Desafio das administrações públicas é precisar de grandes empreendimentos, mesmo que, enquanto evoluem, eles venham a se tornar os mais poluidores
Desde a Revolução Industrial, a economia avançou com a criação de indústrias, a produção em grande escala e a invenção de novos produtos. Houve um inegável avanço da sociedade, mas todo este lado positivo é posto em cheque com um considerável impacto negativo, que é apontado ao meio ambiente. Grandes empresas passaram a consumir muitos recursos naturais e a gerar poluição.
A degradação ambiental foi crescente e desenfreada durante os séculos 19 e 20. Dos resultados, pode-se citar a contaminação da água e do solo, a poluição atmosférica, a retirada de florestas e o surgimento de novas doenças, até então desconhecidas. Diante desta realidade, a preocupação com a preservação tornou-se crescente e coube aos gestores do mundo todo o desenvolvimento de políticas públicas que impusessem certos controles.
Na realidade atual, é preciso reflexão. Como administrador de um país, de um estado ou de um município, o líder precisa contar com grandes empreendimentos no meu território. Eles geram impostos, geram empregos e movimentam a economia. Diante disso, no entanto, é preciso lidar com todo o impacto ambiental que determinada atividade produz. É realmente aceitável prejudicar a natureza em prol destes benefícios econômicos?
O secretário municipal de Indústria e Comércio, Elias da Rosa, conta que, no momento em que uma empresa expressa interesse à pasta na instalação em Montenegro, é feita a “análise de risco do negócio”. Partindo das atividades que a instituição pretende executar, o projeto passa, na Prefeitura, pelo Meio Ambiente, Obras, Saúde e Planejamento. Isso ocorre internamente, com cada um verificando pontos de sua competência. Cabe ao Meio Ambiente, então, esse primeiro “crivo” da área ambiental e dos possíveis impactos.
Se liberada, a empresa começa os trâmites de instalação. Para isso, precisa do licenciamento ambiental. Por determinação federal, compete ao estado, com a Fepam, a fiscalização de empresas de grande porte. As de menor são competência da Prefeitura. O tema é historicamente polêmico em Montenegro e foram justamente supostas irregularidades com documentações do tipo que deram início às investigações da Operação Ibiaçá e culminaram no impeachment de Luiz Américo Aldana.
Como explica o secretário municipal de Meio Ambiente, Adriano Chagas, a etapa de licenciamento prévio tem início com um segundo levantamento – agora da empresa – sobre os impactos de instalação. “Um quantitativo e um qualitativo de fauna e flora e um laudo geológico do lugar onde vai ser instalada a empresa”, exemplifica.
Os laudos entregues pelos empresários – assinados por um técnico devidamente formado – são analisados pelo órgão fiscalizador, que precisa determinar compensações e regras a serem seguidas, de acordo com cada atividade. Ali também pode haver uma negativa à instalação. Em resumo, as normas do licenciamento foram criadas para privar que qualquer atividade privada “jogue” parte de suas responsabilidades ou problemas para a sociedade. Isso no papel.
Quais impactos são esses?
O impacto primário na instalação de uma grande empresa é a supressão de vegetação e movimentação do solo. “Isso vai ser significativo para a flora e para a fauna, porque, dependendo da dimensão da empresa, há um desequilíbrio no sistema daquele local”, ressalta o secretário de Meio Ambiente. “Tu vai retirar árvores que podem ter ninhos, vai movimentar solo onde podem ter tocas de determinados animais.”
Já em operação, uma atividade com grande potencial poluidor, se fizer uso das técnicas de gestão ambiental e das atuais tecnologias, não necessariamente vai poluir além dos padrões aceitos. Já uma empresa com potencial poluidor baixo, mas que desenvolva suas atividades às margens dos padrões legais, pode ser mais poluidora.
As consequências dessa poluição vão desde a emissão de resíduos sólidos ou efluentes líquidos químicos, até as emissões atmosféricas, quase imperceptíveis. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2015, a poluição causou 9 milhões de mortes no mundo.
Há também a poluição sonora que, ao lado da atmosférica, é comum. “Tratam-se de externalizações negativas, infelizmente muito comuns e que afetam, conforme queixas que nós identificamos, muitos moradores de áreas rurais e urbanas de Montenegro”, revela o presidente do Comdema, Rafael Altenhofen.
Municípios podem dizer não a algum grande empreendimento?
Hoje instalada no Distrito Industrial de Montenegro, a Hexion – indústria que produz resinas para o setor moveleiro – tentou investir e se instalar primeiramente no município de Glorinha. O empreendimento já estava em fase de licenciamento, mas – prestes a ser colocado em uma região onde havia muitos banhados e áreas de preservação – houve grande pressão popular para que a empresa não ficasse por lá. Vieram para Montenegro.
Secretário municipal de Indústria e Comércio, Elias da Rosa garante que o município tem condições de dizer não a um empreendimento, dada a “análise de risco do negócio” feita. “Mas normalmente, a gente não tem problemas. Quando a empresa vem para se instalar, ela já vem com um foco, buscando uma região que tenha, principalmente, facilidade de logística”, destaca ele, em referência ao Distrito Industrial de Montenegro.
Conforme Elias, o Distrito, que fica junto ao Polo Petroquímico, é um dos principais atrativos da região. Ele já tem muitas indústrias químicas – de potencial poluidor – e, por isso, tem toda a preparação necessária, com as licenças, para minimizar os impactos ambientais. Além disso, o local fica distante do Centro da cidade, não levando grandes consequências da poluição aos munícipes.
Adriano Chagas, do Meio Ambiente, dá mais detalhes. “Dentro do Polo, quando o Distrito foi planejado, os projetistas já pensaram que aquilo traria uma poluição um tanto difícil de controlar. Nenhum controle humano é 100% eficiente e, podendo ter falhas, eles pensaram em uma medida geral de proteção, com um mecanismo de controle.”
O secretário explica que, lá, o local foi pensado para ser rodeado por um cinturão de proteção do aquífero e da vegetação. A primeira medida é como uma bacia, que atua como um diluidor e contentor de eventuais vazamentos de resíduos químicos dos processos petroquímicos. A segunda é uma área verde – o antigo Parque da Copesul – que tem a função de controlar a poluição atmosférica no ar. “Tudo em função de minimizar o impacto e de manter ele dentro do complexo, para que isso não migre para as regiões mais urbanizadas”, frisa.
As compensações realmente compensam?
O impacto ambiental de instalação de uma empresa geralmente demanda ações compensatórias que são definidas pelo órgão fiscalizador (a Fepam ou a Prefeitura). A empresa Fujikura, por exemplo, recentemente repassou mais de 3 mil mudas de árvores nativas, que foram plantadas às margens do Arroio São Miguel. Isso porque, para construir seu prédio, a instituição precisou suprimir algumas espécies. Alguns impactos, no entanto, – no que se refere a poluição do lençol freático, por exemplo – não são compensáveis e representam negativa à instalação.
Presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema), Rafael Alenhofen problematiza que, por vezes, opta-se por realizar as compensações ao invés de agir no problema para mitigar o impacto. “Em tese, a compensação é muita mais barata para o empreendedor, mas, mais cara à sociedade, que passa a receber as externalidades (impacto poluente) negativas”, coloca.
Ele exemplifica que um empreendimento, ao invés de instalar um sistema de tratamento de gases para minimizar a poluição atmosférica – algo que não é cobrado no licenciamento -, usa da compensação, plantando árvores no município. “Mesmo sabendo da importância dessas árvores para a qualidade ambiental e sua contribuição na qualidade do ar, sabemos que elas, sozinhas, não conseguem tratar a poluição atmosférica”, aponta.
Apesar da ressalva, ele acredita que, se aplicados os regramentos vigentes, é possível reduzir os impactos. “Embora tenhamos algumas grandes lacunas ou falhas na legislação, as leis, se cumpridas à risca, deveriam reduzir o potencial impacto ambiental negativo”, indica. A questão reside em aspectos relativos à correta aplicação da lei.
Duas indústrias de tratamentos de resíduos sólidos querem se instalar
A parte da estrutura do Distrito Industrial, há um exemplo atual e bem claro da questão “impacto ambiental” em discussão em Montenegro. Duas empresas já indicaram interesse em instalar indústrias de tratamento de resíduos sólidos na região.
A primeira – com tratativas mais avançadas – é uma Usina de Biogás que, com o uso de digestores biológicos, pretende se instalar no Porto dos Pereiras. A segunda pretende a mesma função, mas por meio de um processo de queima (pirólise), que é bastante poluente.
Em conversas com a Fepam, o secretário municipal de Meio Ambiente contou que o órgão tem interesse em facilitar a instalação da primeira opção, mas é cauteloso em relação à segunda.
“A Fepam é muito restritiva com esse tipo de tecnologia (da pirólise). A do biodigestor já é mais atraente, tanto que, em contato com eles, falaram muito bem da empresa. Falaram que estão, inclusive, acelerando o processo em função de que é muito inteligente fazer esse tratamento pro resíduo sólido urbano”, destaca.