Realidade e sonho de ser um jogador de futebol

Pressão. Mercado lucrativo procura “produtos” cada vez mais jovens

Ser um jogador de futebol profissional ainda é o sonho de muitos meninos e meninas. Ser uma celebridade e ficar milionário está atrelado à paixão por praticar o esporte mais popular do mundo. Uma jornada de pressões e interesses financeiros de família, empresários e clubes; que empurram crianças pelo caminho de um estrelato carregado de expectativa e de responsabilidade, sendo negociadas como se fossem ‘gente grande’.

Técnico Da Páscoa

O Ibiá foi ouvir o diretor da Fera Escola de Futebol, José Eduardo Verselhese, o “Da Páscoa”, a respeito deste momento do futebol. Antes de tudo, ele assinala que apenas estará emitindo opiniões baseadas em sua experiência e percepção, e que não se deve generalizar a postura de família, escolas e times. Sua análise começa pela afirmação que o futebol é algo que pode ser ensinado; sendo que a definição de talento é muito pessoal. Ele acredita no desenvolvimento do atleta-cidadão, através de treino e dedicação.

“Talento? Ninguém provou ainda que se nasça com ele”. Em seguida, Da Páscoa lista Pelé, Maradona e Messi para ilustrar exceções que não passam de 1% do mundo que joga bola. Uma raridade que, vendida como regra, colocou a frustração – profissional e humana – na vida dos jovens.

A respeito deste garimpo na tenra idade, Verselhese define que o futebol virou um “mercado” que, como tal, precisa de produto. Na linha do tempo houveram ainda mudanças sociais, na qual os campinhos de bairro sumiram. Nestes espaços de grama rústica ou terra, garotos de todas as idades jogavam misturados, sob a regra universal de marcar o gol. Da Páscoa saúda a criação de normas seguidas pelas escolinhas, mas ressalta que sua má aplicação acaba por travar o desenvolvimento de jogadores. “Acaba tirando a liberdade para ser criativo”, diz.

Pé no chão e continuar estudando
Ainda hoje o sucesso de um jogador de futebol está ligado à redenção social de toda sua família. Isso é facilmente percebido na situação da criança vendida para um clube. A idade limite para morar no alojamento é 14 anos, assim como há restrições para o menor viajar sozinho, especialmente ao estrangeiro. E apenas uma família pobre pode deixar tudo para trás para seguir o sonho do filho de ser jogador.

Mas Verselhese observa que essa pressão começa nos clubes, que dão a falsa impressão que qualquer um aos 16 anos pode ser negociado por milhões e ser titular com facilidade. “Isso vira uma ilusão para as famílias”, afirma. Todavia, enfatiza que ninguém deve ser proibido de sonhar. Ao contrário, na Fera são estimulados.

Neste processo, também colocam na cabeça dos alunos que não devem viver apenas para isso, pois uma minoria chega ao estrelato europeu e da Seleção. Dos cerca de 10.000 alunos que passaram pela Fera, 50 seguiram na carreira, inclusive com destaque em clubes de ponta. Mas Da Páscoa gosta de dizer que todos viraram cidadãos.

A orientação então é de “pé no chão”, estudar e ter uma profissão além da bola. Infelizmente, a realidade em algumas instituições é a ganância atropelando etapas, formando máquinas ao invés de atletas que amem o esporte. “Imagina uma criança de 6 anos viver 10 sob pressão para qualquer coisa”, ilustra.

Crianças no mercado da bola
Os clubes reduziram a faixa etária de busca, para assim, o quanto antes, encontrar um craque. Há alguns anos, a idade era 14 ou 15. Hoje, com 8 anos já estão levando para a base, especialmente como forma de subverter a regra do “clube formador”. Da Páscoa não quer generalizar ao comentar que existe apenas interesse econômico, e não de formação humana.

Inclusive, acredita que se não houvesse a lei que obriga estudarem (até os 18 anos), nem isso alguns fariam. Em sua opinião, 14 anos ainda é muito cedo para sair de casa e viver sozinho em uma concentração. Por experiência, relata que o ambiente dentro de um clube é muito diferente de uma escolinha, inclusive pela competitividade entre os garotos.

Além do mais, clubes buscam jogadores com a formação básica completa, ‘peneirando’ as reais promessas. “Entra uma turma de 50 garotos, e em um ano saem 25 e entram outros 25”, explica. Diante desta realidade, o Fera tem a prática de enviar para teste em clubes somente quando tiver plena convicção que o menino ou menina esteja com formação técnica, física e psicológica completa.

Pôr o colete de titular
não deve ser um fardo

“Criança tem que ser criança”
A respeito da idade para aprender futebol, o treinador defende o cumprimento de etapas, que progridam atendendo a necessidade e capacidade da criança, da mesma forma que os Anos Escolares. “Machucar” essa ordem, no afã de ter logo o produto, não pode gerar resultado positivo.

“Já não é nem um adolescente! É um menino que vira um objeto de mercado”, declara. Na escolhinha Fera a mentalidade é que “criança tem que ser criança”, assim como adolescente deve ser tratado como tal. São estabelecidas regras de convivência e a cobrança é feita na hora e na dose certa, com intuito de manter vivo o amor pelo futebol. Uma formação que dentro dos grandes clubes já não receberá.

Classificada pelo diretor como ‘Educacional’, a Fera Escola de Futebol não foca na formação de profissionais. Este sucesso será consequência. Nos treinos é praticado o esporte com alegria, em sociedade, com disciplina e respeito. Um método que precisar ser compreendido pela família, retirando a expectativa elevada em relação ao futuro.

Pais querem “bebês” jogando bola
Na década de 90, o Fera Escola de Futebol matriculava crianças com mínimo de 7 anos. Da Páscoa revela um movimento voluntário, com pais pedindo para colocar os filhos cada vez mais novos. Atendendo este apelo, hoje a faixa é de 4 anos, ainda que haja pedidos para colocar crianças com até 2 anos.

Novamente, a equipe pede que a família não jogue as expectativas para o alto. Até porque a realidade é dos pequenos entrando em campo para se divertir, querendo brincar de bola. E mesmo ao crescerem, não falam em riqueza e ostentação. Apenas querem ser craques, como Neymar ou Cristiano Ronaldo.

Aos 8 anos, e dependendo da maturidade, o pensamento de ser profissional começa a surgir naturalmente. E diante de um elenco atual de 900 meninos e meninas, os professores precisam de cuidado ao falar sobre futuro e talento. Da Páscoa afirma que jamais diria a algum deles que largue o futebol por falta de habilidade. “A gente nunca precisou falar, porque o próprio vê”, explica. Ainda assim, será uma escolha do jovem. Mais uma vez, ressalta a importância do estudo para quando perceber que não vingou no futebol.

Por que os craques somem?
Da Páscoa reitera a pressão sobre crianças, somada a outros fatores emocionais e técnicos. Tudo inicia pela já observada falta de liberdade criativa.

Especialmente no que tange a lacuna de idade – de 16 e 35 anos -, com o preâmbulo da responsabilidade de não errar estando ao lado dos “ídolos”. Se não bastasse, quando chega à sonhada posição, o menino se vê em meio ao embate por dinheiro, travado entre empresário e clube.

Sem base emocional e liberdade criativa, não é anormal que sucumba. “É um ser humano! Que cria; que causa emoção; que se emociona”.

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