“JUNTOS PELO IBIÁ”. Após ser vítima de crime cibernético, empresa lança campanha para valorização do Jornal local
Em 27 de dezembro do ano passado, a comunidade foi informada que, no Natal, o Ibiá havia sido hackeado. Todo o banco de dados, contas a receber, contas a pagar, cadastro de clientes e de anunciantes, relatórios de rotas de entrega, arquivos de páginas, arquivos de fotos, anúncios, artes, e-mails, haviam sido criptografados. Os dados não foram roubados, eles permaneceram no servidor da empresa, porém, inacessíveis.
Diante de questionamentos como: não havia backup? Por que os dados não estavam em nuvem? Por que não era usado antivírus? Não existia nenhuma barreira de firewall? Naquele momento, a direção da empresa conseguiu esclarecer as dúvidas somente para alguns leitores. Por isso, hoje, o Ibiá explica o ocorrido à comunidade em geral.
Conforme Mara Rúbia Flôres, diretora do Ibiá, a tecnologia avança de forma que nem sempre conseguimos acompanhar seu ritmo: o sistema utilizado na empresa já estava ultrapassado, o que aconteceu, segundo Mara, por uma única razão: falta de capacidade de investimento. “Sempre priorizamos pagar em dia salários, encargos da folha de pagamento, fornecedores e impostos. Nos últimos anos, fizemos muitos ajustes para enxugar e adequar nossa estrutura à nossa capacidade financeira, nos impedindo de fazer upgrade em nosso sistema de segurança”, explica a gestora.
Fragilidade no sistema de proteção de dados
Apesar de frágil, existiam barreiras de defesa do sistema de proteção de dados na empresa. Não foram, entretanto, suficientes para impedir a invasão criminosa. “No que tange ao armazenamento dos dados, havia um sistema de backup espelhado, no qual três cópias iam sendo atualizadas automaticamente em nosso servidor. Assim, em caso de um dos HDs “estourar”, haveria mais duas cópias”, conta Mara sobre as precauções adotadas para evitar a perda de dados.
“Tínhamos ainda um sistema de HD externo, com atualização simultânea, com os dados do sistema financeiro, que estava no prédio do Ibiá, mas em um local preservado, à prova de fogo. Infelizmente este HD, que poderia ser a ‘salvação’, ao menos em relação aos dados de clientes, fornecedores e financeiros, havia estourado”, revela a empresária. “Em vista do grande volume de imagens, páginas, fotos, artes, logotipos, enfim, itens que mais ocupam espaço, o serviço de armazenamento externo significava mais um alto custo fixo à empresa”, justifica.
Constatado o crime cibernético, a direção da empresa, área administrativa e prestadores de serviço em Tecnologia da Informação, debruçaram-se na busca pela “chave” para destrancar as informações.
“Contratamos uma empresa especializada em descriptografia, ou seja, na transformação de dados que foram tornados ilegíveis por meio da criptografia. A análise apresentada apontou que o método de criptografia utilizado era desconhecido e ainda não estudado, nem mesmo por seus parceiros na Ásia, Europa, África e Estados Unidos”, relata Mara.
Durante 15 dias seguintes, por email, houve várias tentativas de reduzir o valor do resgate, pedido pelo hacker em bitcoins (dinheiro eletrônico), para fornecer a chave para descriptografia. “Foram 15 dias de desespero e incertezas”, diz Mara. “Finalmente, no fim da tarde de 9 de janeiro, após pagamento de um valor de resgate, recebemos a chave para descriptografia. Porém, perdemos cerca de 10% dos arquivos de textos, planilhas, imagens e fotos. Mas, a essência foi recuperada”, explana Mara.
Explicação técnica sobre o caso
A explicação dos técnicos em Tecnologia da Informação, que trabalharam para tentar reverter a criptografia dos dados da empresa, corrobora com as colocações feitas pela diretora do Ibiá, Mara Flôres. “O jornal foi vítima de sequestro de dados. Esses dados foram criptografados/fechados com uma ‘chave’ que a gente não tinha acesso, só o hacker tinha”, ilustra Antônio Oliveira.
“O ataque foi muito aprimorado e devastador. Os servidores tiveram mais de 80% dos seus dados mais importantes criptografados, e o que mais assustou foi a forma como muitos backups ocultos e protegidos tiveram suas informações também comprometidas. Dados bloqueados com senhas, além de unidades de disco ocultas foram encontradas e também criptografadas”, explica Bruno Vitório Bozzetto, da UP Informática.
Conforme os prestadores de serviços, o criminoso agiu com tempo e conhecimento sobre o que estava fazendo. “Não foi um hacker qualquer, foi alguém que entendia muito. Tínhamos sistemas que precisavam ser parados para que ele conseguisse criptografar os arquivos. Esse sistema está em constante movimento, então, um vírus não consegue pegá-lo. Todos os serviços que estavam rodando foram parados pelo hacker, ele rodou o Ransomware e conseguiu criptografar”, diz Antônio.
Ransomware é um tipo de código que torna inacessíveis os dados armazenados em um equipamento, geralmente usando para criptografia. “Ele teve paciência para ir acessando todas as camadas de proteção dos dados até conseguir chegar ao servidor. Contra ataque de hackers, a proteção dos dados ocorre até certo ponto. Não existe 100% de proteção contra hackers”, pondera Antônio.
Foi Antônio que, na noite de Natal, descobriu o ataque aos dados do Ibiá. Remotamente, ele acessou o site para ver se estava no ar, já que havia apresentado diversas instabilidades ao longo daquela semana, após ter sido trocado o IP da rede de internet. “Não estava funcionando, estava fora do ar.
Pensei que havia dado problema no IP. Fiz um teste para ver se estava no mesmo IP, vi que estava tudo certo e tinha internet. Mas tinha alguma falha na comunicação entre as redes interna e externa, o site não estava funcionando. Tentei abrir alguns programas e eles não constavam mais, quando vi isso me dei conta do que estava acontecendo. Aí, vi o e-mail do hacker”, conta o técnico.
O que foi feito
No momento em que percebeu o que estava acontecendo, Antônio desligou a rede do servidor. Mas, na manhã seguinte, para que os jornalistas pudessem abastecer o site com notícias, o servidor teve de ser ligado. Com isso, o bandido conseguiu concluir a captura dos dados e deixou sua “marca” para contato. “Conseguimos identificar e descobrir que se tratava de um e-mail da Alemanha, mas o hacker, possivelmente, era Russo”, conta Antônio Oliveira.
Depois de várias tentativas para resolver o problema, usando todas as ferramentas disponíveis ao alcance, foi feito contato com o criminoso. “Tentamos ‘arrombar’ o pacotinho de diversas formas, mas não tínhamos ferramentas para descriptografar os dados. Trata-se de um Ransomware muito novo, nem mesmo uma empresa especializada conseguiu reverter a criptografia. Então tivemos que ceder e entrar em contato com o hacker”, diz o técnico.
“A grande dúvida sempre ficou em acreditar na palavra do criminoso, já que primeiro é necessário pagar o resgate para depois ele mandar a chave de desbloqueio dos dados”, comenta Bruno. “A tecnologia que os hackers vêm aprimorando ao longo do tempo precisa levar as empresas a prestarem mais atenção nos cuidados com sua infraestrutura em TI”, orienta o representante da UP.
Trabalho em equipe
A empresa como um todo foi afetada pelo sequestro dos dados. “Ficamos sem acesso a todo sistema de gestão, onde estavam todas as informações. Exemplificando, não se sabia até quando um assinante teria sua assinatura ativa ou por quantas edições um anunciante teria contratado anúncios”, conta o gerente administrativo do Ibiá, Alexandre Röder.
Na Circulação, não havia acesso aos cadastros de clientes, lista de locais de entregas e cobranças. Redação e paginação, áreas onde as notícias são compiladas para dar origem ao jornal impresso, foram perdidas matérias, fotos, anúncios, além das páginas matrizes com logos, fontes e cores padrões. “Tinha que sair edição no dia 27 e no dia 26 não tinha nada, o pessoal teve que começar a produzir do zero”, lembra o técnico Antônio Oliveira.
Colaboradores que estavam em férias retornaram para ajudar os demais colegas. Os entregadores se basearam na própria memória para levar os exemplares até a casa dos assinantes. “O leitor não ter ficado sem jornal foi um milagre. O portal teve suas notícias abertas por que não tinha como validar o usuário, não havia sistema para isso. O leitor continuou recebendo o jornal, acessando o site, o flip, para ele não teve impacto. Para o Ibiá, no entanto, foi como a explosão de uma bomba”, observa Antônio.
Alexandre conta que, durante a fase de ataque aos dados, surgiram os sentimentos de pânico e impotência. “Não sabíamos para que lado correr, até cair a ficha, ficamos na mão de um desconhecido. Mas a equipe deu a volta por cima e vale elogiar muito a redação, paginação e circulação que buscaram arquivos que não estavam no servidor para poderem colocar a edição na rua no dia seguinte ao ocorrido. Com isso, honramos com nosso compromisso com o cliente, de entregar seu exemplar em sua casa ou empresa.”
O gerente também destaca o apoio recebido fora da empresa. “Nessas horas vemos o quanto é importante união das pessoas que vão atrás de uma saída para ajudar. Além dos nossos colaboradores, recebemos apoio através de manifestos da comunidade, muita gente tentou ajudar a encontrar uma solução.”
“Juntos pelo Ibiá”
A partir desta sexta-feira, dia 27, o Ibiá desenvolve uma campanha para atrair novos assinantes e anunciantes. O objetivo da ação é promover a valorização do jornal local e viabilizar a sua continuidade, em vista dos prejuízos gerados pelo ataque hacker.
“Para fazer frente aos serviços que precisaram ser pagos, a empresa acumula compromissos financeiros. Pagamos empresas para tentar descriptografar os dados, sem falar no resgate. Além disso, todo o sistema está sendo restabelecido, tivemos que configurar todas as máquinas, rede, reconfigurar e-mails”, explica Mara Rúbia. “Essa é a nossa grande dificuldade, em um momento que não é bom na economia de modo geral e, menos ainda, para nosso modelo de negócio.”
O momento, que já era difícil, em razão das sequelas deixadas pela pandemia, tornou-se ainda pior diante da situação enfrentada a partir do hackeamento, afirma Maria Luiza Szulczewski, a Lica, também diretora do Ibiá. “Contamos com o apoio de todos para continuar o nosso trabalho. Neste momento, prestamos conta à comunidade sobre o que aconteceu e, ao mesmo tempo, lançamos uma campanha de apoio ao Jornal local”, explica Lica.
“As pessoas podem fazer assinatura do impresso ou digital, anúncio, ou ainda, doação. A 30 dias de completar 40 anos de existência, queremos continuar contando a história de Montenegro e região. Assim como sempre estivemos ao lado das comunidades, agora precisamos da ajuda de todos para recuperar a estabilidade financeira do Jornal e voltar a olhar para a frente”, acrescenta Maria Luiza.
Movimento coletivo para a reestruturação e ajuda ao Ibiá
O publicitário Ismael Nogueira Kirst foi um dos primeiros montenegrinos a “dar a mão” ao Ibiá neste momento de busca por apoio da comunidade. Além de já ter produzido material para o Ibiá, como a identidade visual, que modernizou o logotipo e o projeto gráfico do jornal, Ismael apresenta outros motivos para apoiar a campanha “Juntos pelo Ibiá”. “O contato com veículos de comunicação sempre fez parte da minha rotina de trabalho e o Jornal Ibiá sempre teve grande relevância nas campanhas de publicidade para clientes que atendo”, comenta.
Durante a criação da identidade visual do Ibiá, Ismael pesquisou sobre a história da empresa e conheceu seus valores e missão perante a comunidade. “Pude entender a dimensão completa da importância do Ibiá para Montenegro e região, que têm seus acontecimentos noticiados pelas páginas do Jornal há 4 décadas.” O publicitário também destaca as inúmeras campanhas do Ibiá em prol de entidades beneficentes, a defesa de pautas do Município, como as rótulas, sem falar em projetos de grande repercussão.
Ismael criou, voluntariamente, a marca “Juntos pelo Ibiá” para fomentar um movimento coletivo para a reestruturação e amparo financeiro ao jornal. “O Ibiá é o nosso maior jornal impresso, que resiste às atualizações do mundo moderno, assim como o portal on-line com mais acessos no Vale do Caí. Diante de todos estes atributos, senti o dever de também estar ao lado da empresa neste momento difícil. ‘Dia a dia do seu lado’, é o slogan que ilustra bem o sentido maior de existir do Jornal”, justifica Ismael.
Como participar da campanha
A divulgação da campanha “Juntos pelo Ibiá” será realizada nas plataformas de notícias da empresa jornalística e nas redes sociais. No impresso, o leitor pode utilizar um QR code para ser direcionado ao WhastApp, onde são apresentadas as opções disponíveis.