Jovem tetraplégico lança livro com apoio da família e da escola
Solitário o dia todo
Sozinho no quarto
Abençoado no meu quarto
Ainda bem!
Porque ninguém liga para o que sinto
Ou o que eu vejo
O mundo inteiro solitário
Pessoas trabalham o dia inteiro
Só para ficarem solitárias por inteiro
O trecho do poema Solitário pode levar o leitor a pensar um pouco sobre o individualismo de hoje em dia, mas também revela traços do cotidiano de Lucas Martins Bauer. Aos 13 anos, o menino, morador de Passo Fundo, no interior de Triunfo, não deixou que a doença que o colocou numa cadeira de rodas o impedisse de sonhar e, com a ajuda da família e da escola, lançou no início deste mês o livro “Poesias de um menino sonhador”. Após fazer sua estreia na Feira do Livro da sua cidade natal, o jovem poeta se prepara para participar das feiras do livro de Porto Alegre, de Montenegro e de General Câmara.
Por ser tetraplégico e ter os movimentos limitados, a produção do livro contou com o apoio de July Emanuely Silva, monitora de Lucas na Escola Municipal de Ensino Fundamental Manoel Gonçalves Meireles. Enquanto o poeta recitava seus versos, a estagiária os digitava. “O Lucas vê o mundo de outra maneira e ele passa isso nas poesias”, explica July.
Conforme o jovem autor, os versos vieram ao natural. “Penso nos sentimentos e no meu entorno também. Busco algum sentido”, revela, apontando as fontes de sua inspiração. A produção de Lucas ocorria praticamente durante as manhãs, já que as rotinas à tarde em sua casa acabam sendo puxadas. “Era tão corrido que não dava tempo de pensar”, afirma. Segundo o poeta, a mensagem que ele quer passar através de seus versos é de que as pessoas se divirtam muito.
Sendo sincero, Lucas diz que nunca sonhou que poderia publicar um livro de poesias, mas sempre as escrevia. Conforme a professora de atendimento educacional especializado, Nanci da Rosa Castro, a ideia inicial era produzir um livrinho na própria escola. “Quando a gente viu que ele escrevia cada vez mais e de forma diferente, concluímos que não poderíamos deixar que o livro não acontecesse”, relata.
Assim, através de uma ação entre amigos, com o apoio da Biblioteca Municipal e da secretaria municipal de Educação e da escritora Célia Ávila, a primeira edição de “Poesias de um menino sonhador” foi lançada no dia 5 de outubro com 100 exemplares impressos pela Editora Evangraf. Além dos textos de Lucas, a obra conta com produções de seus colegas, feitas durante um projeto que envolveu toda a escola e que foram escolhidas pelo autor.
Um jovem decidido e de personalidade forte
“É um aprendizado. Todos os dias ele me surpreende”, relata July sobre o cotidiano com Lucas. Segundo a monitora, trata-se de uma pessoa inteligente que todos os dias tem um assunto diferente para conversar. “A primeira frase que ele me disse foi ‘eu não sou muito de falar’. Depois que me apresentei, ele não parou”, recorda.
De acordo com a diretora da escola onde Lucas estuda desde o 1º ano, Mariangela Lopes Barth, o cadeirante é muito participativo e sempre vai aos passeios em que isso é possível. Ela salienta ainda que a turma dele é a mesma há anos e que eles o apóiam muito. “Ele é um menino muito crítico e sabe o que quer”, reforça Nanci. Ela dá como exemplo o episódio de quando estava sendo discutindo como seria feito o autógrafo do seu livro. “A ideia inicial era fazer um carimbo, mas aí ele falou: ‘eu tenho uma ideia: carimbar com meu dedo. O carimbo é com meu dedo, aí não vai ter cópia’”, conta.
Apesar de não negar que os percalços impostos pela doença deixaram a vida mais difícil, Letícia diz que ser mãe do Lucas é uma grande experiência. “Pra mim, é cansativo, mas, ao mesmo tempo, é prazeroso. Ele está aqui para ensinar para a gente”, diz. “Ele é uma criança de temperamento forte. O que tiver que te falar ele vai te falar, ele não esconde nada. E é uma criança muito inteligente. Ele merece muita coisa boa”, complementa.
Canal no YouTube é próximo passo
Incentivado pela escritora Célia Ávila, que visitou a escola e leu as poesias feitas por Lucas, o cadeirante diz que tem planos de escrever mais. Porém, ele ainda não decidiu se continuará nos versos ou se passará para a prosa. “’Tô’ pensando. Ainda não sei”, despista. O que é mais concreto é a inauguração de um canal no YouTube. “Nele vou falar de tudo um pouco”, afirma.
Porém, para não depender da ajuda de outros para utilizar o computador, Lucas sonha em ter um adaptado com software para que ele o comande com o olhar. Conforme a mãe do jovem, Letícia Martins Bauer, há três anos a família vem lutando para conseguir adquirir o computador, mas seu alto valor mantém isso como um sonho distante. “O dia em que ele tiver o computador dele e puder fazer as coisas dele, eu também vou estar realizada”, garante.
Consultas semanais estão na rotina
Lucas é o terceiro dos quatros filhos de Letícia. Ele tem como irmãs Ritielli, de 22 anos, Camila, 17, e Emily, de dois anos e meio. Conforme a mãe do jovem, ele nasceu perfeito, porém, aos quatro meses, começou a apresentar alguns sintomas, puxando o braço e a cabeça para trás. O menino foi logo encaminhado para o Hospital de Clínicas, em Porto Alegre, onde, após uma bateria de exames, foi constatado que Lucas tinha uma leve atrofia no cérebro. “(Na parte) genética foram feitos todos os exames e ele não tem nenhum doença genética. Então, na verdade, a doença do Lucas é uma coisa que não tem quase um diagnóstico”, relata Letícia.
O jovem também fraturou a primeira e a segunda vértebras, o que fez com que ele perdesse bastante os movimentos. Duas cirurgias já foram realizadas e, conforme Letícia, os médicos desejam fazer uma terceira para unir as duas vértebras. Trabalhando à tarde numa lancheria e fazendo risoles em casa para ganhar um extra, ela também mantém uma rotina especial com o filho, já que ele segue fazendo acompanhamento neurológico e fisioterápico em Porto Alegre.
Além do atendimento na Capital, Lucas também recebe, duas vezes por semana, atendimento domiciliar com fisioterapia e, nas quintas-feiras, é assistido na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Triunfo.