Criança morre após longa espera por leito de UTI e por ambulância

Revoltada, família moradora da Rua Nova ainda busca explicações

O pequeno José Adão de Oliveira morreu na última sexta-feira, dia 22, logo após chegar ao Hospital Universitário de Canoas com infecção nos pulmões. Ele tinha três anos de idade. José tinha dado entrada no Hospital Montenegro na terça-feira, dia 19, quando foi confirmada a pneumonia. A família conta que, desde a semana anterior, o levou para consulta três vezes em posto de saúde do Município com sintomas que indicavam uma gripe. Na primeira, dia 12, ele recebeu dipirona, paracetamol e um xarope; e foi liberado. Sem melhora, voltou dia 16 e foi mantida a medicação. O quadro piorou e os pais retornaram com o pequeno no dia 19 à UBS Centro. Foi quando o médico pediu exame de raio-X e fez o encaminhamento ao HM. Ele foi logo internado.

Os pais contam que o quadro evoluiu muito rápido. José precisava de uma UTI pediátrica, que não existe no Hospital Montenegro, e iniciava a busca por leito SUS pelo Estado que o recebesse. No dia 20, quarta, ainda no HM, constataram que ele estava com água no pulmão. “Tiveram que entubar ele. Tiraram 250 ml de água e disseram que tinha muito mais ainda. Estavam atrás de leito, mas não conseguiam vagas”, lembra a mãe, Patrícia de Oliveira. Naquele dia, ela recorda, surgiu a notícia de vaga no Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves. Patrícia não sabe explicar porque, mas acabou não se concretizando a disponibilidade do leito ao filho. “Disseram que não tinha condições, isso e aquilo”, relata.

A mãe conta que a notícia de que foi conseguida a vaga em Canoas chegou às 4h da manhã da sexta-feira, 22. José já estava muito pior; e a esperança do leito acabou eclipsada pela angustiante busca por quem o levasse de Montenegro até lá. Demorou mais de oito horas até chegar, às 12h40, uma ambulância com equipe pediátrica vinda de Torres para fazer o transporte de cerca de 50 quilômetros. Patrícia foi com o menino e acha que ele faleceu ainda na viagem. “Na hora que desceu a maquinha dele, a boca tava bem roxinha já”, lembra. José teve um infarto. Os médicos, em Canoas, tentaram reanimá-lo por quarenta minutos, sem sucesso. Ele tinha partido.

“Num domingo, ele tava almoçando com nós na mesa. Na outra sexta, nós estávamos enterrando ele”, lamenta o pai, Adão Cardoso, ainda sem conseguir acreditar que perdeu o filho. “Ele nunca teve nada, nem dor de ouvido. E nós acompanhamos isso desde o início, sempre procurando os profissionais que ficaram mandando só dar o remedinho pra dor. Quando tu procura um médico, tu tem a confiança de que está sendo examinado por um profissional, mas isso é uma vergonha. Nós esperarmos mais de oito horas para transportar o guri dali é revoltante.” Adão ainda nem sabe a causa da doença do pequeno. A família mora na localidade de Rua Nova, no interior de Montenegro; e o sepultamento ocorreu no cemitério de Bom Jardim do Caí, em Triunfo.

O que dizem os envolvidos
Através da Assessoria de Comunicação da Prefeitura, o secretário de Saúde de Montenegro, Rodrigo Streb, confirmou que, nas primeiras duas consultas de José, os laudos apontaram sintomas gripais. Na terceira, a avaliação apontou a necessidade de raio X, que determinou o encaminhamento ao Hospital Montenegro. Streb diz que a pasta participou ativamente da busca pelo leito de UTI pediátrico. Porém, confirma que o Município não tem ambulância equipada para o tipo de transporte que deveria ser realizado; e que só poderia comprar vaga em uma instituição privada, como o Hospital Unimed Vale do Caí, no bairro Timbaúva, mediante ordem judicial. “Isso porque, por lei, o Município é responsável pela Atenção Básica em Saúde. Exames, procedimentos e atendimentos especializados competem ao Estado”, trouxe.

Coordenador do Samu local, Sanderson Hartmann Lauxen cita a Nota Técnica 02, da secretaria estadual de Saúde, para explicar porque não houve o transporte com as ambulâncias disponíveis por aqui. “(Na sexta), o nosso responsável técnico foi até a emergência e avaliou a criança. Ela estava com um quadro clínico muito agravado e necessitava, para transferir, de uma equipe capacitada em pediatria, de um intensivista pediátrico”, relata. “Está na nota técnica que, a partir do momento em que é tirado o paciente do hospital, a responsabilidade é do médico que assumiu o transporte. Criança é bem diferente de adulto. As dosagens de medicação, os parâmetros do respirador, tudo é bem diferente.”

Responsável médico pelo Samu regional, Rogério Menezes avaliou Adão por volta das 9h da sexta-feira. “Não era o Samu que não tinha condições de transportar, mas a criança que já não tinha condições de ser removida. Ela chegou a um estado de tal gravidade que não suportaria o transporte e realmente não suportou”, comenta.

Como o Samu não tem pediatra intensivista, Sanderson explica que cabe ao Estado prover o transporte com a equipe especializada no atendimento. Só que esse transporte é terceirizado e, segundo ele, a empresa que presta o serviço tem base no litoral; por isso a vinda de Torres. Responsável pela operação, a secretaria estadual de Saúde foi procurada pelo Ibiá, mas não deu retorno sobre o caso. O Hospital Montenegro também foi questionado sobre a possibilidade de um pediatra da casa de saúde acompanhar o menino na ambulância do Samu; e também sobre o que levou à citada “perda” do leito em Bento Gonçalves, dias antes ao óbito, quando o quadro do menino ainda não tinha piorado tanto. Citando questões legais, a instituição informou que não poderia se manifestar.

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