CTG Estância do Montenegro: 60 anos de liberdade, tradição e patriotismo

Centro se recupera de período da pandemia com projetos e portas abertas à comunidade

Há 60 anos, Flávio Patrício de Oliveira Vargas, hoje aos 81 anos, passava por um momento revolucionário da história do tradicionalismo montenegrino e até do Rio Grande do Sul. Isso porque, após o fechamento das portas do único Centro de Tradições Gaúchas (CTG) da cidade, intitulado 20 de Setembro, seu Flávio, não aceitava o fim do movimento tradicionalista na Cidade das Artes por ser já, tão novo, amante da tradição. Foi por isso, que, mesmo com muita discriminação, Flávio buscou por amigos de seu pai e avô, que eram simpatizantes do tradicionalismo para fundação de um novo Centro.

“Ninguém quis me acompanhar de começo. O tradicionalismo naquela época foi muito judiado e não era acreditado, achavam que a gente era um bando de grosso”, relembra. Até que, com contatos, conseguiu aderência e muito entusiasmo. “Na época, éramos em mais ou menos dez e em uma noite, comendo uma galinhada e trovando em versos os convidei para fundar um CTG na cidade. Um mês depois fizemos um encontro para definir tudo. De lá, saímos com o Centro montado”, relata. Em ata, o Estância do Montenegro foi fundado em 30 de agosto de 1961.

O processo foi lento pela maior burocracia da época, mas, o registro foi feito. O primeiro ponto de encontro do CTG foi em uma casa cedida na Vila Industrial. A primeira patronagem contava com Walter Flores de Oliveira como patrão, acompanhado de Lauro Soares, Milton Nunes, Miguel Jorge Elias, Valmir Oliveira, Adão Vieira, João Antônio Flores e Algemiro Amorim da Silva. Flávio, na época, por ser o único conhecedor das danças gaúchas, ficou responsável pela invernada artística. Porém, foi patrão da entidade duas vezes: 1981 e 1991.

Atualmente, Flávio segue apoiando e participando fortemente da entidade com o intuito de não deixar a chama do tradicionalismo apagar. Hoje, a patronagem conta com Teófilo Painho de Azeredo como patrão, juntamente de Jonathan Cunha da Silva, Rafael Mohr, Alexsander Alves dos Santos, Isaac Azeredo da Costa e Jonas Engel. Com cerca de 150 pessoas envolvidas dentro do Centro, a entidade tem grande importância e zela pela união. “A gente quer somar conhecimentos, amizades, amor e manter a tradição. Mostrar para as pessoas como funcionava há 10, 40, 100 anos atrás porque a gente mantém isso”, pontua o atual patrão.

Na sede do CTG, quadros com os patrões e única patroa até hoje. Foto: arquivo pessoal

Criação do nome, lema e brasão
O fundador do CTG, Flávio, conta que o nome foi criado baseado nas duas estâncias mais representativas na formação de Montenegro naquela época. “A primeira que foi fundada próximo da cidade foi a Estância Mascarenhas, de Inácio César Mascarenhas. Depois, ele vendeu parte desta Estância ao Antônio Quibedes e ele colocou o nome deste local de Fazenda Montenegro. Eu juntei o nome destas duas estâncias e assim formou Estância do Montenegro”, relata. Segundo ele, o lema também foi de seu encargo: Liberdade, Tradição e Patriotismo. Já o brasão e a bandeira foram criação de Lia Flores de Oliveira, esposa de Walter Flores de Oliveira.

Pandemia parou ensaios, apresentações e projetos
Desde a sua fundação, o CTG tem como papel manter e disseminar a cultura gaúcha, levando a tradição para todas as áreas da sociedade. Antes da pandemia, o Centro participava frequentemente de eventos artísticos e rodeios, com suas invernadas Mirim, Pré-Mirim e Adulta. Dentro da 15ª Região Tradicionalista estiveram ativamente participando com prendas e peões. Durante o isolamento, as portas estiveram totalmente fechadas, com alguns encontros presenciais com as crianças, a fim de manter vínculos e interesse pelo movimento. Carina Weizenmann, diretora cultural do CTG, explica que a tarefa de manter as pessoas ligadas ao Centro durante esse período não foi fácil. “Todo mundo se recolheu em todos os sentidos. Não tivemos uma participação muito grande das crianças, mesmo tentando com a invernada Adulta”, conta.

Em 15 de setembro de 2019, tertúlia da Semana Farroupilha. Foto: arquivo pessoal

Ações sociais foram desenvolvidas, mas encontros foram totalmente cancelados. Manter vínculos com a sociedade também era uma prioridade para o centro. Por isso, no ano passado, diversas atividades foram desenvolvidas de maneira on-line com os pequenos no mês de setembro. Dentre elas, vídeos com o preparo do chimarrão, declamação, oficinas de nó de lenço entre outros, que foram enviados a algumas escolas do município para apresentação aos alunos.

Um projeto de curso de dança de salão, já com 32 pares que fariam parte, foi paralisado em razão da pandemia, o que acaba sendo frustrante para todos da entidade. Além disso, a paralisação dos eventos também foi desanimadora, já que era algo que ninguém esperava e que todas as invernadas almejavam. “Já tínhamos eventos preparados e da noite pro dia soubemos que não teria mais e sem uma margem de por quanto tempo. Se é frustrante para a gente, imagina para aqueles toquinhos que não têm a mesma noção. É algo que nos deixou um pouco sem chão”, lamenta Teófilo.

Trabalho duro e novidades estão por vir
Com a volta que está se aproximando, o trabalho será árduo, mas expectativa e boa vontade não faltam. “Teremos que fazer esse trabalho humano de resgatar o pessoal de volta porque o laço enfraqueceu nesse período. Mas, estamos voltando com um professor excelente, os ensaios já são para voltarem também com o processo da vacinação. Então nossa ideia é ir participando e fazendo tudo que for possível conforme as coisas forem sendo liberadas. Queremos “laçar” esse pessoal de volta pro nosso CTG”, afirma o patrão.

Durante a pandemia, a patronagem não perdeu tempo. Organizaram toda a parte burocrática da entidade e voltam com tudo. Novos planos e muito apoio da comunidade são o que os membros esperam. O CTG conseguiu alguns recursos e já está com ideias para usufruir muito bem do valor. Estrutura do galpão sede é foco. Projetos de aula de gaita e violão já estão em andamento. Outra ideia da entidade é ter dias na semana onde os idosos possam frequentar o CTG com jogos e atividades interativas. “É algo para entretenimento para este público. Estamos fazendo projetos sociais bancados pelo próprio CTG para trazer esse pessoal para dentro do Centro”, pontua Teófilo.

Outra ideia muito discutida pelo CTG Estância tem sido a possibilidade de união dos CTG’s de Montenegro. “Somos, atualmente, quatro CTG’s na cidade que têm a parte artística. Conversei com outros patrões e estamos amadurecendo a ideia da gente ser um CTG só. Voltar na história de quando existia só um, porque isso deixa o movimento mais forte. No momento que a gente se unir e ser um grupo grande de pessoas a gente termina aquela rivalidade e tem uma entidade com quatro bandeiras, mas um nome só, fazendo a mesma coisa juntos”, conta, em primeira mão.

O convite para conhecer o Estância é contínuo. “Não só necessariamente quem é do CTG, e sim também pessoas de fora que desde que respeitem e venham com a mesma ideia de trocar carinho e ser gentil estejam aqui dentro com a gente. Esperamos a aderência das pessoas, porque hoje o que estamos precisando para continuar é isso: pessoas. Estamos fazendo nossa parte, mas sozinha, a patronagem não é nada. Precisamos de quem queira participar com a gente”, ressalta.

Tradicionalistas desde cedo
Muitos frequentadores do CTG levam seus filhos desde cedo ao Centro, com o intuito de aflorar um sentimento maior pelo tradicionalismo. Teófilo, Camila e Jonathan são exemplos disso. Ambos com filhos ativos dentro da entidade acreditam que, como Flávio pontua, o CTG é uma escola de vida. “As crianças aprendem a deixar a inibidez de lado desde pequenos. Eles aprendem a conversar, se expressar, a trocar ideias, criar movimentos dentro da entidade” salienta o patrão.

“Só quem tem filho dentro do CTG que convive em casa sabe a diferença depois que começam a frequentar um Centro. Eles se soltam, convivem com facilidade com outras pessoas, na escola, em tudo”, complementa Jonathan. Camila relembra sobre a liderança natural que acaba sendo desenvolvida. “As crianças quando chegam a algum lugar desenvolvem uma liderança nata. Criando meus filhos aqui dentro eu também vejo o quanto eles ganham em amizades. Hoje o que vai trazer eles de volta vai ser isso”, salienta.

Jonathan (capataz), Teófilo (patrão), sua esposa, Sibele Azaredo; Érica Weizenmann da Silva (1ª prenda mirim da 15°RT) e a mãe Carina Weizenmann, diretora cultural do CTG. Foto: arquivo pessoal

CTG: uma escola de vida
O CTG tem importância fundamental para a história de Montenegro. Flávio pontua que a sociedade existente dentro de um CTG é uma das mais puras que se pode ter principalmente hoje no momento que se vive. “No CTG a família se reúne. É pai, filho, avô, avó, tia. Todos no mesmo ambiente se divertindo.

Aqui dentro um preza pelo outro e isso é a verdadeira família, a antiga, que não perdeu valores. O CTG é uma escola de vida”, ressalta. O apelo é para que se mantenham os Centros com cada vez mais força Brasil afora. “Espero que nunca acabem, que se criem mais. Nós tivemos um vácuo de dois anos com a pandemia, com as portas de todas as entidades fechadas e isso é lastimável. A gente só gosta de uma coisa quando conhece, por isso, as crianças têm que conhecer os CTG’s. A juventude precisa estar dentro dos Centros.”, finaliza.

A primeira patroa de um CTG em Montenegro
Mariloy Terezinha Vieira foi a primeira e única patroa do CTG Estância do Montenegro até hoje, assumindo em 2014/2015. Além disso, é também a primeira mulher a assumir a patronagem na cidade toda. Para ela, felizmente a mulher vem conquistando seu espaço no tradicionalismo. “O que sabemos da atuação da mulher em combate? Quase nada! Viemos de uma sociedade que tem tradição machista e direcionou e direciona a mulher, desde cedo, aos afazeres domésticos e deveres religiosos enquanto espera um cônjuge. Todo mundo sabe que a Revolução Farroupilha durou dez anos. Mas, onde estavam as mulheres durante inúmeros ataques, incêndios e mortes? A mulher estava conquistando seu espaço”, afirma.

Primeira mulher patroa de um CTG em Montenegro, Mariloy Petry, recebeu,
em 2019, distinção que enaltece os serviços prestados por pessoas e entidades e o amor ao Rio Grande do Sul. Foto: arquivo pessoal

Ela lamenta pela imagem ainda conservadora que muitos têm de que o espaço da mulher no tradicionalismo não passa de danças e trabalho na cozinha. “Engana-se quem pensa que o lugar da mulher dentro do tradicionalismo está baseado apenas na dança, na arte de declamar ou tocar algum instrumento musical, ou então participar da cozinha. As mulheres dentro do tradicionalismo conquistaram um espaço diferente do qual estavam acostumadas. Passaram a tomar decisões e fazer escolhas”, destaca.

“Como primeira patroa do CTG Estância do Montenegro espero realmente ter aberto portas para que as prendas de Montenegro sintam-se encorajadas a assumir este papel de líderes não só dentro de uma sociedade tradicionalista, mas também tomando as rédeas de todos os seguimentos da comunidade, juntamente aos homens, em igualdade de condições”, finaliza.

Jantar comemorativo
No dia de aniversário da entidade, sábado, 28, a partir das 19h30min, ocorre uma janta com animação do grupo Timbre Gaúcho na sede do CTG, porém, devido aos protocolos de saúde vigentes, a venda de mesas já esgotou. O Centro irá transmitir o evento ao vivo e o Ibiá também irá compartilhar a live, fique de olho!

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