Professora Laura garante: “Não existe criança que não aprenda”

Professores. No dia dedicado a eles, a história e as lições de vida de uma veterana das salas de aula

O ano era 1956 e o prefeito de Montenegro, Hélio Alves de Oliveira, em seu primeiro ano de mandato, visitava seus eleitores. Entre eles, a família de Laura Silva da Motta, em Bom Jardim. Na época, ela tinha 15 anos e seis meses e como estava no segundo ano ginasial, no colégio São José, recebeu uma proposta: assumir a escola Capitão Felipe Kerber, em Linha Tigre, hoje município de Brochier, para alfabetizar os filhos dos colonos alemães daquela região. Ser professora era um sonho de infância e o desafio foi encarado com entusiasmo, dando início a uma trajetória que só terminou em 1998, com a aposentadoria.

Foi assim que começou a história da professora Laura que, aos 79 anos, lembra com carinho dos desafios de uma época em que as opções de transporte eram poucas, andava-se muito, ganhava-se pouco, mas as crianças já chegavam à escola “educadas de casa”. “Elas respeitavam a gente e realmente vinham dispostas a aprender”, afirma a mestra.

Ao chegar a Linha Tigre, Laura encarou o primeiro e grande desafio. O seu “bom dia” era respondido com um “guten morgem”, com a pronúncia alterada do dialeto Hunsrück, falado no sudoeste da Alemanha, de onde vieram muitos dos antepassados dos moradores do Vale do Caí. Para ensinar os 22 alunos a escrever “cadeira” ou “livro”, primeiro, fazia desenhos para que soubessem sobre o que ela falava. Entre as crianças, esses objetos eram o “stuhl” e o “buch”.

A dificuldade com o idioma não se restringia ao ambiente escolar. Em virtude da distância, Laura ficou hospedada na residência dos proprietários de um armazém, perto de onde lecionava. Eles também falavam muito pouco a Língua Portuguesa, assim como os demais moradores da localidade. Embora estivesse sempre cercada de gente, foram meses solitários, de poucas conversas fora da sala de aula. “Foi difícil, mas eu gostava das crianças e, quando o ano chegou ao fim, tinha conseguido alfabetizar 17 delas”, orgulha-se a professora.

Em 1957, Laura conseguiu transferência para a localidade de Sobrado, onde assumiu as turmas de duas escolas: a Jacó Haubert e a Tibiriçá, já desativada. Nessa época, voltou a morar com os pais, em Bom Jardim, e embora a distância fosse menor, ainda assim, fazia um trajeto de dez quilômetros duas vezes ao dia para cumprir a sua missão. “Não havia transporte”, explica. No frio e no calor, com chuva ou sol, as opções eram a caminhada ou o lombo do cavalo.

Laura aos 15 anos, antes de ingressar na profissão

Na Jacó Haubert, Laura atendia a 48 alunos numa turma multisseriada da 1ª à 4ª série. E dava conta de todos, embora cada uma tivesse necessidades e conteúdos distintos. Mais uma vez, ela elogia a educação da gurizada. “Graças a Deus, nunca tive problema com aluno rebelde”, revela. Com os pais, a relação também era fraterna e respeitosa. “A gente fazia as reuniões e eles sempre vinham e se envolviam com a escola. Era muito bom.”

No ano de 1970, Laura conseguiu nova transferência, desta vez para a localidade onde morava, Bom Jardim. Mais perto de casa, atuou nas escolas Carolina Kochenborger e Irmãos Brochier. Nessa época, a professora era uma espécie de “faz-tudo”. Normalmente, acumulava também as funções de diretora e merendeira, o que nem sempre representava um ganho a mais. “O salário era pouco, a gente fazia porque gostava”, explica.

Antes de encerrar a carreira, a professora Laura ainda trabalhou quatro anos na Escola Henrique Pedro Zimmermann, em Passo da Serra, a partir de 1994. A aposentadoria chegou em julho de 1998, após 42 longos e produtivos anos em sala de aula. Com a experiência de quem ajudou centenas de pessoas a conquistarem uma vida melhor através da Educação, Laura garante: “Não existe aluno que não aprenda”. E neste Dia do Professor, ela faz um alerta a todos que pretendem se aventurar na profissão: “Se não gostar muito de criança e não tiver paciência, melhor nem começar”.

Uma das turmas atendidas pela professora Laura em sua primeira experiência no Magistério, em Linha Tigre

Apoio da família foi decisivo na carreira
Trabalhar longe de casa, muitas vezes em duas escolas, exige muito mais do que esforço e disposição. É preciso também uma boa retaguarda, condição que nunca faltou à professora Laura. O marido, produtor rural, estava sempre presente, apoiando no que fosse preciso. “Meu filho mais velho nasceu em 25 de janeiro de 1964 e, doze dias depois, iniciou um curso de atualização em Montenegro. Tinha de ir e fui obrigada a parar de amamentar porque, naquelas duas semanas, só tinha ônibus para voltar para casa três vezes por semana”, recorda. O pai ficou com o guri todas as manhãs nos primeiros três meses de vida para que Laura pudesse cumprir seu dever.

Há 55 anos, não havia licença-maternidade. Mesmo em 1971, quando chegou a segunda filha, Tânia Iró. a professora praticamente não parou. “Ela nasceu em 22 de agosto e, em começo de dezembro, voltei para o trabalho. Por sorte, depois vieram as férias e pude ficar mais um tempo cuidando dela”, recorda Laura.

Hoje, aos 79 anos, com três netos e uma bisneta, a professora sente orgulho da caminhada. “Nunca me arrependi de nada e, se pudesse, faria tudo do mesmo jeito. Só acumulei alegrias”, garante. A filha, inclusive, foi estimulada pela paixão de dona Laura e se tornou também professora da rede pública municipal de ensino.

Trajetória
Nascida em 18 de julho de 1940, Laura Silva da Mottz tem 79 anos e uma carreira de 42 anos em sala de aula. Neste período, foi mestra de centenas de crianças em cinco escolas:
– 1956: Escola Capitão Felipe Kerber, em Linha Tigre, então distrito de Brochier;
– 1957 a 1970: escolas Jacó Haubert e Tibiriçá, em Sobrado;
– 1971 a 1993: escolas Carolina Kochenborger e Irmãos Brochier, em Bom Jardim;
– 1994 a 1998 – Escola Henrique Pedro Zimmermann, em Passo da Serra.

Durante essa trajetória, Laura fez diversos cursos, participou de encontros e seminários para se manter sempre atualizada e preparada para vencer os desafios da profissão.

IMPORTANTE
O Dia do Professor foi oficializado em 1963, pelo decreto federal nº 52.682, publicado pelo então presidente João Goulart. Foi nesse dia, em 1827, que o imperador Dom Pedro I criou o Ensino Elementar no Brasil, com a instituição de escolas em todas as cidades e vilarejos do país.

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