Prevenção ao coronavírus fez com que a equipe do Menino Jesus de Praga se reinventasse
As restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus mudaram a realidade de todas as famílias. Para os pais de crianças e adolescentes, manter os jovens em casa, com aulas online e sem poderem circular, tem sido desafiador. E se essa complicação tem pesado para quem tem um, dois ou três filhos, o que dirão aqueles que estão lidando com as vontades, anseios e necessidades de 23 jovens ao mesmo tempo.
A realidade do Abrigo Menino Jesus de Praga, em Montenegro, foi transformada pela pandemia. Com dois atendidos abaixo da capacidade total, ela está com visitas restritas e os jovens – com exceção de apenas um, que está empregado – não saem da casa, para nada, já desde março. E diante de uma situação que tem tudo para ser bastante pesada, a direção precisou investir em pessoal, materiais e em novos meios de entretenimento; e reimaginar a forma como as crianças e os adolescentes sob seus cuidados são atendidos.
“Hoje, 90% dos que estão na casa são adolescentes entre 14 e 17 anos de idade. E nós pensamos muito nisso, em como a gente iria segurar essa gurizada”, admite a coordenadora e guardiã do abrigo, Rosângela Flores da Rosa. “Eles gostavam muito de ir na Estação e no Parque Centenário com os educadores, de encontrar os amigos, de tomar um chimarrão no fim de tarde; e nada disso pode acontecer mais.”
Também com as escolas paradas e atividades extracurriculares suspensas, oficinas que ocorriam periodicamente deixaram de ser feitas para diminuir a circulação de pessoas de fora. Perderam-se aí momentos extras envolvendo dança, culinária, hip-hop, dentre outros. Uma das saídas da direção, além de continuar com as atividades convencionais conduzidas pelos educadores sociais da casa, foi contratar o serviço de streaming da Netflix. Uma tentativa de prover um novo meio de entretenimento aos jovens. “Por estarmos com essa configuração de adolescentes, a gente precisou pensar no que um adolescente gosta”, aponta Rosângela. “Claro que tudo o que é assistido é acompanhado.”
Nessa busca por ocupar a cabeça dos moradores durante o isolamento, também acabou ocorrendo um resgate de atividades que, na era digital, haviam ficado um pouco de lado nesta geração. Nesses cinco meses de pandemia, já teve gincana, a criação de circuitos, campeonato de pingue-pongue e a volta de brincadeiras antigas, como as bolitas e as corridas de saco, no abrigo. Rolou até competição de meninos contra meninas para ver quem deixava o dormitório mais arrumado. “Foi como a gente conseguiu manter uma convivência mais saudável”, diz a coordenadora.
Situação já difícil fica um tanto mais complicada
Quem vai para o abrigo são jovens que, por determinação judicial, precisam ser afastados de suas famílias. “Por medida protetiva, negligência e até por alguns casos mais graves em que foram violados direitos dessa criança e desse adolescente”, explica Rosângela. Nesse meio tempo, a rede de proteção do Município, que também conta com outros agentes de assistência social, como o CRAS, o CREAS e o Caps, tenta trabalhar na reestruturação da família para que ela possa voltar a receber o menor. Dependendo da situação, há casos em que o jovem, no fim do processo, acaba indo para a guarda da família extensa (tios e avós, por exemplo) ou de uma família substituta, através de adoção.
“Aqui, a gente faz o papel da família”, complementa a coordenadora do abrigo. “Como nós representamos o Estado, nós atuamos naquilo em que aquela família falhou e que violou os direitos daquela criança. Seja encaminhar para a escola, seja a atenção médica, nós precisamos suprir todos os cuidados enquanto tramita o processo.”
Numa situação difícil mesmo que não houvesse pandemia, os pequenos também precisaram lidar com mudanças nas visitações durante a “Era Coronavírus”. É que os que já estavam em um processo mais avançado em direção à aproximação com a família tinham, semanalmente, um encontro com elas dentro da casa. Isso acabou tendo que ser limitado para evitar riscos de contaminações. Só ocorre quando os familiares têm atendimento marcado na casa, sem grande periodicidade. E quando a visita acontece, ela só acontece com o uso de máscaras e com distanciamento.
“Nós não queremos perder vínculos, mas a gente quer proteger eles. Foi uma forma de adaptação”, conta a psicóloga do abrigo, Camila Bozzetto. Jovens já na etapa de visitação e que tenham aparelho celular ainda se comunicam através dele. Na avaliação da psicóloga, o grupo tem lidado bem com toda a situação, embora a procura por seu serviço e os demais – da assistente social e da pedagoga, por exemplo – tenha aumentado dentro da casa. “A gente sente que eles estão mais carentes e que estão nos buscando mais”, coloca. Os demais atendimentos de saúde da instituição, que não podem parar, como áreas de pediatria, neurologia e psiquiatria, seguem ocorrendo.
Atenção especial é dada ao aprendizado
Nos cuidados necessários para evitar as contaminações de fora para dentro, o Abrigo Menino Jesus de Praga ampliou a disponibilidade de álcool gel em todos os setores, adquiriu tapete sanitizante e, agora, são só as crianças e os adolescentes que não precisam usar máscaras nas dependências da casa. As orientações em relação a lavagem de mãos foram intensificadas e a equipe, internamente, também implantou seus protocolos de distanciamento.
“Foi complicado, principalmente com os pequenos, deles entenderam a coisa do abraço”, conta a coordenadora, Rosângela Flores da Rosa. “Eles têm um vínculo conosco todos os dias e as gente teve que trabalhar bem com os pequenininhos de que forma que esse carinho pode ser feito agora.”
Com escolas fechadas e as aulas ocorrendo de forma remota para todas as faixas etárias, o abrigo contratou mais uma pedagoga para reforçar a equipe e auxiliar, diretamente, na área da Educação. Também foi feito investimento em novos computadores e em uma internet mais veloz que pudesse prover aos jovens o aporte necessário à nova modalidade de ensino. Tudo com o apoio de empresas e entidades parceiras. “E é bastante demanda. Eles são de diferentes séries e muitos ainda bem defasados. Tem que se fazer uma busca bem grande pela valorização do estudo”, conta Rosângela.
Para a guardiã, todo esse trabalho extra também traz suas recompensas. Ela aponta que o confinamento está permitindo conhecer mais o jovem e estreitar a aproximação entre atendido e atendente. “A gente está aprendendo muito com eles, também”, destaca. “A gente cresce vendo o que eles gostam e conhecendo o mundo deles, que é um mundo colorido e lindo. E a gente não pode deixar ele ficar cinza, apesar desse vírus e dessa pandemia”.