afinal, ainda carregam o costume.

“É uma coisa que vai morrendo aos poucos”, complementa Tristão. Ele aponta que a maior dificuldade é a de encontrar mestres-versistas, como Loí, que criem e conduzam os versos. “Tem sim quem toque, mas dos mais novos não tem quem queira assumir de puxar o Terno”, explica. Como parte do patrimônio cultural do município, é preciso esforço para que a prática não desapareça.

Todos pelo mestre-versista
Os “Amigos de Montenegro” têm um total de seis membros. Quatro são “fixos” e existem os “reservas”, como colocam os participantes. Todos moram na área urbana de Montenegro. O quarteto principal é composto pelo contramestre Tristão Rosicley de Azeredo, 61 anos, que também toca violão; pelo segundo contramestre Valter Luiz da Rosa, 72 anos, que também toca pandeiro; pelo versista Oneide Azeredo, 58 anos, que também toca gaita; e pelo líder do grupo – que toca violão e cria os versos -, o mestre-versista Loí Carvalho, 68 anos.

“Se o Loí erra, todo mundo erra junto”, brinca Tristão, ao resumir o papel do colega. Loí aprendeu o terno com os pais e primos. Na hora do verso, ele conta, deixa as palavras fluírem conforme a emoção que sente. “Tem que saber para chegar tocando, tudo sempre com o verso rimado”, coloca ele. Cabe ao versista Oneide cantar paralelamente com o mestre as frases recém-criadas. “Tem que acompanhar o verso na corrida”, aponta ele. Os dois contramestres repetem tudo e assim segue o Terno.

 

Últimas Notícias

Destaques