Conselho do Povo de Terreiro trabalha pela aceitação

Entidade municipal lida com a ignorância e a intolerância contra as religiões de matriz africana. Os desafios são muitos

Entre 2015 e 2017, o Disque 100, dos Direitos Humanos – central telefônica que registra denúncias contra diferentes tipos de discriminações – recebeu 1.500 denúncias de intolerância religiosa. Em média, o número equivale a um registro a cada 15 horas no país. Considerando o fato de que o canal é pouco conhecido e de que muita gente não costuma denunciar, o número deve ser muito maior. E os principais focos destes ataques intolerantes são as religiões de matriz africana.

Em Montenegro, desde 2016 começaram a andar as tratativas para a viabilização de um Conselho Municipal do Povo de Terreiro. A entidade conseguiu formar um estatuto, definir seu regimento e, neste ano, foi registrada em lei, juntando as religiões afro-brasileiras da cidade. Ela conta com 10 membros que começaram a trabalhar com um mapeamento das Casas de Religião no município com o oferecimento de orientações e com a busca por políticas públicas que driblem o preconceito e façam permanecer viva a cultura praticada.

O Jornal Ibiá conversou com a presidente do Conselho, Marinês Gomes – a Mãe Mary – e com o secretário da entidade, Jaime Eduardo Gomes, para saber mais sobre os projetos e os desafios enfrentados pelo grupo e pelos religiosos que ele representa. Confira abaixo.

O Conselho
JI: O Conselho representa a Umbanda, a Quimbanda e a Nação. Em Montenegro, qual destas é a mais forte?

Marinês Gomes, a Mãe Mary, presidente do Conselho. foto: arquivo Pessoal

Mãe Mary: Nós não poderíamos dizer ‘forte’. Poderíamos dizer ‘as casas que são mais antigas’. Nós temos a antiga Casa dos Cavaleiros de São Jorge, da Umbanda, por exemplo, que está há 64 anos aqui dentro, assim como a da Tia Cica, que estão firmes e fortes – fortes, não em força de axé, mas em firmeza de permanecer no mesmo preceito.
Se manter, hoje, uma casa de religião por anos e anos é muita força. A sociedade está, cada vez mais, nos colocando para fora, com muitos prédios, cidades e movimento; e nós acabamos tendo que respeitar certas limitações. Nós temos que sair de onde a gente vive e quase se esconder para poder atuar. Estamos lidando com esse preconceito para largar um trabalho ou acender uma vela, onde a gente corre o risco de até ser apedrejado. Então tem que ter essa resistência.

Quem forma o Conselho e quais são as atribuições dele?
Jaime: São 10 membros. De religião, são cinco e os outros são representantes de órgãos governamentais e associações que atuam junto. Temos, por exemplo, a União Montenegrina de Associações Comunitárias, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e o Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico.
O Conselho tem caráter consultivo e deliberativo. Não temos como finalidade a fiscalização do povo de terreiro, mas o auxílio deles, no geral. Se a pessoa montou uma Casa de Religião e quer saber como se regularizar, aí a gente vai lá e dá todo o apoio, com o passo a passo que é necessário. Damos as orientações, dentro do fundamento que a pessoa quer seguir. Além disso, nós temos outros projetos.

Vocês podem citar alguns destes projetos pensados pelo grupo?
Jaime: Tem sempre que se ver com os praticantes. O que eles querem e o que pode ser feito. Muitos falam das garrafas deixadas nas encruzilhadas, com os despaches, por exemplo, e isso realmente é desnecessário. Então, nós vamos trabalhar com a orientação às Casas de Religião, com algo sempre debatido e sem influenciar os fundamentos. Eles têm direito ao culto, mas ao terminar, faz parte levar uma sacolinha e recolher, sem prejudicar o meio ambiente.
Também estamos com este mapeamento, para registrar todas as Casas que existem e também para saber o que realmente é de interesse de todos. Uma de nossas ideias é pegar um terreno, em parceria com a Prefeitura, para usar como se fosse um ‘despachódromo’, onde possam ser largados todos os despachos. Aí tu evita toda essa polêmica no Centro e em outras encruzilhadas. Lá vamos fazer uma encruzilhada e uma praça para que tudo o que possa ser cultuado no meio ambiente seja feito na área desse terreno. Isso já deu certo em Canoas e em Porto Alegre. É uma ideia para ajudar tanto a comunidade, quanto os povos de terreiro.
Mãe Mary: A gente também tem ideais de trazer a cultura afro com mais força pra cá, com as danças africanas e talvez com algum evento para mostrar isso.
São coisas bem interessantes em relação à sociedade, mas todas, claro, envolvem valor e devem demorar um pouco para ocorrer.

A intolerância religiosa
As religiões de matrizes africanas são vítimas de muito preconceito no país. Por aqui, que tipos de atitudes de intolerância são as mais comuns?
Jaime: As mais rotineiras são as ofensas vindas pelas redes sociais. Por lá, tu tá na segurança do teu lar, então tu fala o que tu bem entender. A internet aceita tudo e acabam sendo colocadas coisas que não deveriam ser colocadas. Muitas, ofensivamente.
E isso é algo que não parte de uma pessoa só. Começa em uma e outras já se juntam com frases do tipo ‘ah, porque tem que tocar pedra nessa gente’. E assim que passe a ser algo mais agressivo.
Mãe Mary: Hoje, as pessoas se fecham nas Casas e tem medo de sair. Ocorre muito de quando a gente está na rua para despachar algum trabalho, por exemplo, e se veste todo de branco. E aí acabamos vendo muitos olhares, carros buzinando ou fazendo alguma coisa neste tipo de ação.
Jaime: Nós estamos dispostos a ouvir qualquer denúncia dos religiosos e a orientar dos devidos trâmites legais para coibir este preconceito.
Na percepção de vocês, o que leva a essa intolerância?
Jaime: Para mim é o desconhecimento. Muitos confundem com os rituais de Magia Negra, que é uma coisa que não entra no contexto da Umbanda, da Nação ou da Quimbanda – que são as religiões que integram o Conselho. Isso é outra atividade que não tem nada a ver com o que nós estamos cultuando.
Mãe Mary: Às vezes, as pessoas têm um preconceito em que misturam tudo. É como ‘é tudo religião. É tudo macumba’. E nem sabem que ‘macumba’, na realidade, é apenas o nome de um instrumento musical.
As pessoas precisam ter um pouco mais de instrução e ter a mente mais aberta para poder saber que existem diferentes religiões.
Jaime: Um de nossos projetos é para que se divulgue mais as nossas religiões. Não com o intuito de se promover elas, mas para combater o preconceito.
Uma de nossas conquistas neste sentido foi de conseguir que o ensino religioso nas escolas passasse a abordar, também, as religiões de matriz afro.

A polêmica do sacrifício de animais
Um ponto polêmico quando se fala nas religiões africanas é o do sacrifício de animais. Há até um Projeto de Lei que busca barrar esta prática. Como vocês vêem isso?
Mãe Mary: Não se trata de um ‘sacrifício’. E sim da ‘sacralização’ do animal. Isso é parte da cultura africana e que estão tentando oprimir. É uma coisa que vem de séculos e que a gente precisa preservar. Nós não podemos falar por todas as casas, mas os animais aqui são só para a sacralização mesmo e depois são usados para o nosso alimento. É galinha, cabrito e porco. Todos alimentos.

 

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