Até quando agir com as próprias mãos é válido ao presenciar um delito? Que atitudes são recomendadas nesses casos?
Bandido bom é bandido morto. Se eu pegar roubando dentro da minha casa, mato. Quem nunca ouviu ou leu essas frases ao menos uma vez na vida?
E quem também não lembra de Fabiane Maria de Jesus, moradora de São Paulo que foi espancada até a morte por populares que a confundiram com uma sequestradora de crianças para rituais de magia negra? Ou de um homem, que em junho do ano passado foi esfaqueado e espancado, em Porto Alegre, por pessoas que o associaram a um suspeito de estupro?
Esses são casos claros de que não há justiça alguma em atos violentos. Muito pelo contrário; qualquer agressão, não importa a justificativa, é considerada crime. A Constituição só assegura o uso da força em casos extremos, em situações de defesa pessoal, quando não há nenhuma alternativa para salvar a própria vida.
Esta semana, mais um caso de tortura sob o pretexto de “justiça” repercutiu forte em todo o Brasil. Um jovem de 17 anos, dependente químico, teve a testa tatuada com a frase “Eu sou ladrão e vacilão” por dois agressores. A acusação dos torturadores? O adolescente teria tentado furtar a bicicleta de um deficiente na pensão em que vivem. O fato foi negado pelo jovem.
Além de ter a inscrição gravada na testa, o menor teve os cabelos cortados, para que não pudesse esconder a mensagem. Os dois homens foram presos por crime de tortura. Como toda a ação foi gravada e divulgada nas redes sociais, os criminosos foram rapidamente identificados e pegos.
De acordo com o delegado Marcelo Farias Pereira, primeiramente, as pessoas não podem fazer justiça pelas próprias mãos porque há a proibição de ordem jurídica. “O direito de punir é do Estado”, afirma. A orientação, em qualquer situação de crime, segundo ele, é comunicar sempre a polícia.
“As pessoas veem a impunidade e acabam se engrandecendo para tentarem reparar os crimes com as próprias mãos, o que é equivocado”, conclui.
“Há outras formas de cobrança”
O vereador Juarez Vieira da Silva, da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Câmara Municipal, não concorda com a atitude do tatuador. “Há outras formas de punir as pessoas que cometeram algum crime e, com certeza, não são as pessoas vitimadas que devem julgá-las ou fazer justiça com as próprias mãos. Além do mais, pelo que vi, o menino tatuado na testa, de fato, não roubou nada”, afirma Vieira.
Violência não é a solução
Para o advogado criminalista Gustavo Oliveira, casos como esses são complicados de analisar, pois se trata de agressões. Pessoas agridem afirmando fazer justiça, porém ele alerta que este tipo de atitude pode ser considerado um crime. “Fazer justiça com as próprias mãos nunca foi o recomendado.
A lei prevê que a pessoa pode agir somente em legitima defesa”, comenta.
O advogado afirma que há punições para todos os que forem flagrados agredindo alguém e que o papel de punir cabe aos que trabalham com essa atividade, ou seja, os policiais. “É importante lembrar também que a defesa acaba quando se torna uma agressão e, quando se torna uma agressão, é crime”, diz.
O caso do adolescente tatuado na testa por aqueles que suspeitaram que se tratava de um ladrão ganhou maior repercussão por causa das redes sociais. Foi muito grande o número de internautas que saiu em defesa dos agressores, reforçando o discurso de que, se o Estado não pune, a própria sociedade deve fazê-lo. O problema é que, muitas vezes, não há provas e, muito menos, a chance de defesa.
* Colaboraram Cleiton Perdiz e Larissa Finger
qual a sua opinião sobre Fazer justiça com as próprias mãos?
Andreza Lima, 22, vendedora: “O primeiro passo deve ser sempre chamar alguma autoridade. Sei que tem muitos que discordam, mas agir com as próprias mãos não resolve nada. Se fosse na minha casa, eu corria, gritava e chamava a polícia. Agora ficar agredindo os outros não resolve.”
Celso Coelho, 59 anos, aposentado: “Olha aquele caso em Caçapava do Sul, ocorrido recentemente. O marido matou a mulher achando que era um bandido dentro de casa. A justiça nunca deve ser feita com as próprias mãos. As autoridades sempre devem ser responsáveis pelo julgamento”.
Edeni Paes, 73 anos, aposentado: “Não é bom agir por conta própria. Além de se colocar em risco, você pode também ser incriminado. O melhor mesmo é chamar a polícia e deixar que eles façam o que é certo. Torturar uma pessoa por algo de errado que ela fez só piora a situação.”
Eduardo Motta, 30 anos, eletrotécnico: “Não acho válido, porém na hora você não pensa duas vezes, dependendo da situação. No caso do que aconteceu com o menino, é exagero, eu acredito, e muito sensacionalismo da mídia em torno deste assunto! Deve-se dar importância à assuntos mais importantes e relevantes”.
Ísis Oliveira, 16 anos, estudante: “Quem sou eu pra julgar o outro, não é? Corrupção não é crime? Eu já furei uma fila, então se formos julgar a frio, podem tatuar corrupta na minha testa? A meu ver, a justiça com as próprias mãos só causa mais revolta e consequentemente mais crimes. Cabe a nós apenas repassarmos às autoridades devidamente capacitadas a tarefa de julgar os suspeitos de qualquer crime e deixar que elas resolvam o problema de acordo com o que diz a lei”.
Juliano da Costa, 46 anos, comerciante. “No meu ponto de vista, se vivemos em uma sociedade que se diz organizada, devemos seguir as leis que a norteiam, e o tatuador não as seguiu. O certo seria levar o menor às autoridades competentes. Por mais que saibamos das questões de impunidade em nosso país, não cabe a nós o papel de justiceiros. É como a história do lobo que ficou cuidando da criança e, de repente, apareceu com a boca cheia de sangue. Matam-no para, em seguida, percebem que ele havia matado uma cobra que atacaria a criança”.
Laís Lopes Stein, 24 anos, estudante: “Dependendo do crime cometido, vale justiça com as próprias mãos sim, pois é difícil ver a impunidade e não fazer nada, ficar de braços cruzados. Embora assim você também possa estar cometendo um crime, e as coisas não se resolvem dessa forma. Se cada um fizesse como o tatuador, talvez não houvesse tantos crimes. No momento que a população se unir e defender uns aos outros, não haverá mais marginais nas ruas, ou a justiça irá funcionar”.
Leonardo Junior, 31 anos, analista de suporte. “Eu acho que o tatuador não agiu corretamente. No momento em que tu cometes um crime para deter outra pessoa, criam-se dois criminosos. O certo seria segurar o rapaz e chamar a polícia. É ela que devem atuar nesses casos”.
Lidiane Talavitz, 38, industriária: “Acho que nunca se deve reagir. Mas também acredito que o poder público deve investir mais em tratamentos psiquiátricos. Ações de tortura são cometidas por pessoas que sofrem de transtorno e precisam de ajuda.”
Natiele Macedo, 20 anos, cuidadora: “Se alguém for pego em flagrante, alguma coisa pode até ser feita na hora, mas nada extremo. Agora, no caso desta semana, não concordei com a atitude do tatuador. Uma tatuagem, ainda mais na testa, é algo que nunca mais sairá. É para sempre. Por mais que ele tenha feito algo errado, essa atitude não se justifica”.
Nilza Pereira, 68, aposentada: “Acho que nunca devemos fazer justiça com as próprias mãos. Se me ocorresse algum caso mais grave, recorreria a policiais, pois eles são responsáveis por manter tudo em ordem. Ninguém deve se achar no direito de sair agredindo os outros por aí.”
Nyara Kochenborger de Araújo, 18 anos, estudante. “Mesmo antes de ser divulgado o outro lado da moeda – onde o menino é dito como inocente – já não concordava com a atitude do tatuador. Não interessa qual o ‘crime’, torturas e marcas permanentes não são justiça”.
William Souza, 18 anos, estudante.“Pelo que percebi, o ‘tatuador’, como grande parte dos brasileiros, estava cansado de tanta violência. Diante do fato, partiu para a agressão. Infelizmente, por se tratar de um menor de idade, a certeza da impunidade era certa. Perante isso, ele agiu sem pensar. Acredito que a ação do tatuador foi exagerada, porém acho difícil esse rapaz voltar a cometer algum delito. Se estivesse na posição do tatuador, provavelmente iria ‘linchá-lo’”.
Aida Antunes, 62 anos, dona de casa: “Fazer justiça com as próprias mãos é muito errado, porque, na verdade, o ato se torna injusto. Aliás, quando o ato se torna injusto, quem fez pode ser condenado por isso. O melhor mesmo é denunciar para os policiais.”
Jhosy Garcia, 25 anos, professora. “O tatuador não tinha direito nenhum de ter feito o que fez. Ninguém é melhor que o próximo para julgá-lo, sobretudo nesse caso incerto em que eles nem tinham certeza de que estavam presenciando um roubo. O que fizeram foi pura maldade. O correto teria sido chamar a policia para daí estes, que têm o poder, tomarem as providências cabíveis. Decidir o que é certo ou errado como punição a outra pessoa não cabe a nós, de forma alguma”.