O que deveria fazer parte da natureza acaba gerando diversos problemas em seu curso
O Arroio Montenegro tem diversas nascentes, como no Morro da Formiga, na divisa do bairro Panorama e Santo Antônio, e na Rua Dr. Plínio Daudt Azevedo. A Micro-bacia hidrográfica é quase toda canalizada e passa por toda a cidade, encontrando-se com outros arroios e chegando até o Rio Caí. O que deveria ser um fluxo hídrico normal, com captação e drenagem da água da chuva se tornou uma constante preocupação de moradores e órgãos públicos.

Há quase um mês, uma parte do arroio cedeu na rua Dom Pedro II, no Centro de Montenegro. O buraco que está dentro de uma área privada agora já ameaça se expandir para o meio da rua, e moradores do entorno estão preocupados com a situação. Há cerca de três meses o mesmo buraco tinha cedido no local, e a Prefeitura realizou uma intervenção, porém, em pouco tempo, o dinheiro e o tempo investido caíram abaixo.
Comerciantes do entorno relatam que quando chove o fluxo da água é tão forte que chega a jorrar pelo buraco e inundar toda a rua. Segundo o coordenador da Defesa Civil de Montenegro, Elton José Santos da Silva, o órgão teve conhecimento deste desmoronamento apenas esta semana, mas ele confirma que medidas serão tomadas. “A Prefeitura já tem o investimento e provavelmente vai fazer uma intervenção ali, aquele terreno é particular, mas isso não exime da Prefeitura fazer intervenção”, comenta.

Ainda de acordo com ele, pela averiguação realizada no local, a tendência é de piorar com o tempo. “Ainda bem que não tem construção em cima, então é mais fácil para executar o trabalho. Logo será feito a reconstrução da galeria e aterramento”, fala.
O problema é desde o início
Os transtornos com o Arroio Montenegro não são de hoje, e nem é uma realidade do Centro da cidade. Perto de uma de suas nascentes, na rua General Osório, no bairro Santo Antônio, constantemente quando chove demais alaga, e quem se vê para onde correr são os montenegrinos que ali estão. Eloá Leal mora há 30 anos em um dos pontos mais críticos da rua.
A sua casa fica bem ao lado da parte canalizada do Arroio e, quando chove demais, é sempre a mesma coisa. “Inunda tudo aqui quando chove muito, é horrível, já entrou duas vezes água dentro da minha casa”, conta. Eloá diz que há alguns anos atrás não era assim, mas que agora os alagamentos são rotineiros.

Um dos últimos casos mais graves neste ponto do Arroio foi no mês de abril, quando teve muitas chuvas. Segundo o coordenador da Defesa Civil, uma parte do Arroio está a céu aberto atrás da casa de Eloá, e outra está canalizada. Elton conta que a canalização foi realizada por um morador há muitos anos atrás, de forma irregular, prejudicando o fluxo da água. “Os canos foram menores do que seria necessário, e além desse problema em dois dutos, ali nós tivemos a questão do lixo, quando os índios estiveram acampados no inicío do ano e colocaram o lixo na caixa do Arroio, causando inundação na época”, diz. Elton frisa que foi realizada a limpeza do local e que agora o local não alaga como antes.
Quando ocorreu a situação de emergência em abril, uma das metas do Executivo era refazer a canalização da rua General Osório. Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente, Adriano Chagas, foi encaminhado um projeto, incluindo valores, mas até o momento o dinheiro não chegou. “A gente tem mapeado praticamente todos os pontos problemáticos do município, só o que está faltando é o recurso”, diz.
O projeto foi realizado pela Defesa Civil com técnicos da Secretaria Municipal de Obras Públicas e da Secretaria de Gestão e Planejamento. O trabalho tem um direcionamento preventivo, incluindo 19 metas. “São obras de prevenção ao que tange arroios, taludes, limpezas, o Rio. Foi dado como trabalho modelo. Está no Ministério do Desenvolvimento Regional, e está lá para captação de recursos”, conta o engenheiro civil da Secretaria de Gestão e Planejamento, Daniel Vargas.
Olhando pelo lado ambiental, o biólogo, e vice-presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema), Rafael Altenhofen, explica que na rua General Osório há uma junção de dois corpos hídricos, e que um deles foi canalizado, aparentando problemas depois dessa obra. “O que mudou além disso, foi um loteamento construído logo acima. Ele contribuiu com a impermeabilização do arroio, ou seja, aumentou o volume de água jogado no arroio, claro que tem a questão do lixo, mas ele não pode ser definido como o único culpado”, diz.

Altenhofen vê algumas ações como incorretas por parte do Executivo. “A Prefeitura usa as pessoas de pouca informação e dizem que o problema é elas que fizeram porque jogam lixo, mas isso é um pedacinho do problema, a solução é zonear e aplicar o que a legislação diz”, comenta.
“O cheiro é horrível”
A moradora Eloá ainda relata que, além dos alagamentos, ainda sofre com o cheiro ruim, e isso é constatado por muitos vizinhos. No bairro Santo Antônio existe um grande questionamento sobre o esgoto cloacal, que não tem um direcionamento correto. De acordo com o engenheiro Daniel, a rede que o município tem hoje é pluvial, para a coleta de água da chuva. “O que acontece é que muitas casas tem canos que caem direto do banheiro para o arroio, tendo um despejo de resíduos cloacais na rede pluvial sem tratamento”, frisa. O correto é pré-tratar o esgoto antes de largar na rede. Ele afirma que o município está revisando o Plano de Saneamento Básico, juntamente com o Ministério Público Estadual e a Corsan, e já existe um cronograma de adequação e tratamento de esgoto.
De acordo com o biólogo Rafael, o arroio que está canalizado, além de correr 10x mais rápido, não tem nenhum processo de purificação, que são as curvas naturais, as plantas, os bichos, a própria luz, e quando se impede tudo isso a tendência é piorar a qualidade da água. “O que acontece também é a não absorção do solo, então toda a água que poderia estar entrando e servindo inclusive para recarregar o lençol freático agora é mandada embora. Antes tudo que chovia ia para terra, parte para o solo e parte corria no arroio, hoje não. Toda a água não tem mais para onde ir, ela vai correr para o asfalto que vai parar dentro do arroio então se tende a entrar no arroio de novo”, explica o especialista. Com essa ação, a probabilidade de ocorrer alagamento é muito maior.

Será que a culpa é mesmo dos moradores?
O Arroio Montenegro se encontra com outros corpos d’água na Travessa Capitão Porfírio, e o fluxo ali é bem intenso. A pequena ponte que tem no beco passa por cima desse curso e sustenta a passagem de diversos moradores. Algumas casas foram construídas em cima do Arroio, e segundo o coordenador da Defesa Civil, as construções são irregulares. “Nenhuma foi autorizada pela Prefeitura, portanto é responsabilidade do proprietário. Ele construiu ali”, fala.
O secretário do Meio Ambiente, Adriano Chagas, explica que a lei não permite que se coloque nenhuma residência que caracteriza moradia em uma distância de 30 metros do corpo hídrico, e se ele é canalizado diminui para 15. “É importante salientar que é proibido construir. Todo mundo que está em situação de risco e inundação é porque é proibido. Depois que alaga as pessoas ficam cobrando providências do Município, sendo que o Executivo não tem responsabilidade sobre isso, porque isso é o não atendimento a lei”, diz.
Na visão de Altenhofen, a culpa não é só dos moradores que constroem casas perto de arroios. “A prefeitura não cobra o licenciamento e continua dizendo que o problema do Arroio são os moradores que estão aqui há anos, ao invés de impedir a criação de novos loteamentos”, comenta. Segundo ele, o princípio da função social da propriedade fala que todos têm direito de usufruir da sua propriedade, desde que o uso privado não prejudique o uso coletivo.
Outros pontos problemáticos
Na rua Capitão Porfírio há uma grande parte do Arroio Montenegro canalizado a céu aberto. Muitos alagamentos já foram registrados ali, mas, segundo Chagas, depois que foi refeita a rede pluvial no local nunca mais houve problemas.
O Arroio desemboca no Rio Caí, bem embaixo da ponte do Baixio que caiu neste ano. Segundo o coordenador da Defesa Civil, já há verba e já se tem o projeto. Em questão de três meses a ponte deverá estar construída. “Não tem nada haver a ponte ter caído com o Arroio Montenegro”, conclui. Ele ainda explica que limpezas periódicas são necessárias para evitar alagamentos no Arroio.
Já Rafael acredita que o Arroio pode sim ter influenciado na queda da pontes. “A ponte caiu porque ela perdeu a sustentação por um processo erosivo, esse processo tende a ser agravado por qualquer aumento na velocidade do arroio, então quanto mais rápido chega a enchente lá, e uma árvore que se tire, quando ver, a água começa a comer ali e leva tudo”, fala.
A canalização
A canalização de arroios pode ocorrer de diversas formas, tem locais que se coloca apenas um cano, e outros onde é feito galeria, que podem ser fechadas ou abertas. De acordo com o biólogo Altenhofen, existe um conceito do Ministério Público de que mesmo o arroio sendo canalizado, ele continua sendo uma área de preservação permanente (APP).
Segundo ele, dados técnicos apontam que a canalização aumenta em até 10x a velocidade do escoamento, o que é bem ruim. “Quanto mais se aumenta a velocidade de escoamento do arroio, mais rápido toda a inundação vai chegar aqui no Centro. O que antes ele iria serpentear na parte plana, ser absorvido pelo solo agora vai passar a correr com mais rapidez”.
Mesmo com licença ambiental, só pode mexer nas áreas de Arroio em três casos: interesse social, baixo impacto ou utilidade pública. De acordo com ele, o Município sabe que o Arroio Montenegro não tem mais capacidade nem de receber a quantidade que já recebe de água, mas mesmo assim continua liberando novos loteamentos na descida do Arroio. “Cada novo lote que tu impermeabilizar no início vai aumentar o nível de água que corre para baixo. Isso existe um principio que é o conceito de bacia hidrográfica, que tudo que chover desde o topo do Morro da Formiga vai cair no São Miguel”, fala Rafael. Segundo ele, nada que se fizer embaixo para tentar resolver esse ponto vai ajudar a diminuir ou manter a quantidade de água se não for feita uma gestão de todas as áreas que ainda são permeáveis. O que resta agora é que o Poder Público se una à comunidade para o desenvolvimento do Município.