Paixão por tudo aquilo que representa seu povo

Semana Farroupilha em honra ao homem que não deixou as coisas simples morrerem

Quando, no longínquo 5 de setembro de 1947, João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes liderou a cavalgada do “Grupo dos Oito” pelo Centro de Porto Alegre, talvez não tivesse ideia da dimensão que o ato alcançaria. Mas, se nesta semana há prendas e peões irmanados pelo “ser gaúcho”, é porque aquele jovem estudante do “Julinho” (Colégio Júlio de Castilhos) resolveu honrar as raízes do campo.

Para Carlos Carvalho Paixão Côrtes, foi uma honra falar a respeito do pai. E ouví-lo deixa claro que o legado de 70 anos entregues ao resgate da essência do povo será perpetuado pela família. Carlos define que, a história do homem público começou naquele ato de indignação com o desrespeito à sua gente.

O folclorista João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes nasceu em Santana do Livramento, na Fronteira Oeste, em 12 de julho de 1927, filho de pai agrônomo e mãe musicista

Sentimento que fez o estudante reunir amigos, trajar a indumentária do campeiro e bolear a perna no cavalo para conduzir o Piquete da Tradição. “Para aquela época, isso (pilcha e cavalo) não era comum”, descreveu. Inclusive, Carlos revela que sequer empunhar a bandeira do Rio Grande do Sul era permitido, pois na Era Vargas os pavilhões dos estados haviam sido abolidos, em detrimento da reverência única à Bandeira Nacional.

Aquele dia, escoltando os restos mortais do general farroupilha David Canabarro ao Panteão Riograndense, fortaleceram a retomada da Tradição (já defendida por outros autores). O primeiro passo havia sido a fundação do Departamento de Tradições Gaúchas (DTG) do Julinho e o evento chamado Ronda Crioula. Tudo em oposição à globalização cultural do pós-guerra que reverenciava os Estados Unidos – o “american way of life” (estilo de vida americano). E para evidenciar que todos eram brasileiros, a primeira Chama Crioula nasce de uma centelha da Chama da Pátria.

Mais história
Em janeiro de 1948 o Grupo dos 8, já agregado de valores como Barbosa Lessa e ‘Glauco Saraiva’, fundam o Centro de Tradições Gaúchas (CTG) 35. Foi o primeiro e até hoje balizador os demais. Dali em diante, descreve o filho, a vida do Agrônomo e tosquiador da Secretaria da Agricultura se transforma. Ele passa a ser o folclorista Paixão Côrtes, serve de modelo para a Estátua do Laçador, e parte ao cerne do Rio Grande do Sul para defender os elementos que criadores do gauchismo.

Resgate de costumes do povo
O filho confirma que o legado do pai não inclui recontar a Revolução Farroupilha. “O pai não era um historiador. Era um folclorista”, reafirma Carlos. Paixão se deteve em resgatar as danças, os trajes e a música do povo. Para isso, ele e Barbosa Lessa viajavam carregando um gravador que, de tão grande, obrigava ao pagamento de uma passagem extra no ônibus.

Os rapazes de 22 anos entravam em estâncias longínquas e interpelavam idosos. Peões que ‘mateavam solitos’, prendas que recordavam sua mocidade girando nos galpões; aos quais perguntavam o que dançavam e cantavam no seu tempo. Carlos dá o exemplo da Dança do Pezinho, reconhecida na cidade litorânea de Palmares. Depois veio o Maçanico, Balaio, Xote de Duas Damas, Chamamés. Tudo que se dança da Semana Farroupilha foi Paixão que recolheu, adaptou e levou aos CTG’s. Aquela gente simples cantarolava e os guris gravavam. Paixão usava sua habilidade de dançarino para sapatear os ritmos, reproduzindo a dança. Essa melodia era musicada e o bailar anexado. “A coreografia tinha que bater com a melodia”, explica o filho.

Foto histórica de Paixão no CTG 35 demonstrando sua reconstituição da Chula

Nesta missão, visitaram 62 municípios. Para alastrar a informação, criaram o Conjunto Folclórico Tropeiros da Tradição, que mostrava os passos nos CTG’s. Este levantamento de resquícios de danças regionais e recriação de danças tradicionalistas (1950 a 1952) resultaram no livro Manual de Danças Gaúchas e no disco (terceiro feito no Brasil) Danças Gaúchas, na voz da cantora paulista Inezita Barroso. E Paixão seguiu sua jornada, encontrando traços da culinária, das roupas, da religiosidade. “Os mais diversos modos que identificassem o rio-grandense”, define Carlos.

“Gaúcho é um estado de alma”
Paixão Côrtes ajudou a construir a identidade do povo gaúcho, mas não limitado a um endereço. “O pai dizia que ser gaúcho é um estado de alma. Não é nascer, mas querer ser gaúcho”, define Carlos. Inclusive, nem é preciso vestir pilcha para amar o gauchismo. Então, este foco de Paixão nas manifestações populares o distanciou do Tradicionalismo, criando inclusive uma polêmica.

Ele não era adepto das invernadas, suas roupas iguais e coreografias. Na sua visão, a dança não é uma uniformidade, mas sim uma expressão individual. Ao exemplo das bailantas, o peão e a prenda podem se pilchar da forma que melhor lhe defina. Também as coreografias, de todos no mesmo passo, Paixão acreditava que aceleravam o ritmo da dança, eliminando a expressão que vinha da alma. Por fim, o folclorista não apoia a competição. “Existe algo maior do que vencer”, definiu.

Grupo do 8 se revoltou contra o “american way of life”, colocou o “xucrismo” na rua e restaveleceu o orgulho

O folclore e a tradição
Carlos Paixão Côrtes disse: “Somos ricos em tradição e pobres em folclore”. Segundo a jornalista e diretora cultural do MTG Paranáparanaense Aline Jasper, em sua dissertação de mestrado – que discute a identidade cultural gaúcha – a diferença está “no tempo”. A tradição é composta pelos valores e costumes transmitidos de geração em geração. Ela é estática, tendo em seu cerne a continuidade (churrasco de fogo de chão em espeto de pau). Já o folclore são as manifestações culturais do dia a dia. É a cultura do povo, sujeita a mutações (churrasco na churrasqueira em casa). “A diferença está na forma como a pessoa trata a manifestação cultural, e não na manifestação cultural em si”, explica Aline.

Por exemplo, o Bugio é uma dança de salão folclórica e o Pézinho tradicional. Mas, o Bugio pode ser tradição se for passado de geração em geração. Se a pessoa aprende com o pai. Com a credibilidade de 1ª Prenda do Paraná (2014-2016), 2ª Prenda da Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha (2015-2017) e atual Diretora Cultural do MTG do Paraná, revela que, aos poucos, o folclorista se distanciou do tradicionalismo que achava “engessado”. Mas, em sua dissertação, ela defendeu a importância de Paixão na cultura, através de trabalhos riquíssimos, como a respeito do ‘tropeirismo de porcos’.

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