TREINADOR montenegrino falou sobre táticas, inspirações e sua trajetória no futebol
“Quero sair jogando desde a defesa, não porque eu acho mais bonito, mas porque considero mais efetivo. Quero marcar lá em cima, pressionar e roubar a bola no campo adversário, porque acredito que isso vai me ajudar a ganhar o jogo”, enfatiza Alexandre Pölking, o Mano, técnico montenegrino que, nos próximos dias, viaja para o outro lado mundo, onde realizará um sonho. Ele vai assumir o comando da seleção da Tailândia e quer alcançar os objetivos do país implementando o seu estilo de jogo.
Aos 45 anos, o treinador se prepara para o maior desafio de sua carreira como técnico de futebol. De férias em Montenegro, enquanto organiza os últimos detalhes para embarcar com destino ao continente asiático, ele concedeu entrevista ao Jornal Ibiá nesta semana e falou sobre seu estilo de jogo favorito, suas inspirações como treinador e sua trajetória no mundo da bola.
A ligação do novo técnico da seleção tailandesa com o futebol começou há quase três décadas, quando José Asmuz, ex-presidente do Inter, e Toninho Luft, amigo da família de Mano, apostaram no então jovem de 18 anos para ser jogador profissional. Mano viajou para Portugal e morou dentro do Estádio da Luz, casa do Benfica, por seis meses, mas não chegou a jogar.
Voltou para casa, e então tentou iniciar a carreira no Estado, pelo Pinheiros, de Taquari; pelo Ypiranga, de Erechim, e depois pelo São José, de Porto Alegre. “Dava para ver que a concorrência era muito grande, e a bola, muito pequena”, recorda o montenegrino.
Aos 22 anos, sentia-se pressionado em casa, com as irmãs cursando Medicina e Odontologia, e entendeu que, provavelmente, não teria futuro na carreira de jogador de futebol. “Antes de voltar a estudar, decidir que queria viajar, sair pelo mundo e aprender outro idioma. Tinha o passaporte alemão, e decidi ir para a Alemanha, estudar Administração de Empresa, e me inscrevi em um curso de alemão”, conta.
Para conseguir se sustentar no país europeu, Mano jogava em um time da quarta divisão alemã. Fez quatro semestres de Administração e, nesse intervalo, seu desempenho melhorou no futebol e o time subiu para a terceira divisão. Na cidade de sua universidade, Bielefeld, o time local – Arminia Bielefeld – jogava a Bundesliga 2 (segunda divisão), e o clube fez uma proposta em 2003 para o atleta montenegrino, que aceitou e se tornou oficialmente jogador profissional.
A equipe conseguiu o acesso para a Bundesliga, mas Mano não atuava e preferiu se transferir, junto com o treinador Bruno Labbadia, para o Darmstdat, que estava na terceira divisão, mas chegou a disputar a elite há alguns anos. Depois, recebeu uma proposta do Olympiakos Nicósia, do Chipre, onde fez uma boa temporada e acabou sendo contratado pelo Apoel, onde realizou mais um sonho. “Cheguei a jogar as qualificatórias da Uefa, foi mais um sonho realizado, totalmente da forma como eu queria, treinando, jogando e trabalhando para isso”, ressalta.
O montenegrino ainda retornou para o Olympiakos Nicósia, onde recebeu uma ligação do empresário para ser auxiliar técnico de um treinador alemão no Al Ain, dos Emirados Árabes, para substituir Tite, que hoje comanda a Seleção Brasileira. Ao aceitar o convite, Mano iniciou sua trajetória na casamata.
A experiência como auxiliar e a caminhada até a seleção
Mano Pölking foi auxiliar técnico por cinco anos, sendo dois nos Emirados Árabes, um no Azerbaijão, um na África do Sul e um ano na seleção tailandesa, onde começou a escrever sua história no país. “Conheço um pouco do brackground, de como é trabalhar lá na seleção. Após um ano lá, perdemos umas Eliminatória da Copa da Ásia, nossa comissão foi demitida e eu recebi uma proposta de um time da primeira divisão tailandesa, para ser treinador”, salienta.
Por cinco anos e meio, o técnico nascido em Montenegro comandou o Bangkok United, onde pavimentou seu caminho para chegar à seleção, desta vez como treinador principal. “É muito difícil, em qualquer lugar, treinar uma equipe por cinco anos. Isso ajudou muito no crescimento da minha carreira. Não alcançamos o título tão esperado, mas trouxemos o clube, de pequeno, para uma das forças do país”, destaca.
No início de 2021, Mano foi para o Vietnã, mas o campeonato foi decretado encerrado devido à pandemia. Com isso, ele ficou livre no mercado e retornou para Montenegro, a fim de passar um período de férias. Há um mês, a seleção tailandesa demitiu o técnico e, na última semana, Mano recebeu a proposta para assumir uma seleção de futebol pela primeira vez. “Fui pego de surpresa, confesso que estou bastante feliz. A negociação durou dois ou três dias. Semana que vem devo viajar para encarar este desafio”, exalta.
Na seleção tailandesa, o primeiro desafio do treinador montenegrino é a Suzuki Cup, que acontece em dezembro, na Singapura. A competição é uma espécie de vestibular para o técnico, que precisa vencer para renovar seu contrato. “O contrato é de cinco meses, mas com cláusula de renovação por dois anos em caso de conquista”, pontua.
Depois de treinar alguns clubes desde 2013, ele terá, pela primeira vez, a oportunidade de convocar jogadores para compor o seu elenco. “Vivi essa experiência como auxiliar, é um trabalho bem diferente. No clube, o trabalho é diário, é uma programação totalmente diferente, pois tu programa 10 meses de treino, agora não. Agora tu te prepara para torneios e jogos, tem que assistir mais jogos, ir aos jogos para ver os jogadores e analisar quem está em um bom momento, tem o trabalho de relações, que é muito grande”, compara.
As características do futebol local e o seu estilo de jogo favorito
O novo comandante da Tailândia deixou o Brasil há 23 anos e já morou em 9 países. Prestes a iniciar o seu maior desafio, Mano enaltece a liga tailandesa e aponta as características do futebol local. “Hoje em dia, acho que o futebol é muito parecido no mundo todo, ele só é jogado em diferentes níveis, intensidades. A diferença é a qualidade individual. Do Sul da Ásia, a Tailândia tem a liga mais forte, o jogador tailandês é mais técnico”, observa.
“Existem jogadores no país que ganham 40 ou 50 mil dólares por mês. E por esse valor, tu traz muitos jogadores brasileiros. Isso eleva o nível da liga. Quanto mais estrangeiros, melhor, mais o jogador local se desenvolve. O Robson, atualmente no Fortaleza, foi treinado por mim no Bangkok. É sempre um bom comparativo para mim, pois tive ele diariamente nos treinos”, acrescenta Mano.
O treinador é muito conhecido na Tailândia por seu estilo de jogo ofensivo. Fã de Guardiola, Mano prefere que suas equipes construam as jogadas desde a defesa. “Sempre gostei do risco, de ter a posse de bola, com a construção começando lá atrás, sem chutão. Os defensores já são escolhidos, normalmente, com essas características, tanto nos clubes, como provavelmente será na seleção agora. É simplesmente uma ideia, o que eu acredito”, declara.
“O torcedor que vai para o estádio quer ver seu time jogando para frente. No final, o que conta para muita gente é o título, e às vezes o título não se ganha somente com isso. Temos um grande exemplo atual, em que o Palmeiras ganha do Atlético-MG, onde falamos de duas propostas totalmente diferentes. Existem várias maneiras de ganhar. O ‘ganhar’ é muito relativo a meu ver, porque não é fácil ganhar”, complementa Mano.
O treinador concorda que nenhum clube vive sem títulos e isso deve ser a prioridade número um, mas defende suas ideias e acredita que pode conseguir vitórias da maneira como gosta de jogar. “Nenhuma das ideias que tenho é porque são mais bonitas, mas porque acredito que vou ganhar o jogo do meu adversário. A ideia é arriscada, te deixa muitas vezes com o time aberto, principalmente na transição defensiva, isso aconteceu muito no Bangkok. E isso faz parte do aprendizado, ainda sou muito novo e quero aprender muito”, diz.
Para Mano, atrair o adversário para seu campo de defesa facilita para a chamada quebra de linhas do rival, para que a bola chegue aos atacantes com mais espaço. No entanto, quando se atua desta forma, muitas vezes se enfrenta adversários que sabem dessa estratégia e não pressionam alto, exigindo que o treinador tenha outras táticas e “ferramentas” para furar o bloqueio. “Acredito no trabalho, para fazer funcionar, tem que trabalhar muito, acertar, errar e mostrar em vídeos, que são muito produtivos para o jogador”, acrescenta.
O primeiro objetivo de Mano no comando da seleção é conquistar o título da Suzuki Cup. Porém, o treinador já traça outras metas para o futuro. “Chegar à Copa do Mundo é um sonho enorme. Terão mais vagas na Copa dos Estados Unidos, é muito difícil, mas a chance aumenta, e eu gosto de sonhar grande, vou trabalhar para isso”, enfatiza.
Inspirações e uma análise do futebol brasileiro
A preferência de Mano pelo estilo de jogo ofensivo, com o ataque sendo construído a partir da defesa, tem algumas inspirações pelo mundo. Uma delas é o multicampeão e consolidado Pep Guardiola. No Brasil, um dos treinadores preferidos do montenegrino é Fernando Diniz, que atualmente treina o Vasco. “Está difícil defender ele, mas gosto de ver os times dele jogando, gosto de ver como ele tenta fazer seu time jogar, a ideia é um pouco semelhante com a que eu defendo”, afirma.
“O Vojvoda, do Fortaleza, está fazendo um ótimo trabalho, o time está com grande intensidade, principalmente na marcação alta. Um cara que acompanho muito na Europa é o Julian Nagelsmann, atualmente no Bayern de Munique, que fez ótimos trabalhos no Hoffenheim e no RB Leipzig. Ele soltou uma frase que me marcou muito, dizendo que o “futebol hoje é 30% tática e 70% competência social”. E nesse caminho entra o Renato, que é o maior gestor do futebol brasileiro”, analisa.
Mano acredita ainda que é mais fácil ser treinador sendo ex-jogador, mas isso não quer dizer que o técnico que não jogou futebol não possa ter sucesso. A vivência de vestiário é uma vantagem nesse sentido.
Em seus 23 anos rodando pelo mundo, o montenegrino diz que sempre encontrou brasileiros. Mano afirma que o futebol brasileiro ainda é uma vitrine enorme. “Falar que vem do Brasil é um passaporte enorme, a associação com o futebol é direta. Tu vais ter sempre uma porta mais aberta, simplesmente porque tu vens da terra de Pelé, Ronaldinho, Romário e Ronaldo. Isso te ajuda muito”, constata.
Em relação ao Campeonato Brasileiro, o técnico de 45 anos vê um nível baixo de competitividade e intensidade. Jogadores que, muitas vezes não competem em alto nível na Europa, vêm para o Brasil e são os melhores jogadores. “Comparado com as ligas europeias, considero mais fraco (Brasileirão). Mas o jogador, individual, sempre vai ser querido no mundo todo, tem atletas brasileiros em todos os lugares, pois nós temos uma criação muito boa, um talento natural”, frisa.
“É um país maravilhoso”
Mano considera a Tailândia sua segunda casa. Não apenas por já ter morado lá por mais de sete anos, mas pelas atrações e características do país. Bangkok, por exemplo, foi a cidade mais visitada do mundo por dois anos seguidos, superando Londres pela primeira vez. As praias e a questão da religião atraem muitos turistas.
“Todas as pessoas que me visitam, prometem voltar e ficam encantadas com o país. Tem atrativos diferentes, praias lindas, ilhas paradisíacas, o povo vai para casar. A culinária me chamou muita atenção também, fiquei praticamente viciado na pimenta, na comida tailandesa. É um país que me acolheu muito bem, o povo é muito receptivo, estão sempre de bem com a vida. Aconselho para todos”, finaliza.