João tem mais de um século de histórias para contar

Longevidade. Com vitalidade e mãos firmes, seu João Ferreira, montenegrino, comemora 105 anos neste sábado

O que aconteceu há cerca de 10 anos na sua vida? Lembra? Qual foi a maior aventura? O romance mais arrebatador? Seu João Osvaldo Ferreira, mais conhecido como Canica, com (preparem-se), humildes 104 anos, lembra-se de todos os acontecimentos de sua vida, de Montenegro e do País. Neste sábado, Canica, que casou-se apenas uma vez, aos 19 anos, e tem cinco filhos, 27 netos, quase 50 bisnetos, tataranetos e pentanetos, comemora mais um ano de vida.

Ao lado dos filhos, Pedro Carlos Ferreira e Marília Jaci Ferreira da Rosa; da nora Erenita Silva Ferreira e do neto Fabiano Ferreira, seu João, com uma vitalidade que impressiona, lembra dos tempos de juventude em que fugia para não ser levado à guerra, de quando escapava por um triz da repressão da ditadura militar. Lembra também, de quando varava a noite no carteado ou numa cancha de bocha. Das aventuras e dos romances.

Enquanto os olhos, que perderam a capacidade de enxergar há cerca de 20 anos, não vêem mais o horizonte, a memória faz questão de relembrar, como um filme em uma tela de cinema, as histórias desde a infância. É como se voltasse ao tempo de criança, de juventude e depois adulto.

Com a fatiota bem aprumada, os cabelos grisalhos mostram o peso dos anos, em contrapartida, no rosto, poucas rugas fazem mérito à idade. As mãos ainda firmes dançam valva no ar quando precisa representar um fato de sua história. A postura é firme na cadeira e, apesar da cabeça baixa, Canica está atento a tudo. Para manter essa vitalidade uma sugestão, fazer o que se gosta.

“Olha eu me cuido, não jogo mais e como bem. Beber eu bebia quando era novo, mas depois eu parei, larguei tudo”, revela. A alimentação é reforçada. No café da manhã um pedaço de linguiça, um pão e uma xícara de leite. “Todos os dias tem que ter”, reforça.

De Montenegro, as ruas asfaltadas, o barulho da rodovia e o movimento era um futuro distante no tempo de guri novo. “Tinha uma casinha só, duas”, recorda. Automóvel e TV, nem se sabia o que era. O passatempo era o carteado e a cancha de bocha, prazeres que lhe faziam companhia, muitas vezes, de sexta até o amanhecer de segunda-feira. “Doutor só existia um naquele tempo, que morava longe ainda. Lá perto do rio”.

Depois de anos trabalhando na lavoura, e até em uma olaria, Canica se aposentou e hoje, a rotina é mais tranquila. Levanta cedo, toma o café e depois se agarra num chimarrão. Durante o dia passa o tempo na poltrona, perto do fogão a lenha, e ouve a programação da TV. Depois do almoço a sesta é um pouco mais estendida. Depois que levanta come umas e outras bergamotas, conversa com o filho, nora, neto e as visitas. À noite ouve a novela. “Agora quero descançar. Já caminhei muito nessa vida”, adianta.

“Ah! Mas ainda quer casa, né!”, lança dona Marília, do outro lado da mesa. “Se eu achar uma mulher boa, sim”, responde Canica.

Medo da repressão e da guerra

Seu João com dois de seus seis filhos, Marília e Pedro

Durante a 1ª Guerra Mundial, seu João ainda era novo, tinha sete anos quando o conflito encerrou. Na 2ª grande guerra, ele já era adulto e para não ser levado ao campo de guerra conta que fugia para o mato com o pai.

“Eu era meio novo ainda. Não tinha me casado. Meu pai ia ‘pros’ mato e eu ia junto com ele, pra não ser preso. Eles levavam junto para fazer combate, então nós ‘tinha’ medo de ir”, revela.

Muitos dos conhecidos que foram, ele conta que morreram. Seu João, apesar de ter se alistado no Exército, foi dispensado por causa de um problema de saúde. “Mas nos tempo de guerra andavam procurando pra levar e nós se escondia. Muitas noites eu posei no mato”.

Depois o conflito foi mais perto. A ditadura assustava a comunidade. “Aquilo foi uma coisa muito série. Pegavam e davam ‘pau’”. Por mais que não tenha sido uma das vítimas diretas do período, João viu de perto conhecidos sendo levados. “Eu não dormia na mira”, ironiza, causando a gargalhada dos filhos e da nora. “Mas eu ia ‘pros’ mato. Mas naquele tempo era assim: quando pegavam batiam. Derrubavam no chão e dele porrete. Quase matavam os coitado”.

Peleador e apaziguador
Seu João lembra que certa vez se “enroscou” com um conhecido. Teve de facão à adaga e um dedo cortado. Peleia que se encerrou nisso.

Dedo cortado em uma peleia com um conhecido

Em outra ocasião, quando estava em um baile, ele recusou o convite de uma dama para dançar. “Pois a mulher se chateou e foi para o bar, bebeu e quando me viu conversando com outra mulher se irritou”, lembra. Na mesa em que ele e a pretendente estavam, a garrafa de cerveja e os copos faziam companhia e facilitavam a socialização. “Mas a mulher veio e virou a mesa, derramou toda a cerveja em mim”, conta João levando as mãos aos peito para simular a cena.

Em outro caso, ele lembra que tinha combinado de jantar com uma namorada. Na época não tinha a possibilidade de ir até um restaurante, a comida era servida na casa da moça.

Canica era encarregado de providenciar a carne, o fez. Passou no açougue e comprou a galinha. Foi até a casa da namorada, mas encontrou ninguém. Sem perder tempo, ele deixou a galinha pendurada na porta e foi para o carteado. À noite, quando voltou à casa da amada já esperava a janta pronta. Qual foi a surpresa quando descobriu que logo depois de ele deixar a carne na porta um malandro passou e arrebatou a carne que iria servir de janta?! “Tive que ir comprar outra”, recorda.

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