Atual treinador da categoria sub-19 do Internacional, o ex-jogador Chiquinho ministrou uma palestra no Grêmio Gaúcho, em Montenegro, na noite dessa segunda-feira, 13. Destinado para jovens atletas, pais e treinadores, o evento “Os Segredos do Atleta Moderno”, promovido pela Diretoria de Desporto do Município, abordou aspectos do cotidiano dos jogadores e o importante papel de pais e professores na formação dos atletas.
Formado nas categorias de base do Inter, Chiquinho relembrou sua trajetória no futebol, desde os insucessos nos testes até a estreia na equipe principal do colorado. Hoje técnico no Celeiro de Ases, ele enalteceu a importância da base familiar para o crescimento pessoal e profissional dos jovens e apresentou sua metodologia de trabalho para o público.
Antes da palestra, Chiquinho concedeu entrevista exclusiva ao Jornal Ibiá e falou sobre o dia a dia no clube, as principais adversidades para os jovens atletas e outros tópicos que seriam abordados durante a palestra. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
Jornal Ibiá: Como a sua experiência como jogador do clube – na base e no profissional – auxilia no dia a dia com a garotada?
Chiquinho: O fato de eu ter vivenciado tudo isso, realizado testes, ter sido reprovado em alguns deles e aprovado em outros, toda caminhada que tive na base do clube, passando de categoria a categoria, e depois chegando até o profissional e poder realizar esse sonho que a maioria dos meninos tem, tudo isso me ajuda hoje a conduzir o grupo de atletas jovens. Por mais que seja uma geração diferente, a gente está entendendo isso pouco a pouco, e todas as experiências que tive, com certeza, consigo contribuir para a formação deles. Momentos da carreira, bons e difíceis, são diversos obstáculos: a distância da família, dos amigos, ir para um lugar com cultura diferente, tudo isso demanda uma adaptação, e consigo ajudar os atletas a entender que há um tempo até se adaptarem ao lugar. Um atleta da Bahia, vindo para o Inter, leva um tempo até se adaptar, pelo clima, cultura, até pelo palavreado que se usa aqui no Rio Grande do Sul. Aos poucos ele começa a entender e ter um senso de pertencimento, e isso depende muito do treinador, das pessoas que estão no seu entorno. Hoje estou conseguindo dar uma boa contribuição por ter vivido isso também. Também estou conseguindo aliar teoria, estudando. Estou quase terminando a faculdade. Fiz mais de 32 cursos relacionados a todos os aspectos do futebol, e isso tem clareado minhas ideias.
JI: Qual o principal adversário dos jovens hoje em dia?
Chiquinho: Acredito que seja o celular, é uma distração que atrapalha muito. Como treinadores, não conseguimos total atenção dos atletas, eles querem sair do treino e ir logo para a rede social, saber quantas curtidas tiveram nas fotos. Notamos que há um desfoque muito grande, isso atrapalha o atleta, porque no momento do treino ele precisa estar totalmente focado ali. A falta de identidade que o atleta tem hoje é causada pela falta de paternidade. Segundo a universidade de Oxford, esse é o maior problema mundial hoje e leva a muitos outros problemas. Às vezes, você é órfão de pai em casa, porque o pai não participa do processo do filho. Esse é um problema que tem sido bem grave. Através de estudos, eles entenderam que o treinador é uma figura paterna para o jogador. O atleta que vem da Bahia – novamente usando esse exemplo –, com 15 anos, vai ficar longe do pai dele, então eu preciso ser a figura paterna dele, não o pai dele, mas trazer valores, princípios, colocar limites para algumas situações, e de alguma forma tentar gerar uma identidade nesse atleta. Identidade de que ele é um vencedor, já estando ali, mesmo não sendo profissional, mas que já venceu muitas barreiras. Trazer apoio, segurança e pertencimento para esse atleta, assim ele vai conseguir desabrochar mais fácil.
JI: Quais as principais diferenças na formação de atletas do início dos anos 2000 para os tempos atuais?
Chiquinho: O que mais noto de diferente é a tecnologia. Hoje se tem muita facilidade de fazer um treinamento. No nosso tempo, a gente tinha dificuldade com bola, o nosso fardamento era ruim, os campos eram horríveis. A estrutura melhorou bastante, os meninos têm mais conforto hoje. Tivemos bons treinadores, que entendiam da modalidade e conheciam a fundo o futebol. Foi um grande trunfo para nós, já que não tivemos essa parte de estrutura tão boa. Exemplos: Lisca, Cléber Xavier, André Jardine, Osmar Loss, Mano Menezes, Guto Ferreira, André Luis, e outros… Todos esses foram treinadores que seguiram carreira no futebol profissional. Esses caras nos ajudaram muito nesse processo, e hoje tento trazer um pouco dos ensinamentos que tive. O que mais me chama atenção, que vejo muita dificuldade nos atletas, é a questão do desejo por jogar futebol. De ter fome, de ser uma necessidade do atleta de alto rendimento, da entrega desse atleta, do nível de concentração, essas questões eu vejo que ainda falta muito. O atleta entra numa zona de conforto por já ter muita coisa, a gente busca ajudar eles a entender isso e desfrutar disso, ter gratidão por isso.
JI: Quais pontos são trazidos na palestra?
Chiquinho: O pai que tem um atleta em casa, que sabe jogar futebol e tem o sonho de jogar futebol, não pode abandonar a paternidade. Muitas vezes, o pai começa a se tornar o treinador do filho e dizer o que ele tem que fazer em campo. E o filho não espera isso do pai, ele espera o apoio do pai, a segurança, a confiança, um pai que incentive. E muitos pais têm falhado nisso, não é por mal, é por um desejo de ajudar o filho. E essa parte é do treinador. Às vezes os pais querem realizar o sonho deles através dos filhos, já que não conseguiram realizar lá atrás. E isso é um grande risco. Trago a questão da família, a base familiar é importante e vai ajudar muito o atleta. Esse jovem vai enfrentar muitas dificuldades, e se não tiver uma base, quando não estiver jogando, passando um momento difícil dentro do clube, a tendência é que as coisas fiquem muito mais difíceis para o atleta. Ele mesmo vai querer desistir do sonho, se tiver essa lacuna aberta, essa falta de suporte.